Mais do que nunca, a prioridade agora é proteger homens e mulheres acima dos 60 anos, grupo potencialmente vulnerável aos efeitos do coronavírus. Não é uma tarefa fácil, mas psicólogos, médicos e atuantes nas políticas públicas afirmam que uma boa conversa, disciplina, solidariedade e carinho serão essenciais para mudar hábitos e salvar vidas.
As mudanças de comportamento em Caxias do Sul são visíveis, ainda que seja difícil mensurar a abrangência da conscientização. O grande desafio, porém, é pessoal. Será quase um recuo nas convicções de cada um e em próprias regras estabelecidas pela sociedade. Pessoas na faixa etária dos 60-80 anos precisarão compreender que o momento é de dar ouvidos aos filhos, a médicos e às recomendações das autoridades para se manteren afastadas de aglomerações e evitar a circulação nas ruas. Dados mostram que a maioria das internações hospitalares por causa do coronavírus abrange homens e mulheres mais velhos, mais suscetíveis aos efeitos causados pelo vírus no organismo. Na Itália, a idade média dos mortos é de 79,5 anos. Quer prova mais contundente desse problema?
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Antes de mais nada, saiba que você não está sozinho. Há muitas pessoas demonstrando interesse em auxiliar nesse período sem parâmetros na história recente. São pequenos favores que podem preservar a saúde dos integrantes dos grupos de risco. Fale com o vizinho ou familiar e peça para ele ir ao mercado ou à farmácia. Isso não significa que as gerações mais jovens estão desvalorizando a sabedoria construída ao longo de toda uma vida. É bem pelo contrário. É época para fortalecer os vínculos.
O contador Vilson Rech, 72 anos, reconhece que chegou a hora de admitir a fragilidade e colaborar. Há uma semana, tem trabalhado em casa a pedido da direção da empresa e de familiares. Não foi uma decisão simples. Rech só se convenceu do resguardo ao ver o depoimento de um morador da Itália relatando o drama no país. Sua sensibilidade aflorou ainda mais durante a homilia do bispo Dom José Gislon numa missa em São Romédio.
— O bispo ia para Itália e não foi. Me dá uma satisfação de saber que há pessoas preocupadas comigo e com uma colega da empresa na mesma situação. Estou em casa, não é a mesma coisa, mas é o momento de me resguardar. Todos precisam fazer isso — aconselha o contador.
O ponto chave é manter esse público especial afastado das junções de pessoas. Isso significa um distanciamento do trabalho, das aulas, dos bailes, do mercado da esquina, do ponto de encontro com amigos na praça ou no bar e até mesmo das unidades de saúde. O geriatra Roberto Bigarella, em entrevista ao Jornal do Almoço da RBS TV, ressaltou que alguém com dor no joelho, na barriga ou com resfriado leve sem sintomas respiratórios graves, não deve ir a plantões médicos ou postinhos.
— Eu gostaria de passar uma mensagem tranquilizadora, que as pessoas podem continuar com sua rotina, sua vida normal, mas infelizmente nesse momento, temos que redobrar os cuidados. A principal medida é o isolamento social, na medida do possível, não pode sair de casa, ir para aglomerações, para supermercado, farmácia. Pode parecer exagerado, mas tudo o que a gente fizer agora vai aparecer pouco mais adiante, porque esse é o momento para lidar com a curva de mortalidade — ressaltou o profissional.
Na dúvida sobre a condição de saúde, recomenda-se ligar para o serviço de informações da prefeitura no telefone 156. Do ponto de vista psicológico, esse necessário isolamento precisa ser trabalhado aos poucos. Para homens e mulheres não tão independentes, que necessitam da ajuda de cuidadores, a tarefa é menos traumática. Já quem já passou dos 60 anos, mas segue com uma rotina ativa, a dica é se preparar e acreditar nas informações que estão sendo divulgadas pelos órgãos oficiais.
ESTÁ DIFÍCIL LIDAR COM O ISOLAMENTO?
Não aguenta a pressão de estar sozinho, de não poder sair de casa? Você pode desabar sobre isso. O Centro de Valorização da Vida (CVV) disponibiliza o telefone 188 para ouvir quem está sentindo-se só e isolado. O apoio emocional é gratuito e sigiloso.
