Ao chegar ao Santuário Santa Paulina 10 dias, 376 quilômetros e 449 mil passos depois de deixar Caxias do Sul em um amanhecer de dezembro, Elio Meneguzzo depositou sob o altar uma lista com 200 nomes a quem a santa, nascida na província de Trento, na Itália, deveria proteger em 2017. Um a um, estavam anotados os amigos e benfeitores que o caxiense conheceu na jornada que empreendeu três meses após completar 60 anos e 11 anos após largar a vida sedentária, por recomendações médicas.
Embora seja religioso e tenha trabalhado como padre por sete anos, a escolha pelo santuário em Nova Trento (SC) não foi uma promessa, mas apenas um norte para a caminhada. Mais do que o templo, Meneguzzo queria chegar ao fundo de si mesmo, em um período marcado não apenas pela chegada do 60º aniversário, mas também pelo fim do casamento de 21 anos.
– Eu vi que 60 anos da minha vida tinham se passado sem eu ver. Fui padre por sete anos, depois casei, fui pai, trabalhei em diversas empresas nas áreas de saúde e de vendas...todo esse tempo estive ocupado demais. Percebi que era hora de aproveitar mais a vida, a natureza, os animais, as pessoas. Esse plano de expandir a mente e o espírito coincidiu com a paixão pela caminhada, que há quatro anos pratico diariamente – conta Meneguzzo, que hoje trabalha como vendedor autônomo e consultor de bem-estar.
Como sempre acontece com quem se aventura fora do ninho, o homem viveu histórias que irá lembrar para sempre, a maioria anotada a caneta e papel. Uma das mais curiosas ocorreu logo no primeiro dia de caminhada, quando seguia pela Rota do Sol próximo à localidade de Décio Ramos. Em suas orações, acabara de rezar e agradecer pela vida do irmão, Nelson, quando minutos depois, o próprio Nelson parou o carro ao seu lado na estrada. Estava retornando de carro da praia, quando avistou o irmão caminhando. A surpresa só não foi maior porque a família já estava avisada da aventura.
Entre uma parada e outra pelo caminho, Meneguzzo caminhou sempre das 6h às 10h e das 16h às 20h. Registrou na memória e em algumas fotos paisagens de Cazuza Ferreira, Bom Jesus, São Sebastião do Arvoredo, São Joaquim, Urubici, Bom Retiro, entre tantos outros municípios e localidades que sequer havia ouvido falar. Só pegou uma única carona, de cerca de 50 quilômetros, na parte final do caminho, para não recusar o que poderia ser "uma ajuda enviada por Deus".
– Eu caminhei para agradecer por estar vivo e tudo o que pedi foi para que pusesse pessoas boas no meu caminho. Eu pedia isso todos os dias pela manhã, e o universo me concedia. É um poder que todas as pessoas têm. Fui acolhido por 25 famílias de uma forma incrível, fiz amigos que logo quero voltar para visitar. Pela estrada, repassei cada capítulo da minha vida. Posso dizer que vivi 60 anos em 10 dias – descreve.
Após a longa marcha, Meneguzzo retornou a Caxias de ônibus, revendo enquadradas pela janela boa parte das paisagens que desbravou. Mas logo na chegada do coletivo à cidade, não teve dúvidas: pediu para descer na primeira parada e seguiu até em casa a pé, para não perder o costume.
Preparo mental é o mais importante
Todos os passos que levaram Elio Meneguzzo de Caxias do Sul a Nova Trento, entre 11 e 21 de dezembro de 2016, foram calculados, assim como cada uma das 16.821 mil calorias perdidas no percurso. Isso foi possível graças a um aplicativo que oferece todos os dados em tempo real. A resistência nas pernas, além da força para suportar a mochila de nove quilos levada às costas, Meneguzzo considera secundário. O preparo mais importante, diz, está na cabeça:
– Algumas pessoas me perguntam se eu cansei, mas o fato é que não cansei. Estava com a mente muito bem preparada, antes e durante a caminhada. O desafio está na mente, os pés apenas conduzem. Também perguntam se eu emagreci, mas na verdade ganhei um quilo de peso e dois quilos e meio de massa muscular.
Pai de uma menina de 14 anos, que vive com a mãe, Meneguzzo mora em Ana Rech com a irmã Janete, 55, com quem divide a preocupação de levar um vida saudável e uma horta _ de onde vem a maior parte da alimentação de ambos. Fazem planos de percorrer juntos o caminho de Santiago de Compostela, talvez este ano. Janete, que era o principal contato durante a aventura, se diz orgulhosa do feito do irmão:
– Em nenhum momento fiquei preocupada, porque sabia que ia dar certo. A cada notícia que ele mandava, eu só ficava com muita vontade de estar junto. Sinto bastante orgulho, porque sabia o quão importante para ele era fazer essa caminhada.