Arroio do Sal é sucesso entre moradores da Serra desde a década de 1940, quando jornais da época tratavam o balneário como o mais próximo via estrada de São Francisco de Paula — a atual Rota do Sol. Em 13 de agosto de 1949, reportagem do Pioneiro informava que mais de 400 casas ocupavam o balneário (que até então pertencia a Torres), e que era a praia que mais havia progredido nos últimos três anos. Esse progresso, somado à forte ligação dos serranos com o lugar, é responsável por inflar a população de 8 mil moradores em mais de 10 vezes a cada verão. Estima-se que pelo menos 80% deste público seja de Caxias do Sul.
A praia mais popular também tem empreendimentos fazem sucesso entre os veranistas que há muitas décadas. Um exemplo é a lojinha de artesanato Raio de Sol, que fica em Areias Brancas, e existe há mais de 20 anos. Está localizada ao lado de outros pequenos comércios que também longevos. Todos se conhecem, e costumam manter contato com os gringos que descem para o litoral a cada feriadão, para abrir as casas e descansar pertinho do mar. Além da tradição dos bons serviços, os veranistas se tornam fiéis a determinados lugares de Arroio do Sal por uma questão cultural e de tradição. Ir jantar no Chaplin, dançar no Choppão, passar a tarde jogando no fliperama ou embarcar no dindinho é, muitas vezes, a forma com que muitos encontram para se recordar memórias da juventude.
— É a forma de manter viva as heranças familiares. Por que ainda hoje, com tanta tecnologia, a gurizada ainda vai no fliperama de Arroio do Sal? Porque aprenderam com os pais, que eram guris, e iam lá brincar também — opina o funcionário público Antônio Carlos Lopes Coutinho, que mora há 32 anos em Arroio do Sal.
O Pioneiro lista a seguir alguns clássicos de Arroio do Sal. Identifique-se e mate a saudade do tempo que algumas poucas centenas de casas davam início à gringolândia, espaço com a cara e o sotaque dos serranos.
Ponto de encontro noturno em Areias Brancas
Não há endereço na noite de Arroio do Sal mais agitado que o Choppão. Ir para o refúgio dos gringos da Serra e não conhecer o Choppão é igual a viajar a Roma e não ver o Papa, brincam os frequentadores do estabelecimento. O bar e restaurante existe há mais de 30 anos e é fruto do trabalho do visionário Silvino Bolzan, morador de São Marcos. Ao perceber que faltavam opções de entretenimento no litoral, convidou um gaiteiro para tocar à noite em frente ao Hotel Bolzan, empreendimento que administrava há 10 anos. A ideia ganhou a simpatia do público, e um mar de turistas virava a madrugada na calçada do hotel. Era hora de ampliar: um galpão com lona, quase em frente ao hotel, foi o primeiro cenário do Choppão, que ano a ano ganha estrutura e amplia a agenda de shows. Em 2018, ao completar três décadas de história, o Choppão segue em plena forma. As festas acontecem diariamente e têm entrada franca: basta ter disposição de ir a Areias Brancas, vestir um calçado confortável e deixar a vergonha para trás.
— O baile começa sempre depois que a novela termina. Não adianta começar antes porque ninguém aparece — ensina Jonir Bolzan, o Necco, o atual proprietário do hotel e um dos sócios do Choppão.
A casa em nada lembra um espaço improvisado com lona e chão batido de 30 anos atrás. É espaçoso, bem acomodado, com mesas e cadeiras confortáveis e claro, chope bem gelado. Os garçons são rápidos e conhecem pelo nome boa parte dos clientes. Pudera: aos 58 anos, Alan Gutierez dedicou 38 ao Choppão. A noite exige agilidade e pressa do garçom, que é morador de São Sebastião do Caí e trabalha como porteiro no resto do ano.
— Já vi gente que os pais colocavam na mesa para dançar, e que agora colocam os seus filhos para dançar no mesmo lugar. Vi famílias se formarem aqui — emociona-se.
