A deputada federal Maria do Rosário (PT) passou a sexta-feira em Caxias do Sul. Acompanhada da vereadora Denise Pessôa (PT), ela visitou a SOS Vida, entidade que atende crianças no bairro Sagrada Família, o Núcleo de Justiça Restaurativa, o Conselho Tutelar Sul e o Comdica. Ela também esteve na Câmara de Vereadores com familiares da menina Naiara Soares Gomes, sete anos, desaparecida desde o dia 9. No final da tarde, participou de bate-papo sobre direitos humanos na Praça Dante Alighieri.
Nesta entrevista, a deputada comenta o sumiço de Naiara e também o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), no Rio de Janeiro, na quarta-feira. Confira:
Caxias vive dias de angústia por conta do desaparecimento de Naiara. De que forma se pode ajudar?
Conversei com pessoas da família e também com o delegado Caio (Márcio Fernandes, responsável pela investigação) nos colocando à disposição, mas sobretudo de forma solidária, porque o trabalho central é da própria polícia. O mais importante é garantir que as pessoas que passam informações passem de uma forma que tenham o máximo de segurança para que a polícia também não se disperse das pistas mais importantes e possa ter mais foco na sua busca. Acho que nisso o delegado está bastante atento, mas, ao mesmo tempo, se as pessoas tiverem dúvida, que também façam chegar a denúncia. A pessoa não precisa nem se identificar para fazer a denúncia. Já tem uma semana, por isso tem uma apreensão cada vez maior nesses dias, porque quanto mais cedo essa busca e a localização forem feitas, mais chances de que ela esteja bem.
O que dizer sobre o assassinato da vereadora Marielle, defensora dos direitos humanos?
Que nós ultrapassamos todas as barreiras da barbárie. Temos no Brasil cerca de 60 mil pessoas são assassinadas todos os anos e não são os defensores de direitos humanos que sustentam isso ou que são indiferentes a essa realidade. Os defensores como Marielle procuram superar e enfrentar essa realidade. A Marielle foi morta porque se apresentou procurando um mundo de paz como direito para aquelas crianças, jovens do Rio de Janeiro e de todo o Brasil. Ela não se dobrou nem ao tráfico nem à violência de Estado. Ela se colocou ao lado da sociedade. Ela ficou entre o Estado e o crime e foi alvo porque estava investigando os dois lados. O que eu queria dizer em nome das pessoas que defendem os direitos humanos é que todos aqueles que atacam os defensores de direitos humanos e ao mesmo tempo promovem ódio racial contra indígenas, mulheres, gays e lésbicas, essas pessoas que fazem esse discurso estão apertando o gatilho, porque estão incitando a população contra a Marielle. Nós vamos ter de acompanhar de fora para dentro essa investigação, porque tem outro elemento. Além da condição dela de mulher, negra, nascida na periferia, ela exercia uma condição de autoridade, era vereadora. É um crime contra toda a Câmara do Rio e todas as autoridades brasileiras. É um crime político.
A senhora, como defensora dos direitos humanos, teme por sua segurança?
Como toda pessoa que sofre ataques contínuos, acho que posso admitir que muitas vezes tenho medo de pessoas agressivas que se aproximam. Não tenho vergonha de dizer que tenho medo desse tipo de abordagem. De que quando fui assaltada e as pessoas desejando que eu fosse morta, enfim, aquilo me deixou bastante chocada. Não é um medo diferente uma mãe que sai de madrugada para ir ao trabalho. Acho que as mulheres têm mais medo por todos os crimes que estão sujeitas. Não tenho vergonha de dizer que temo, mas por outro lado não tenho escolha. Eu já me decidi. Eu cumpro minhas atribuições na defesa dos direitos humanos por uma concepção ética de mundo, não pela política.
Por que existe tanta distorção quando se fala de direitos humanos?
Porque ele enfrenta determinados tipos de autoridades que usam o sofrimento das pessoas para se promover sem apresentar qualquer solução para a dor que elas vivem. É muito fácil fazer discurso fácil. Difícil é sair do ódio ou da ingenuidade e ter propostas concretas para enfrentar os problemas. Uma visão mais complexa do mundo é mais difícil de ser defendida porque ela pressupõe menos ódio e ódio é um sentimento primário. É mais fácil despertar o ódio do que a consciência, porque o ódio é quase que uma coisa automática. Os que despertam o ódio despertam a paixão terrível do ódio, a passionalidade do ódio, eles exercem o poder muito grande, simplificador. Mas muitas pessoas tem raciocínio muito simples e limitado.
Como se supera essa distorção?
Esclarecendo, demonstrando e tendo mais cultura. Cultura significa muita coisa, não individualmente. Não digo que esse discurso é um discurso de pessoas que não têm escolaridade. Não se trata da escolaridade, mas da cultura de convivência entre diferentes, de informações sobre o mundo, refletir sobre as coisas que a gente fala. A nossa missão é despertar nas pessoas a empatia, que é colocar-se no lugar da outra pessoa. Toda vez que a gente atende uma vítima de violência, o mais difícil para mim é realmente tentar conseguir perceber o mundo a partir daquele sentimento que ela tem e não julgá-la. Jamais julgo quando uma vítima de violência vem dizer que odeia alguém, que tem ódio daquele que lhe cometeu violência. Acho que essa pessoa tem direito pleno, quem não tem esse direito de mover-se por ódio é o Estado. O Estado tem de se mover pela lei, pela racionalidade. O indivíduo que sofre violência tem de saber que existe Estado, lei. O seu sentimento ninguém troca. Diante das vítimas, eu jamais as contesto. Não tenho o poder de dizer qual é o sofrimento que qualquer mãe ou qualquer pai tem.
Quais os problemas mais agudos na área de direitos humanos no Rio Grande do Sul?
A escalada da violência é um dos graves problemas. É o mais grave problema associado ao tráfico de drogas, portanto, seria necessário enfrentar o tráfico de drogas não só nas comunidades periféricas. Tem de atacar o tráfico de drogas de cima também, os grandes traficantes, o tráfico de armas, armas jogadas na ilegalidade. Muitas armas, muitas mortes. Toda violência fica mais aguda quando nós temos menos oportunidades também. Nós estamos vendo se degradar rapidamente as condições de saúde, educação, de tudo.
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