Quase um terço das gestantes não recebem tratamento adequado durante a gravidez no Brasil. O dado consta no Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), indicador da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro que avalia as condições de educação, saúde, emprego e renda dos municípios brasileiros, publicado em junho.
A avaliação das cidades do país tem foco na saúde básica e em indicadores cujo controle é de competência municipal. Entre os parâmetros considerados, o acesso ao pré-natal é o que mais precisa melhorar. Conforme a entidade, em 2016, último ano disponível, cerca de um milhão de mulheres realizaram menos de sete consultas durante e logo após a gravidez, número recomendado pelo Ministério da Saúde.
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A Firjan estima que, com base no índice dos últimos três anos, a universalização do atendimento às gestantes só será atingida em 2029. O pré-natal ajuda a detectar doenças.
A edição de 2018 do IFDM, por outro lado, destaca o Rio Grande do Sul como o Estado com mais cidades em alto desenvolvimento em saúde do país. Entre elas, está Caxias do Sul, com índice 0,9465 na escala que vai de zero a um. Mesmo aqui, porém, o pré-natal é desafio.
Em 2016, 13,9% das gestantes residentes em Caxias realizaram menos de sete consultas, conforme o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) do Ministério da Saúde. A média é um pouco melhor do que a da Serra, que fica em 16,34%, mas ainda significa que 844 gestantes, aproximadamente uma em cada sete, não tiveram o atendimento adequado.
O cenário piora quando se considera a qualidade do atendimento: desde 2014, o Ministério da Saúde também usa o índice Kotelchuck para avaliar o pré-natal. Além da quantidade de consultas, o indicador contabiliza em que momento da gravidez a gestante teve acesso ao atendimento. Conforme essa avaliação, 19,3% das gravidas de Caxias não tiveram atendimento adequado durante a gestação, quase uma em cada cinco mulheres.
O acesso precoce ao atendimento médico na gravidez é justamente a prioridade da prefeitura, segundo Fernando Vivian, diretor técnico do Núcleo de Atenção à Saúde da Mulher da Secretaria Municipal da Saúde.
— É um desafio constante, os ciclos se renovam. Na medida em que as meninas vão entrando em idade gestacional, outra geração já entra em outra etapa da vida. Na parte específica do pré-natal, no que a gente mais trabalha, fundamentalmente, é na captação precoce de gestantes — aponta.
De acordo Vivian, quanto mais cedo a gestante buscar acompanhamento, maior a chance de garantir uma gravidez saudável.
— A gente tenta fomentar na população a busca pelo inicio do pré-natal precocemente, inclusive na fase pré-concepcional. Isso permite que a mulher (que quer engravidar) possa se beneficiar de suplementos vitamínicos que previnem malformações congênitas, como é o caso do ácido fólico (vitamina B9). Essa é uma informação que, às vezes, as pessoas não têm — exemplifica.
Busca ativa pelos pacientes
Para atingir a população, a Secretaria de Saúde de Caxias do Sul aposta na busca ativa dos pacientes, com visitas domiciliares nos territórios de saúde.
— A gente precisa, no mínimo, de seis consultas, e mais uma de puerpério (logo após o parto). Mas a gente também avalia que não é adequado ela começar o pré-natal com seis meses de gravidez. O ideal é que a primeira consulta aconteça antes das 12 semanas. Isso é uma captação precoce, para que ela possa fazer todos os testes, todos os exames — explica o médico Fernando Vivian, diretor técnico do Núcleo de Atenção à Saúde da Mulher.
Conforme Vivian, o pré-natal ajuda a detectar doenças comuns durante a gravidez, como a hipertensão e o diabetes, que têm tratamento relativamente simples. O acompanhamento adequado, para o médico, repercute inclusive nos índices de mortalidade infantil e no próprio vínculo que a mãe constrói com o filho.
— Só pelo fato de não frequentar a UBS (unidade básica de saúde), a gestante deixa de receber orientações que vão ajudá-la com a criança. Não é só o ganho direto na questão de prevenção de doenças, ela deixa de ter ganhos de informação, de vinculação, sobre a importância de amamentar, de fazer o calendário vacinal. Isso impacta lá na frente — destaca.
Três UBSs estão sem ginecologista
Não basta, porém, querer acessar o tratamento. Como é sabido pela população caxiense, conseguir uma consulta pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade é, às vezes, um parto. Fernando Vivian, porém, garante que as gestantes têm prioridade no atendimento.
— A gente passou por uma fase de requalificação dos médicos e de reestruturação em que ficamos um período sem atendimento, em função da greve do ano passado. Mas no nosso processo de trabalho, temos a facilitação do acesso da gestante ao pré-natal. Esse é o carro chefe — garante.
Conforme a Secretaria da Saúde, há três UBSs sem ginecologistas em Caxias: Ana Rech, Planalto e Serrano. Já nas unidades do Diamantino e Planalto Rio Branco, profissionais nomeadas recentemente tomam posse nos próximos dias. Fora Ana Rech, em que as pacientes estão sendo encaminhadas para a UBS do Jardim Eldorado, a pasta destaca que outras unidade têm médicos de família, que também podem realizar o atendimento.
— As UBSs que não têm ginecologista fixo têm uma referência em uma unidade próxima. E no pré-natal, 85% dos casos são considerados de baixo risco. Então, essas gestantes não necessariamente precisam de um ginecologista obstetra. Os médicos que trabalham com as equipes de ESF (Estratégia de Saúde da Família) podem, sim, dar o acompanhamento, solicitar os exames. As pessoas fazem aquele vínculo que uma criança pequena tem de ser atendida por um pediatra, uma gestante, por um obstetra. Mas não é obrigatório. Para a gestação de baixo risco no Brasil, aliás, recomenda-se que seja atendida na atenção básica.
O presidente da Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia do Rio Grande do Sul, Breno Acauan, no entanto, preocupa-se com a qualidade do atendimento oferecido nas UBSs.
— No Estado, entre 60% e 70% das gestantes têm pelo menos sete consultas no pré-natal. O ideal seria 100%, mas o que eu mais questiono hoje é a qualidade do atendimento. Não adianta ter um pré-natal feito por pessoas que não são capazes de fazer adequadamente. E é o que o Estado está fazendo, tapando o sol com a peneira — reclama.
Para o médico, um obstetra necessita estar presente para realizar o acompanhamento e avaliar os riscos da gravidez.
— Às vezes, há pacientes de risco muito alto que são encaminhadas para o parto no hospital mas já deviam estar com assistência extremamente especializada. Aí, tu tem um parto prematuro, que é muito caro para o SUS e envolve uma questão de risco para a mãe — exemplifica.
A solução, conforme Acauan, é o direcionamento de recursos para a contratação de mais especialistas.
— Em Porto Alegre, temos 140 UBSs, e só 40 têm obstetras. Esse é o grande problema que impacta na morbidade (doenças) dos bebês, das mães, e na mortalidade — aponta.