Não é possível afirmar se foi o clima descontraído do bar, os bailes com a banda Os Atuais ou o jeito descontraído da administradora Telise Ziegler Krauspenhar, 38, que uniram ela e o marido, André Paganin, 44. Mas o casal credita ao Choppão o casamento que já dura mais de uma década. Cenário dos primeiros beijos e paqueras dela e do funcionário público, o Choppão segue sendo um dos roteiros preferidos da dupla, que mora em Caxias. Agora, porém, eles levam os filhos, Bernardo, nove, e Guilherme, três, que não abrem mão de comer a batatinha frita servida no baile.
— Nos vimos a primeira vez na beira-mar e eu logo convidei ele para ir de noite no Choppão. Foi em 23 de dezembro de 2007 — lembra Telise.
Por volta das 22h30min da última quinta-feira, Telise, de salto alto e vestido amarelo, tirou o marido para dançar. Foram para a pista e se uniram a centenas de casais que embalavam a noite ao som da banda Os Tauras. A festa só termina por volta das 2h, e deve unir casais por diversos anos ainda.
— O que era para animar apenas os hóspedes do hotel acabou se firmando como uma atração tradicional daqui — comemora Necco.
O povo de Itati serve os turistas no Chaplin
Situado em um dos pontos mais conhecidos de Arroio do Sal, o restaurante Novo Chaplin Bar é outro que se perpetua há quase de 50 anos. As pouco mais de 40 mesas estão sempre lotadas desde 1970, quando um morador de Porto Alegre, cujo nome não é mais lembrado pela equipe do restaurante, decidiu inaugurar o espaço. O estabelecimento fica em meio a uma praça e conquista os clientes com pratos de peixe.
— Aqui o sabor é muito gostoso, é limpo, os peixes são fresquinhos e adoramos o atendimento — elogiavam os irmãos Gustavo, 42 e Alexandre Cervelin, 37, moradores de Caxias que veraneiam em Arroio do Sal há mais de três décadas.
O Novo Chaplin foi adquirido por um morador de Itati, em 1989. Marcelino Marques da Silveira decidiu investir no empreendimento, permitindo assim que os cinco filhos pudessem trabalhar. Funcionou por mais de 15 anos no formato de sociedade: a cada ano, um dos herdeiros assumia o restaurante e trabalhava durante toda a temporada. Em 2005, o filho Deoclécio e a então esposa Edivani, ambos de Itati, assumiram de vez o Novo Chaplin. Desde 2013, quando se separou, Edivani administra sozinha o empreendimento e decidiu que Arroio do Sal se tornaria sua moradia definitiva. O mais bacana é que a equipe do Chaplin _ garçons, cozinheiras e atendentes _ são também de Itati. Todos trabalhadores de lavoura que aguardam ansiosamente a chegada da temporada para servir aos turistas da Serra, e claro, aproveitar o mar do Litoral Norte.
— Eu fico pensando o ano todo quanto tempo falta para vir para cá de novo. Já temos amigos aqui, a casa que ficamos é legal, e no tempo livre podemos jogar uma sinuca e ir no fliperama — diz o garçom Luciano dos Reis da Silva, 23, que trabalha na colheita de verduras em Itati.
O restaurante abre as portas durante a temporada e nos feriadões. Edivani comemora a ampliação do espaço e o ritmo de serviço, que só cresce. Os elogios mais frequentes dos visitantes são voltados ao peixe que ela tempera de forma diferente — e cujo principal ingrediente, despista ela, é o amor. Em uma noite, o comércio chega a atender mais de uma centena de pedidos. Por isso, ela e a equipe da cozinha não têm trégua durante a alta temporada. Ela garante, porém, que o esforço vale a pena.
_ Quando eu coloco o pé aqui, eu sinto amor por esse lugar, por essa comida, por essa gente — resume.
