Ao contrário de outras ocorrências semelhantes, a Brigada Militar (BM) não quis responder perguntas sobre a ação no bairro Cruzeiro que terminou com dois suspeitos mortos na noite de terça-feira (21). A principal fonte de informação foi um comunicado da página do Facebook do Comando Regional de Polícia Ostensiva (CRPO) da Serra. Pelo menos oito perguntas não foram esclarecidas sobre a ocorrência.
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Inicialmente, o subcomandante do Batalhão de Choque da Serra, capitão Amilton Turra, atendeu as ligações da reportagem, mas não esclareceu as perguntas abaixo e pediu que os questionamentos fossem direcionados ao comando regional. O tenente-coronel Glauco Alexandre Braga não atendeu aos contatos e apenas respondeu por mensagem que os dados sobre a ocorrência estavam sendo divulgados via Comunicação Social do CRPO Serra.
A Corregedoria-Geral da BM pregou transparência e afirmou que todos fatos seriam apurados em inquérito policial militar, mas que não tinha detalhes sobre o ocorrido em Caxias do Sul e, por isso, também solicitou que os questionamentos fossem direcionados ao CRPO Serra e ao tenente-coronel Glauco. A reportagem também fez contato com a Comunicação Social do comando da Brigada Militar e encaminhou estas oito perguntas por e-mail, mas não foi respondida até o fechamento desta edição.
Às 18h27min, o CRPO atualizou sua publicação no Facebook acrescentando que um inquérito policial militar irá apurar com exatidão as condições em que se deu o confronto e que demais informações serão oportunamente noticiadas, "visando não prejudicar o processo investigativo". O novo parágrafo ressalta que "os dados iniciais sugerem que a atuação ocorreu dentro da legalidade".
O QUE NÃO FOI ESCLARECIDO SOBRE O CONFRONTO:
1) O que a Brigada Militar sabia sobre o apartamento?
O comando do Batalhão de Choque afirma que apenas cumpria as orientações da Agência Regional de Inteligência, por isso não tinha detalhes sobre o que era o apartamento onde foi feita a ação. Na nota oficial divulgada pelo CRPO Serra, apenas é relatada "uma informação" de que integrantes de uma facção e autores de homicídios estariam num apartamento daquela rua. Moradores ouvidos pela reportagem afirmaram não imaginar que o local pudesse ser um ponto de venda de drogas. A hipótese é que o apartamento fosse utilizado como esconderijo de armas do bando criminoso, mas a BM não se manifestou.
2) Os adolescentes eram os alvos da operação?
Rafael Machado Ribeiro, 17, e Alceu Henrique da Silva de Abreu, 14, foram baleados e mortos dentro do apartamento onde foram apreendidas duas pistolas e diversas munições. Na nota oficial, o CRPO destaca que um dos adolescentes iniciou no crime aos 12 anos e possuía diversas passagens como adolescente infrator. Como a Agência de Inteligência não se manifesta sobre o que foi feito antes da intervenção, não se sabe se outros criminosos também utilizavam o apartamento.
3) Como os PMs tiveram acesso ao interior do prédio?
A BM apenas informa que houve um confronto, mas não esclarece como os policiais militares tiveram acesso ao prédio. Um dos suspeitos foi visto entrando na moradia? A entrada foi franqueada? Os dois adolescentes estavam saindo do prédio e foram abordados? A nova legislação sobre abuso definiu pena de um a quatro anos de detenção para autoridades que invadirem ou adentrarem imóvel alheio ou suas dependências. O mesmo artigo, contudo, explica que não haverá crime se o ingresso acontecer quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito. A BM não se manifestou sobre qual foi a situação que levou a esta ação.
4) O confronto aconteceu no corredor ou dentro do apartamento?
Os dois adolescentes morreram dentro do apartamento, mas moradores relataram que havia sangue no corredor. O comunicado do CRPO não deixa claro onde aconteceram os tiros, apenas que houve o confronto. Em suas informações iniciais, o comando do Batalhão de Choque também não deixou clara a situação.
5) Quem abriu a porta do apartamento?
A porta do apartamento onde estavam os adolescentes não tinha sinais de arrombamento. Da mesma forma que não foi esclarecido como os PMs tiveram acesso ao interior do prédio, também não foi respondido como os policiais militares entraram no apartamento. A porta estava aberta ou foi um dos adolescentes que a destrancou?
6) Como os suspeitos resistiram a abordagem?
A informação é que apenas um policial militar efetuou os sete disparos que atingiram as duas vítimas. O comando do Batalhão de Choque confirma que os suspeitos não efetuaram nenhum tiro, mas ressalta que os PMs estavam diante da iminência do perigo, afinal os adolescentes estariam armados, o que levou o policial a atirar. Como não se sabe onde aconteceu o confronto, também não está claro como os dois adolescentes ameaçaram os brigadianos. Os jovens empunharam suas pistolas quando os PMs entraram no apartamento?
7) Por que o CRPO Serra não esclarece a ocorrência?
A não disponibilidade em responder perguntas por parte do CRPO Serra causa estranheza. Em outras situações de confronto da Serra, a BM sempre foi proativa para esclarecer os fatos e respondia aos questionamentos. A mudança não parece ter relação apenas com a nova legislação sobre abuso de autoridade, afinal os questionamentos são sobre o desenrolar da ação policial.
8) Qual é a abordagem padrão da BM diante de denúncias?
Por dia, a BM recebe dezenas de denúncias sobre crimes na Serra, principalmente após a disponibilização de aplicativos de conversas para tais relatos anônimos. Em casos de informações sobre tráfico de drogas e facções, qual é o procedimento policial? Anteriormente, era divulgado que o setor de inteligência realizava um monitoramento para confirmar os fatos e realizar a abordagem no momento oportuno. Este foi o procedimento adotado no bairro Cruzeiro? O que fugiu ao controle dos policiais militares?
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