Prestes a encerrar seu mandato à frente do governo do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori (MDB) fez nesta sexta-feira um balanço das realizações da gestão. Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, o governador exaltou as mudanças na área da segurança pública e as medidas tomadas para conter a crise financeira no Estado.
_ O melhor (do governo) foi a superação na questão da segurança. Ali foi feito um trabalho não só de aumentar efetivo, compra de armas, aquisição de equipamentos, avanço na inteligência, mas de ações, produzindo resultados integrados. No começo do governo, foi o que mais criou embaraços e dificuldades _ afirmou, lembrando o ano de 2016, quando teve de constituir um gabinete de crise e demitir o então secretário da Segurança, Wantuir Jacini, um dia após a morte de uma mãe em frente à escola dos filhos.
Quanto à crise nas contas públicas _ que provocou parcelamentos e atrasos nos salários do funcionalismo ao longo da gestão _, Sartori citou, entre outros pontos, a liminar obtida junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o pagamento da dívida com a União e a aprovação da lei da previdência complementar aos servidores.
O senhor está há menos de 10 dias de deixar o governo. A ficha caiu que o senhor não será mais governador?
José Ivo Sartori: Acho que ainda não. Até porque a realidade é uma, e aquela que eu vou encontrar na frente com certeza é outra totalmente diferente. Não sei como serei recebido em casa, porque eles têm que me aguentar todo dia da mesma maneira. Como eles dizem: "lá vem bronca, lá vem palpite de uma coisa ou de outra". E eu tenho uma esposa que é maravilhosa, consciente, assumida.
O que o senhor vai fazer depois que sair do governo? O primeiro mês é para descanso. E depois?
Eu estou programado até 5 de fevereiro. Eu já sei o que vou fazer. No final do ano, vou para Torres, depois para Atlântida e Santa Catarina. Se eu pudesse, iria morar no litoral. E a gente está acostumado com a vida em Caxias, com a casa da gente, com o lugar da gente. Aliás, uma casa que eu fiquei até 3 meses sem entrar. Mas hoje o filho mora fora, a filha mora fora, mas perto.
E, ao final desses quatro anos, quais pontos você considera o melhor e o pior do seu governo?
Acho que o melhor do governo é a superação na questão da segurança. Foi feito um trabalho não apenas em aumentar efetivo, compra de armas, aquisição de equipamentos e um certo avanço na inteligência e nas ações, produzindo muito mais resultados integradamente, mas é bom que se diga que, do começo do governo, tenha sido o lugar que mais criou embaraço e dificuldades. E eu julgo muito que a parte que foi feita de prevenção, tanto na educação e na segurança, mas também no trabalho, desenvolvimento social, justiça e direitos humanos, com o Centro da Juventude, com o programa de oportunidades e direitos, com o Proerd da Brigada Militar, com as ações da Polícia Civil também. Mas também da sociedade. As organizações foram parceiras, ajudaram. O Instituto Cultural Floresta foi um símbolo da parceria público-privada nessa área. Mas também tivemos, desde que foi criado o Ministério da Segurança Nacional, muito apoio nacional. Eu acho que chegar o ponto de nós termos que chamar a Força Nacional de Segurança também revelava a dificuldade que existia naquela ocasião. Hoje, nós podemos dizer que aquelas forças que vieram para cá nos ajudaram a criar outro ambiente, mesmo que fosse um pequeno contingente, e a mudar alguns aspectos. Por exemplo, a criação da Força Gaúcha nos dá uma dimensão de gente que veio da Força Nacional e nos ajudou a fazer o que pertencia, inclusive, à Secretaria Nacional de Segurança Pública. E outro avanço foi transformar o Grupo de Ações Táticas Especiais (GAT) em um batalhão.
O momento mais tenso do seu governo foi a troca de secretários de Segurança?
Eu acredito que sim. Sei que foi de tardezinha, e de noite começou a complicar. O vice-governador entrou em campo também. Foi uma noite de decisões, de tomada de posição. Não que a gente não reconhecesse o trabalho do Jacini, que é uma figura experiente da Polícia Federal, mas chegou um momento de tomar decisões. E foi uma das primeiras vezes que eu vi, por exemplo, o chefe de Casa Civil com muita firmeza naquela ocasião. E coube a mim fazer a mudança. Daí eu acho que começou a serenar um pouco, mas houve desconfiança. Quando foi indicado o nome do Cezar Schirmer, evoluía muito as questões ligadas a episódios. Mas duas coisas serenaram: foi quando ele entrou em campo e pediu para a própria imprensa o tempo necessário para fazer o serviço que ele desejava; e também uma parte referente ao processo de integração, buscar recursos, alinhar formas e maneiras de atender todas as necessidades que se tinha na área de segurança. O Schirmer, quando aceita, é também porque ele desejava. Então, se ele desejava, ficou facilitada a tarefa, tanto para o conjunto do governo quanto para ele.
Vem aí Eduardo Leite. Que dificuldades ele vai encontrar e que conselhos o senhor passaria para o futuro governador?
Acho que na área pública ele tem a sua maneira de ver e perceber o que é o poder público. Na transição, nós estamos buscando repassar, dentro das condições solicitadas, todas as informações. Eu acredito que ele tem boa equipe, pela formação que ele vem fazendo acho que ele está estruturando o seu governo da forma que ele julga melhor. Da nossa parte, estarei sempre à disposição quando ele desejar alguma coisa.
Qual é o principal desafio dele? O senhor está confortável com a situação do seu partido, poucos meses após o final das eleições, em um embate muito grande, ter embarcado já no Governo Leite?