Passeio em Arroio do Sal? Só se for de dindinho
O único pré-requisito para passear de dindinho em Arroio do Sal é, além de pagar a passagem, entrar no clima do verão. Isso porque a música é alta, há animadores vestindo roupas de personagens infantis e que dançam com os passageiros. E é desta forma, há 42 anos, que o dindinho Kleinzinho percorre as principais ruas de Arroio do Sal. O passeio dura pouco mais de 25 minutos e se tornou atrativo confirmado entre as famílias que veraneiam no litoral.
— No início, pegamos um jipe, reformamos e colocávamos as pessoas atrás. Aí, conseguimos a concessão para este serviço e fomos melhorando ano a ano. Hoje é muito seguro para nós e para os passageiros — garante o motorista Eliseu Klein de Oliveira, 63.
Todas as noites de verão, há mais de quatro décadas, Klein e a esposa Delaine Reis, 67, vestem o uniforme amarelo e embarcam no Ford Cargo adaptado para o serviço. Chegam a fazer 40 viagens em uma noite. O preço do ingresso é R$ 6, tabelado pela prefeitura. Delaine, que é professora em Itati, fica na parte de trás do veículo cobrando o ingresso. Ela e o marido se comunicam pela campainha, já que Klein fica na cabine com os vidros fechados e concentração máxima — o que garantiu que em mais de 40 anos de serviço, nenhum acidente tenha sido registrado.
Os recreacionistas que vão à bordo — na pele de Mickey, palhaço e outros personagens — fazem a festa da garotada. A noite de Klein e Delaine acaba só próximo da meia-noite, e cheia de satisfação.
— Seremos sempre o casal do dindinho. Nós não abrimos mão disso, eu nem sei o que faríamos no verão sem o Kleizinho — confessa o motorista.
Diversão também é eletrônica
O prédio verde, com a inscrição "diversões eletrônicas" na fachada, é endereço de entretenimento de crianças e jovens que frequentam Arroio do Sal há quase 30 anos. O espaço fica mais cheio quando os pais vão descansar depois do almoço, ou quando a turma mais velha segue ao baile Choppão, à noite, deixando a gurizada livre para contar as moedas e seguir para o fliperama Vídeo Show.
— Eu achei que nem existisse mais. Mas é muito legal ver meus filhos brincando em um lugar que toda a minha geração brincava — afirma Mauricio Ribeiro Razia, pai de Caroline, dois anos.
O Vídeo Show de Arroio do Sal ocupa o espaço equivalente a sete lojinhas em endereço nobre, na Rua São Domingos, ao lado do Novo Chaplin e a duas quadras do mar. Funciona das 11h à meia-noite, e em momentos de maior movimento, sequer fecha as portas.
— Houve tempos em que a gente fechava para abrir de novo em poucos minutos — confessa o proprietário, José do Nascimento, 52.
Nascimento é natural de Torres e administra o Vídeo Show há 29 anos. Ano a ano, o espaço ampliava e mais máquinas de jogos eram adquiridas. Ele sequer sabe quantas máquinas há lá dentro — estima que mais de uma centena. O primeiro fliperama de Arroio do Sal é, também, o espaço em que conheceu a atual esposa, a professora Bernadete Salete Piovesan Nascimento. Ele reconhece a importância do negócio para a juventude que cresceu veraneando em Arroio do Sal:
— Tem sempre adultos que chegam aqui e me contam que cresceram jogando aqui com os irmãos, amigos, a família toda. Tem gente que fiz amizade, que ainda vem jogar. Naquela época, não existia entretenimento para a gurizada — afirma.
Obviamente, a procura pelas fichas reduziu em relação à última década porque o acesso a jogos se tornou mobile, e as crianças nem sempre precisam sair de casa para brincar. Mas o espaço ainda faz sucesso em Arroio do Sal. As máquinas simuladoras de luta e de corrida são as mais procuradas. É possível se divertir a partir de 50 centavos. Por isso, as máquinas permitem mais do que uma simples brincadeira. Fazem quase um passeio ao passado.
— Muita coisa mudou por aqui, mas a gente, não — pontua o proprietário.
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