"Não sabem o risco que estão correndo", alerta padre Nivaldo
Apesar do esvaziamento das ruas, a exposição de pessoas acima dos 60 anos continua grande e beira ao preocupante. Numa rápida passagem pelo centro, é possível ver homens e mulheres frequentando espaços públicos, muitos deles com aglomerações. A reportagem encontrou, por exemplo, um casal usando uma máscara de pintura na rua, equipamento não recomendado. Alguns relataram ter consciência dos riscos, outros acreditam que há muito alarde.
Na tarde de quarta-feira, o músico Arorair Porfirio, 70, descansava num banco da Praça Dante Alighieri. No bolso, carregava um pequeno tubo com uma mistura caseira para se prevenir contra o coronavírus. Viu a receita na internet e acredita na eficácia. Foi a saída para a escassez de álcool gel no mercado, problema constatado no meio da semana passada.
— Fiz com vinagre, álcool e detergente. Levo no bolso e uso. Só assim. Falam que tu tem de usar máscara, passar álcool, mas isso não existe na cidade — reclama Porfirio.
O músico afirma ter redobrado cuidados, mas acaba caindo em armadilhas. Naquele mesmo dia, foi obrigado a pegar um ônibus lotado para ir ao Centro. Tinha planos de passar uns dias em Florianópolis e soube que as viagens de ônibus para Santa Catarina estão vetadas. Agora, só resta acompanhar a mudança na rotina em Caxias.
— Tô evitando ir visitar meus netos. Sabe de uma coisa: se for analisar, todos estamos no grupo de risco.
A poucos metros de Arorair, o casal Glorocindo De Boni, 86, e Helena De Boni, afirmavam que estar na rua naquele momento foi uma exceção. Precisavam resolver uma questão urgente. Eles estão mais resguardados.
— Melhor é ficar em casa. Não boto mão em portão, corrimão, maçaneta. Gosto de ir na colônia, ia pra praia agora em março, não vou mais. Deixei até de ir na academia lá no Parque Cinquentenário — conta Glorocindo.
Helena admite que é complicado passar o dia todo em casa, mas sabe que é o momento de preservar ela e o marido.
— Fazemos exercício em casa agora — revela a mulher.
Há 21 anos como sócio de um estacionamento ao lado da Catedral, José João Maraschin, 79, não arreda o pé do trabalho. Acredita que não é a hora de deixar os clientes sem atendimento. Para se proteger, tenta manter uma distância segura dos diversos motoristas que deixam o carro na garagem, mas nem sempre é possível. Como garantia, trocou o aperto de mão por um gesto de reverência.
— Aprendi com o bispo (Dom José Gislon).
Há precavidos e cientes do risco, caso do padre Nivaldo Piazza, que durante 25 anos foi pároco da Igreja Nossa Senhora de Lourdes. Aos 88 anos, deixou de celebrar missas, de ir ao mercado, de circular de ônibus ou atender fiéis para confissões. As tarefas externas são realizadas por um secretária. Ele aconselha que pessoas mais velhas façam o mesmo:
— Não sabem o risco que estão correndo. A percentagem de pessoas de nossa idade em situação gravíssima é alta. Minha sobrinha é médica na Itália, diz que lá o único jeito é ficar recluso. Temos que ficar em casa — suplica Nivaldo.
ABANDONE VELHAS CONVICÇÕES
Querem te deixar trancado em casa? Não querem te deixar trabalhar? Não deixam você ir às compras? Não lamente. Você não está sozinho. Quem tem mais de 60 anos precisa se proteger mais do que qualquer outra pessoa. Encare a realidade e confira as dicas da psicóloga Márcia Dip.
Sou independente e sei o que faço:
Você está na faixa dos 60, 70, 80, 90 anos? Que bom. Você trabalha, tem sua empresa, é autônomo, vai no mercado sozinho, viaja sem depender dos filhos? Parabéns. Agora use essa sabedoria para proteger você, seus familiares e amigos. Como? Adote as medidas básicas de higiene, evite aglomeração. Não tem porque estar reunido com mais de uma, duas pessoas, com muita gente entrando e saindo de casa. Ah, mas tem um amigo ou amiga que está precisando de ajuda, é velhinho. Bom, se tem alguém que cuida dessa pessoa, não precisa ir lá porque você pode passar o vírus para ela ou contrair o vírus. Tem que sair muito? Primeiro cuide de sua saúde e tenha certeza de que está bem para somente depois ajudar as outras pessoas. Ainda assim, pense muitas vezes antes porque a decisão pode ser a pior que você já tomou na sua vida.