O convite para o MDB participar do governo que ele está constituindo para mim é um reconhecimento das atividades do nosso governo. E não me cabe analisar o comportamento do MDB. Não me cabe aqui fazer nenhuma referência. Eles têm autonomia para fazer isso, escolheram esse caminho. Esperamos que dê certo, que seja importante. E a decisão é do diretório, e não cabe a mim analisar e muito menos fazer qualquer referência. Até porque até o dia 1° de janeiro eu sou o governador de todos os gaúchos. Quer gostem ou não gostem. E até lá eu sou governador de todos, e não apenas pelo meu partido.
O senhor vai entregar o governo em uma situação financeira bastante difícil. Em números, é a mais difícil da história do RS.
Teremos a folha de dezembro, o 13º que fica para o ano que vem. Eu recebo mensagens de pequenos empresários, que são fornecedores do Estado, e que não recebem desde setembro. Mais de R$ 1 bilhão em dívidas da área de saúde com prefeituras e hospitais. E não foi possível assinar, até agora, o acordo de recuperação fiscal. Ou seja, seu sucessor corre o risco de ter que retomar o pagamento da dívida que está suspensa por liminar. Nessas condições, qual é a saída para o seu sucessor diante da situação que ele vai herdar?
Eu não sei se a dívida chega a R$ 1 bi. Mas, em todos os casos, nós recebemos em 2015 também perto dos R$ 800 milhões a dívida com a saúde. Mas eu não vou discutir isso. Acho que as dificuldades estão aí, mas nós tentamos fazer de todas as formas. Foi quando nós apresentamos na assembleia, em 2016, a oportunidade para a retirada do plebiscito da CEEE, da CRM (Companhia Rio-Grandense de Mineração), da Sulgas. Porque nós já tínhamos renegociado a dívida do Estado do RS. E isso foi um grande ato nosso, que foi conquistado a duras penas, com ações inclusive na Justiça, que ninguém acreditava a oposição que nós iríamos fazer, e a redução dos juros está presente e vai, em 2028, diminuir o estoque da dívida do RS em R$ 22 bilhões. Então, se não pode retirar o plebiscito da Constituição, então vamos realizar o plebiscito. E foi o que nós propusemos para fazer junto com a eleição. Mas agora são cartas passadas. Não tivemos essa oportunidade, mas fizemos a nossa parte. Imagina se nós não tivéssemos feito nada qual seria a dificuldade do Estado se não tivéssemos tido três orçamentos realistas, inclusive o próximo que ele (Eduardo Leite) vai executar, inclusive estruturado politicamente junto com os outros poderes. Este ano, a Previdência do Estado vai ter um déficit de R$ 10 bilhões, no mínimo, pode ser um pouco mais. Nós aprovamos a lei de previdência complementar, que todos que adentraram no serviço público, menos a área militar, todos os outros, desde o dia 19 de agosto vão receber na aposentadoria o equivalente ao teto da Previdência nacional. Sabem quanto tempo vai levar para fazer o equilíbrio previdenciário no Rio Grande do Sul? Em torno de 25, 30 anos.
Por que não conseguiu avançar na recuperação da malha rodoviária do Rio Grande do Sul?
Primeiro lugar porque não tinha recurso. Os únicos financiamentos existentes, alguns tiveram que ser refeitos. E também porque não tinham os projetos necessários. Avançamos na parte das concessões, mas a gente não pode fazer concessão de tudo. A consultora nossa, a KPMG, terminou tudo, tem a modelagem pronta, ele vai receber isso pronto para começar a abrir a porteira. Infelizmente, eu não consegui, mas também não quis fazer apressadamente para que não fosse uma coisa bem feita. O segundo ponto é que, mesmo assim, nós recuperamos mais de 3 mil quilômetros de estradas. E só de ter aberto definitivamente a RS-118 acho que foi um peitaço que a gente deu.
O que faltou para fechar o Plano de Recuperação Fiscal?
Não foi por falta de esforço da nossa parte. Eu pessoalmente disse às autoridades federais: "nós fizemos a nossa parte no Estado. O Rio Grande do Sul foi o Estado que mais tomou medidas de mudanças e de transformações. Eu não quero que vocês demorem e penalizem o Rio Grande do Sul porque o Rio Grande do Sul fez o dever de casa." Nós não tivemos a colaboração daqueles que não queriam que se extinguisse uma fundação, outra fundação, ou para federalizar ou privatizar na negociação com o governo federal. Se nós tivéssemos tido esse instrumento em 2016, com certeza já teríamos assinado o Regime de Recuperação Fiscal ainda no ano de 2017.
O senhor é o último governador a receber pensão integral como ex-governador. Essa pensão lhe constrange de alguma forma?
Eu primeiro lugar não pensei sobre isso. Em segundo lugar não sei nem como é a lei. Eu sancionei sem olhar, aprovei e pronto. Não sei que restrição tem. Fiz de tudo no nosso governo, independente de pensar quanto eu ganhava ou quanto iria ter de pensão. Eu tive a coragem de rebaixar o meu salário. Ganhei menos do que o governador anterior ganhou, mas isso não me fez falta. é a minha contribuição para o Rio Grande do Sul. Por enquanto, não está no meu horizonte (a pensão como ex-governador). Tudo que fiz foi feito pelo interesse público e pela vontade de mudar a estrutura política do Rio Grande do Sul. Acho que essa cultura conseguimos colocá-la publicamente. Sem receio e sem modéstia fico feliz, sei que tem divergências, mas muitas vezes recebo o reconhecimento não só das pessoas que nos acompanharam no desafio que nós enfrentamos, mas também daqueles que não nos acompanharam. Uma repórter me perguntou como gostaria de sair do Palácio quando terminar o governo. Eu disse: "eu quero sair do mesmo jeito que entrei. De cabeça erguida e olhando para frente."