Quantos novos modelos de negócios estão sendo gestados na Serra e abandonarão o berço em busca de outros lares para prosperar é uma dúvida inquietante. Estivesse preso a essa regra forçada que atrapalha o avanço do desenvolvimento econômico da região, Arthur Silveira, 28 anos, possivelmente comandaria o empreendimento familiar num grande centro do país ou até mesmo fora daqui. Mas o CEO de um dos melhores cases de inovação da região inverte a lógica ao emplacar uma empresa no distrito industrial de Gramado.
Líder da Bela Viagem Pagamentos, uma fintech por onde são transacionados cerca de R$ 120 milhões gerados pela economia da cidade, Arthur garante 40 empregos diretos e lidera uma equipe que aspira expansão daquelas lendárias: fazer da Bela um empreendimento global do tipo unicórnio, startups que valem US$ 1 bilhão antes de mesmo de abrir o capital numa bolsa de valores. E tudo seria operado a partir da Serra.
Numa era em que o formato tradicional de negócios dá sinais de esgotamento, com fechamento de empresas e postos de trabalho, Arthur vende a ideia de que é preciso abrir mentes e corações para construir oportunidades, mesmo que isso signifique atuar fora da caixa, além dos padrões. O CEO, que precisou de autorização judicial para ter o nome registrado como trabalhador quando tinha apenas 13 anos, criou um nicho baseado na tecnologia aplicada às finanças. Considerando que o serviço prestado pela Bela estava concentrado até pouco tempo na mão de bancos e bandeiras de cartões de crédito, a iniciativa é o tipo de negócio que precisa inspirar o próximo governo do Estado.
— Inovação não virá da lei. Em outras cidades do planeta, os projetos surgem, dão certo e só depois o governo vai regular isso. É disso que precisamos: que o governo trabalhe muito para não barrar, não atrapalhar a inovação _ pondera Arthur, quando questionado sobre o papel do futuro governador em relação ao desenvolvimento e inovação da Serra gaúcha e do Rio Grande do Sul.
Soluções
Até o final do ano passado, a Bela operava abaixo do radar. Era negócio novo, portanto, não tinha um grupo forte por trás e o CEO queria evitar confronto direto com potenciais competidores, no caso, os gigantes do mercado financeiro. O empreendedor sempre soube que uma empresa precisa vender mais. Então, a proposta levada inicialmente para os empresários de Gramado era um de serviço virtual que facilitasse esse processo.
— Para uma empresa vender, ela precisa cobrar depois e aí que começam as dores. Os métodos tradicionais de cobrança são muito dissociados da venda. Pagamento sempre foi de mercado financeiro. Vendas e gestão são de outros mercados, um não conversa com outro. A Bela é uma financeira, mas que une a venda — conta Arthur.
A equipe da Bela se deu conta que não adiantava apenas ajudar a vender e cobrar, era preciso apresentar soluções também na gestão.
— Um empresário perde muito tempo para ir ao banco fazer o depósito do dinheiro da venda, pagar a folha, assinar cheques, fazer um monte de coisas burocráticas quando um foco dele deveria ser o cliente, por isso a Bela virou também um banco digital. Somos isso, venda, pagamento, gestão e banco — resume Arthur.
Caminho árduo
Olhando de fora, parece que o negócio nasceu pronto. Mas não foi bem assim. Com aprendizado adquirido no dia a dia ao lado dos pais, dois empreendedores sempre atentos às inovações da tecnologia, Arthur e duas irmãs dele levaram um longo tempo para migrar de um negócio paralelo da família que ganhava comissões de hotéis por meio de reservas no Gramadosite, para a fintech. Não foi uma mudança do dia a para a noite, houve dissabores e muito trabalho. A virada, de fato, só aconteceu em 2015, após uma longa conversa com José Renato Hopf, fundador da GetNet, um dos mentores da Endeavor, organização que apoia empreendedorismo de impacto.
— Decidimos ficar só em Gramado para amadurecer e só partir para outras cidades quando a coisa estivesse redonda.
A estratégia foi mantida até o final do ano passado, quando as vagas de trabalho na fintech mais do que dobraram e foi necessário investir numa nova sede, no caso, um pavilhão que abrigaria espaço para cinco fábricas no Distrito Industrial — o local tem espaço para receber até 500 funcionários.
Além do conceito de encontrar soluções para as empresas, a Bela aposta em relações horizontais não apenas com os clientes, mas com os próprios colaboradores. Não há cargos na empresa e todos os colegas são instigados a buscar soluções sem depender de um gestor — um psicólogo, por exemplo, atua no setor de atendimento aos clientes.
— Ele não é um atendente apenas, um operador de telemarketing, ele entende que a pessoa que está do outro lado é uma pessoa — compara o CEO.
O pavilhão de trabalho conta com cinema, sala de jogos, cabines para dormir, refeições preparadas por um chef e outros diferenciais que não se encontra na maioria das empresas da região, tudo construído a partir de sugestões da equipe para amenizar a pressão do dia a dia.
— Não sabemos se esse é o formato ideal, estamos aprendendo, pode ser que mude ali adiante, que o mercado exija algo diferente. Mas gostamos de difundir essa ideia, de que é fundamental deixar a inovação se criar — reforça Arthur.
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