A crise política instalada no país desde o impeachment da ex-presidente da República Dilma Rousseff (PT) deu uma nova perspectiva para as eleições gerais deste ano. A menos de seis meses da eleição de 7 de outubro, um dos aspectos mais evidentes é o número de candidatos. O pleito de outubro pode ter o mesmo número de candidaturas da eleição de 1989.
Até esta sexta-feira, a lista de pretendentes já soma 22 pré-candidatos ao Palácio do Planalto, o mesmo número de candidaturas da primeira eleição para presidente após a redemocratização do Brasil. O último a ingressar na listagem foi o ex-ministro dos governos Lula e Dilma Aldo Rebello, que na última semana filiou-se ao Solidariedade. A pré-candidatura foi anunciada nesta sexta-feira.
Há nomes tradicionais, esperados, candidatos novos e outros de eleições anteriores que retornam, como o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que renunciou em 1992 para não ser afastado do cargo, em uma tentativa de escapar do impeachment. Hoje, ele está no pequeno PTC. Além dos pré-candidatos de sempre, como José Maria Eymael e seu PSDC.
O PT promete registrar o nome do ex-presidente Lula, mesmo preso em Curitiba, e mesmo que ele não cumpra os requisitos da Lei da Ficha Limpa, que barra candidatos condenados em segunda instância. O PT diz que não tem plano B, mas é sabido que a alternativa preferencial do partido para substituir Lula é o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação, Fernando Haddad.
Entre as novas opções, figuram na lista de pré-candidatos, o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos (PSol), a deputada estadual Manuela D’Ávila (PCdoB) e o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, recém filiado no PSB.
Outro elemento importante da eleição deste ano é o fator Jair Bolsonaro (PSL), que há poucos dias visitou Caxias do Sul. Ele chega com um discurso conservador, ao gosto de parcela do eleitorado, ocupando a faixa da direita, em fenômeno semelhante ao que ocorre em países da Europa.
Insiders
Um aspecto que preocupa o meio político é a repetição do comportamento do eleitorado que comprou o discurso apolítico na eleição de 2016, como ocorreu em Caxias, Porto Alegre e São Paulo, com as eleições respectivas de Daniel Guerra (PRB), Nelson Marchezan Júnior (PSDB) e João Dória (PSDB). Nesse ponto, a possível candidatura do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa pode decolar. Flávio Rocha (PRB), proprietário da rede de lojas Riachuelo, e João Amoêdo (Novo) também podem surfar na mesma onda das caras novas na política.
O PMDB pretende defender o mandato tampão do presidente Michel Temer. Com uma alta rejeição, Temer parece ter aberto caminho para seu ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que trocou o PSD pelo PMDB. Mas ainda não há uma definição sobre qual dos dois defenderá o legado do atual governo.
Número grande de candidatos deve fragmentar bem a votação
Para o cientista político e doutor em Ciências Sociais Marcos Paulo dos Reis Quadros, do ponto de vista eleitoral é possível traçar um paralelo entre a eleição deste ano e a de 1989. Segundo ele, o elevado número de candidatos pode levar a uma fragmentação dos votos. Quadros ressalta que essa eleição reunirá candidatos de todos os espectros ideológicos, o que não ocorria desde o processo eleitoral de 1994.
– O número elevadíssimo de candidatos vai impor uma fragmentação (dos votos). Não se pode ficar surpreso se os candidatos chegarem ao segundo turno com 15% ou 18% dos votos.
O cientista político diz ainda que o surgimento de candidatos “outsider” (pessoas de fora do meio político) também merece comparação com a eleição de 1989. Ele cita as candidaturas do (ex-ministro do STF) Joaquim Barbosa, do empresário Flávio Rocha e do candidato do Partido Novo, João Amoêdo. Para o cientista político, o pré-candidato Jair Bolsonaro também pode ser considerado um “outsider” devido a seu discurso antissistema.
Já o discurso apolítico propagado pelos candidatos nas eleições de 2016 deve perder força neste ano, mas ainda tem apelo, ressalta Quadros. O principal motivo é a desconfiança com os políticos tradicionais, emenda.
– O discurso que consagrou o (João) Doria em São Paulo e o próprio (Daniel) Guerra em Caxias já esteve mais forte do que é hoje.
Para o cientista político, os candidatos devem se estabelecer na tendência de centro atrás dos votos da população moderada que define as eleições. Segundo ele, o eleitor extremo de direita e de esquerda tem seus candidatos.
– O Alckmin e o Ciro buscarão fazer esse consenso para se sobrepor aos demais candidatos. Se todos (os candidatos) apostarem nesse discurso, haverá uma fragmentação brutal.
Nas últimas semanas, em especial a partir da manifestação do comandante do Exército, general Eduardo Villa Boas, na véspera do julgamento do habeas-corpus do ex-presidente Lula pelo Supremo Tribunal Federal, surgiram preocupações quanto a uma eventual não-realização de eleições. Quadros não crê que esse cenário se realize.
– Não consigo enxergar esse cenário, a menos que haja uma ruptura institucional muito violenta e imprevisível.
VOCÊ LEMBRA?
Os 22 candidatos de 1989
Affonso Camargo (PTB), Guilherme Afif Domingos (PL), Aureliano Chaves (ex-PFL), Leonel Brizola (PDT), Celso Brant (PMN), Fernando Collor (PRN), Armando Correa (PMB), Enéas Carneiro (Prona), Eudes Mattar (PLP), Fernando Gabeira (PV), Livia Maria (PN), Lula (PT), Paulo Maluf (ex-PDS), Manoel Horta (PDCdoB), Mario Covas (PSDB), José Alcides de Oliveira, o Marronzinho (PSP), Paulo Gontijo (PP), Antonio Pedreira (PPB), Roberto Freire (PCB), Ronaldo Caiado (PSD), Ulysses Guimarães (PMDB) e Zamir Teixeira (PCN).