O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) e a Brigada Militar (BM) passam por um alinhamento de estratégias para qualificar as abordagens e evitar a nulidade dos processos na Justiça. O projeto chamado Fundadas Razões foi implementado em outubro de 2023 e agora está em fase de divulgação e ampliação por todo o Estado. A BM de Caxias do Sul já recebeu por duas vezes a equipe que o implementou, coordenada pela promotora de Justiça Alessandra Moura Bastian da Cunha, coordenadora do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Acolhimento às Vítimas.
O comandante do 12º Batalhão da Brigada Militar (BPM) de Caxias do Sul, Ricardo de Moreira Vargas, explica que o projeto já está em execução no município e já qualificou na prática a forma de abordagem, incluindo um maior detalhamento das descrições nas ocorrências na delegacia.
— O policial foi atender a uma ocorrência de agressão doméstica. Chegando no local, encontrou drogas ou uma arma de fogo e prende o agressor/traficante. Ele apresenta a ocorrência na delegacia e conta como entrou na casa, por exemplo, pela porta da frente. Um tempo depois, quando a Civil investiga e o MP entra com o processo, a defesa do acusado se apega a detalhes para tentar anulá-lo. Já passou um tempo e o policial é ouvido na Justiça, mas não lembra como foi aquele fato com detalhes e diz que entrou por uma janela, ou pela porta dos fundos, e isso já descaracteriza a prova porque mudou a versão inicial descrita — exemplifica Vargas.
Essa descaracterização pode ser interpretada pela Justiça como um detalhe possível de anular aquele processo e liberar da prisão o autor do crime. Portanto, o Fundadas Razões é a reunião de orientações em um documento que vai aperfeiçoar o trabalho do policial que atende a ocorrência. De forma que possa dar segurança ao trabalho do Ministério Público na acusação.
Nesta semana, os policiais do 12º passam por uma das diversas especializações que fazem durante a carreira militar. Dentro deste curso interno, uma das disciplinas, segundo Vargas, é o alinhamento sugerido pelo MP. Os PMs fazem o curso dividido por equipes e estarão em constante atualização no projeto Fundadas Razões.
Segurança pública linear
A coordenadora do projeto, Alessandra da Cunha, explica que, ao longo dos processos judiciários, o Ministério Público notou que algumas atitudes tomadas na hora da abordagem policial ou descritas na ocorrência geram interpretações dúbias ao Poder Judiciário, anulando o processo. Por isso, o órgão sentiu a necessidade de alinhar os trabalhos de segurança pública, para que ambos, MP e BM, alcancem o mesmo resultado, que é a condenação justa do autor dos fatos.
— Então, o que a gente fez? A gente verificou as principais razões de nulidades declaradas, tanto aqui no Rio Grande do Sul como nos tribunais superiores. E a partir disso a gente fez um material que é levado às polícias, para alinhar as atuações, evitando essas causas de nulidade — salienta Alessandra.
Ela acrescenta que nestes encontros os policiais são ouvidos, para complementar o projeto. Também permite uma aproximação dos promotores da respectiva comarca com os policiais que trabalham ali. Depois, o material é disponibilizado aos comandos com as orientações, e constantemente é aprimorado e ampliado, conforme as demandas que surgirem nos encontros. Também serão atualizados conforme as leis federais forem sendo aprovadas nos casos que envolvem crimes.
Alessandra salienta que uma das atualizações já disponíveis é relacionada a essa situação da calamidade climática. Segundo ela, esta temática é voltada aos flagrantes ocorridos em abrigos, ou de furtos/roubos ocorridos nas cidades atingidas.
— O que nós estamos orientando é que os policiais sempre tomem o cuidado no momento do flagrante, das ocorrências desses casos, dessas prisões, que isso conste, expressamente, que aquele roubo, aquele furto aconteceu numa área evacuada, porque a gravidade disso é maior. Aquele indivíduo se aproveitou de uma situação de calamidade, de uma pessoa que não pode estar na sua residência para cometer um crime patrimonial Ou que aquele tráfico aconteceu na imediação de um alojamento, onde você já tem uma população extremamente vulnerabilizada — detalha a promotora.
Retornos positivos
O Fundadas Razões ainda é novo e foi apresentado em poucos municípios do RS. Mas já há um cronograma para que todas as cidades/comarcas sejam visitadas. Entretanto, já teve resultados positivos. De acordo com Alessandra, alguns casos já foram apresentados com as ocorrências mais detalhadas, e isso vai resultar em decisões que, na visão dela, serão mais afinadas com o que a sociedade precisa. Além de perceber que o relacionamento entre servidores do MP e da BM das cidades está mais próximo. Conforme a promotra, a avaliação quantitativa de resultados será possível no final deste ano, quando as métricas estabelecidas no projeto poderão ser avaliadas efetivamente.