Meus filhos não querem que eu trabalhe. Que desaforo!
Sim, eles têm razão e você também. Todo mundo quer trabalhar, é o desejo de todas as pessoas, porém, durante esses próximos dias e não sabemos por quanto tempo será, você precisa ficar em casa, se proteger. Porque o teu filho vai ficar em casa, a tua nora vai ficar, o teu neto vai ficar, não tem muito o que discutir. Tem que ler, se informar a respeito do coronavírus e sentir-se responsável por si mesmo. Use sua sabedoria, faça uma autocrítica para reconhecer que é sim um momento delicado pelo qual todos estão passando. Busque suportar essas adaptações, tente compreender o que está acontecendo. Não seja responsável por prejudicar a si mesmo e a vida dos outros. Não é algo permanente. Vamos então viver um dia de cada vez.
Não quero ficar em casa, não gosto de TV. Quero ir na fábrica, quero estar no meu escritório.
Se você for trabalhar sozinho na fábrica, não tem problema. Mas tem um detalhe: no escritório ou na fábrica você até pode estar sozinho, mas há um trajeto para chegar até lá. Você passará por vários pontos onde pode ser contaminado ou contaminar alguém. Pense no seu autocuidado e na sua responsabilidade antes de optar por isso. Você pode sim passar a doença para outras pessoas, você pode sim contrair o vírus. É ruim estar isolado, é ruim ser proibido de fazer algo, de ser limitado? Sim, é ruim. Não há um preparo, uma receita para quem está acima dos 60 anos. Mas você pode amenizar esse momento, você pode manter contato com seus funcionários, colegas e familiares pelo telefone, pelo WhatsApp e por outras redes sociais. Não sabe lidar com essa tecnologia? Aproveite o período para aprender a lidar com computadores e celulares. Trabalhe em casa, se for necessário. Aproveite para consertar aquele armário, ajeitar aquele vazamento. Faça receitas, leia livros. Se tiver como se manter afastado em um sítio, ótimo. Ocupe seu tempo valorizando o seu lar, o seu eu e seus familiares.
DICAS
:: A reclusão social é a medida mais importante. Evite aglomeração. O ideal é ficar em casa.
:: Mantenha sua casa limpa e arejada.
:: Crianças infectadas pelo coronavírus quase sempre tem boa evolução, mas são grandes transmissoras do vírus. Neste momento, é importante evitar que mantenham proximidade com elas. As visitas podem ser substituídas por conversas por meios digitais.
:: Não é prudente comparecer a aniversários, festas de casamento e outras celebrações do tipo. A ida à igreja também é desaconselhável.
:: Locais como repartições públicas e estabelecimentos comerciais movimentados não são adequados para pessoas mais velhas. Peça algum familiar ou amigo resolver as questões burocráticas e fazer as compras para você.
:: Evite a ida a hospitais, onde pode ser infectados. Só faça estiver com sintomas agudos. O indicado é buscar uma unidade básica de saúde ou um médico particular. Se não houver nenhum sintoma, melhor adiar consultas marcadas.
:: Se precisar sair de casa, é recomendável evitar o transporte público. Se tiver de usar algum meio de transporte, é melhor trocar o ônibus por um táxi ou carro de aplicativo. Se tiver de ir de ônibus, a indicação é escolher um horário de menor movimento. Antes de embarcar e ao desembarcar, a higienização com álcool gel deve ser feita.
:: Vacine-se contra a gripe, mas a ida a um hospital ou posto de saúde em momento inadequado pode trazer risco. As unidades têm de gerenciar esse risco, e você deve estar atento às recomendações sobre quando comparecer e o que fazer.
:: Mantenha certa distância física de parentes e siga à risca as regras de higiene.
:: Se você tem um cuidador, é recomendável que ele use máscara.
Fontes: Sociedade Rio-Grandense de Infectologia (SRGI)