A principal dificuldade do policiamento comunitário é a mesma que envolve todas as ações da Brigada Militar (BM): a falta de efetivo. Diante da elevada demanda, os policiais precisam ser deslocados de seus núcleos, onde deveriam ter atuação prioritária, para atender ocorrências em qualquer parte da cidade. Como o 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM) está com menos da metade do número de policiais que deveria ter (o ideal são 730 PMs), não sobra tempo para a realização do trabalho preventivo, o que explica, em parte, porque apenas nove dos 24 núcleos funcionam plenamente.
Por outro lado, o próprio formato do policiamento comunitário na cidade dispõe de poucos brigadianos. Com apenas três policiais por núcleo, não é possível manter uma escala padrão e qualquer ausência de servidor – por férias ou licença médica – prejudica as ações.
O formato com três PMs foi adotado em Caxias na implantação do projeto-piloto do programa, em 2012. Quando o policiamento comunitário foi expandido para outras cidades, a Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP) estabeleceu um padrão de quatro PMs por núcleo. Em Caxias, no entanto, o número nunca foi atualizado.
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"Reclamar de casa é fácil. Precisamos nos ajudar"
Apesar da falta de efetivo, alguns bairros de Caxias do Sul conseguem manter o policiamento comunitário e são exemplos de que o programa dá certo. A diferença principal, segundo o 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM), é o engajamento dos moradores.
Representante de um dos núcleos mais bem sucedidos na cidade, o presidente da Associação dos Moradores de Bairro (Amob) Colina Sorriso, Élvio Luis Gianni, afirma que o programa não é simplesmente contar com policiais circulando pelas ruas do bairro.
— Se ninguém se envolve, nada acontece. Nós aprendemos a não falar mal dos órgãos de segurança, seja Brigada Militar, Polícia Civil ou Guarda Municipal, e entendemos que precisamos estar unidos. A marginalidade se une, então não podemos dividir forças —argumenta.
O desafio constante da diretoria da Amob Colina Sorriso é motivar os moradores a manter a participação comunitária em alta. Quanto mais pessoas estiverem atentas e ativas nos três grupos de Whatsapp criados para troca de informações, que contam com mais de 700 participantes, mais rápida será a resposta policial e menos bandidos irão circular pela região. Recentemente, a comunidade instalou cinco câmeras em pontos estratégicos para monitorar a circulação de suspeitos. O conteúdo das gravações será disponibilizado para o policiamento comunitário e para investigação da polícia, caso necessário.
— O bairro não pode ser um dormitório. As pessoas trabalhavam, voltavam para casa e não interagiam. Eu digo que é preciso sair de casa e dizer que estamos vivos. Reclamar de dentro de casa é fácil, mas não melhora nada. Quando colocamos o pé na rua estamos em risco como todo mundo. Precisamos nos ajudar — ressalta Gianni.
Por outro lado, apesar de o Colina Sorriso ser exemplo para Caxias do Sul, o núcleo onde o bairro está inserido ainda precisa avançar. O Santa Lúcia, que deveria ser atendido pelos mesmos PMs que atuam no Colina, ainda não está organizado da mesma forma. Por este motivo, o atendimento acaba sendo parcial no Santa Lúcia, conforme apontado no mapa sobre o funcionamento do programa em Caxias, publicado na edição do último final de semana. Situação semelhante ocorre em outros núcleos comunitários que respondem por mais de um bairro, caso dos bairros Santa Catarina e Pio X.
Bela Vista acordou após morte em assalto
A participação dos moradores é a base do policiamento comunitário e segue o exemplo da polícia japonesa, que aposta num modelo parecido há 140 anos. A filosofia extrapola o tema segurança e prioriza também a cobrança de serviços de iluminação pública ou reparos em buracos de rua.
Uma das barreiras superadas nas comunidades que aderiram ao programa é a do individualismo. Até então, as pessoas se preocupavam com a sua segurança e não se interessavam pelo entorno, situação típica em bairros onde a filosofia do policiamento comunitário inexiste. Ou seja, só havia algum tipo de mobilização quando a criminalidade batia na porta.
— O que vemos é que (o clamor por) segurança é conforme a necessidade. Após um crime grave, uma reunião comunitária recebe mais de 200 moradores participantes. Quando a situação está estabilizada, sob controle, participam apenas 15 ou 20 moradores — relata o capitão da BM Diego Soccol.
Esta lição foi aprendida no bairro Bela Vista da pior forma. O núcleo comunitário do bairro era um dos tantos que não funcionavam na cidade. No dia 19 de fevereiro, o roubo de um carro resultou na morte da servidora municipal Eliane Stedile Busellato. Ao sentir o perigo, a comunidade reagiu
— Nós temos que tomar uma atitude em prol da melhoria da segurança. Só a polícia não está conseguindo. Tentamos colaborar, ampliar a comunicação entre os moradores e auxiliar um atendimento cada vez mais objetivo e prático — aponta o vice-presidente da Amob Bela Vista, Vaguenir Alcides dos Santos.
A mobilização dos moradores do Bela Vista recebeu apoio da BM, que deslocou a base comunitária para a região. A estratégia utiliza um micro-ônibus como referência, enquanto outra viatura circula pelo bairro. O objetivo é facilitar a comunicação e a identificação de problemas trazidos pela comunidade.
— Nosso foco é fazer contato com moradores e comércio. Nesta base, temos acesso aos dados do sistema e agilizamos o atendimento de pequenos delitos. E claro, há o impacto para a comunidade, que se sente mais protegida e em um ambiente mais tranquilo — explica o soldado João Pires.
Neste nova fase, os moradores do Bela Vista organizam reuniões mensais com os policiais comunitários e criaram grupos para trocar informações no WhatsApp. Para demonstrar a união contra a criminalidade, foram instaladas placas que orientam e convidam novos residentes a participar do movimento. Por outro lado, o impasse sobre a renovação do convênio preocupa.
— No momento estamos vendo barreiras, principalmente pelo prefeito, sobre o policiamento comunitário. É claro que a responsabilidade é do governo estadual, mas a prefeitura também tem que tomar atitudes e requerer o que é melhor para a cidade. O policiamento comunitário é fundamental para a segurança — lamenta Santos.