Dois anos depois da 1ª Feira Brasileira de Grafeno, sediada em Caxias do Sul, o setor que pesquisa e desenvolve as possibilidades do material mais leve e forte do mundo, registrou mudanças significativas. De julho de 2021 a julho deste ano, o grafeno produzido pela UCSGraphene, da Universidade de Caxias do Sul (UCS) - primeira e maior planta de produção de grafeno em escala industrial da América Latina -, passou a ser usado em itens para as áreas da medicina, de construção civil, têxtil, veicular e outras, a partir da parceria feita com empresas que atuam em diferentes nichos.
De acordo com o coordenador da UCSGraphene, Diego Piazza, desde a feira, inúmeras ações e desenvolvimento tecnológico ocorreram em aspectos envolvendo o grafeno. Uma das novidades foi vivenciada pela própria UCSGraphene, que se tornou uma unidade da Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), até o momento, a única em toda a região da Serra.
— Estamos hoje em conexão com 21 países e mais de 200 empresas que se conectaram e vêm buscando soluções para as mais diversas áreas. São 43 produtos desenvolvidos em parceria entre a UCSGraphene e essas empresas que foram colocados no mercado com o desenvolvimento tecnológico. Observamos um desenvolvimento significativo, com materiais contendo grafeno aplicados na construção civil, na moda, com aplicações em placas para a indústria calçadista, soluções na área de segurança e defesa e também na área de saúde — conta o coordenador.
Entre os diferentes itens voltados para a área de saúde, conforme Piazza, estão materiais fabricados para a reparação de danos neurológicos, que atuam para auxiliar na renovação de células a partir da incorporação do grafeno em células-tronco.
As propriedades do grafeno
Para se ter ideia das propriedades do grafeno, o material é 200 vezes mais resistente que o aço, superando o diamante, onde uma folha de um metro quadrado pesa 0,0077 gramas e é capaz de suportar até quatro quilos. Além da resistência e leveza, o grafeno também é impermeável, permitindo, por exemplo, alta proteção para itens de segurança como coletes e capacetes.
De acordo com o professor Marcos Felisberto, que atua no Instituto Mackenzie de Pesquisas em Grafeno e Nanotecnologias (Mackgraphe), primeiro centro de pesquisa avançada de grafeno no país, o material é adquirido a partir do carbono.
— Pode ser metano e também acetileno, fazemos o grafeno a partir desse gás. Isso envolve um processo em alta temperatura, que se chama deposição química. As moléculas de gás são quebradas e os átomos de carbono são depositados na superfície geográfica. Esse processo gera um melhor grafeno em termos de qualidade, é um grafeno, digamos, perfeito — afirma o professor.
Entretanto, por este ser um processo ainda com alto valor e ter maior dificuldade para a produção em larga escala, a forma mais utilizada para a produção do grafeno ocorre a partir do grafite natural. As lâminas de grafite (o mesmo encontrado em lápis), conforme explica o professor, são como se fossem lâminas de grafeno empilhadas.
— Então a gente faz um processo que chama esfoliação, que é separar essas camadas, as lâminas, para obter o grafeno. Esse é um processo químico e físico, mais simples que o método a partir do gás e também muito mais barato. Esse processo permite fazer o grafeno em grande escala — explica Felisberto.
Conforme o professor, o material não é totalmente perfeito como na primeira forma, mas funciona perfeitamente, a depender de onde será aplicado. Por exemplo, quando é destinado para reforçar um item plástico, o segundo método dará certo. Mas, no caso de aplicar o grafeno em um dispositivo eletrônico, o ideal é que seja utilizado o grafeno feito a partir do gás.
De acordo com Piazza, existe hoje em dia diferentes formas de produzir grafeno, que são utilizadas na UCSGraphene. O local é uma planta verde, onde todo o material produzido é feito a partir de insumos totalmente nacionais. Os produtos fabricados pela UCSGraphene e as empresas parceiras são feitos a partir dos objetivos do desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU).
— Existem formas de desenvolver e produzir o grafeno a partir de uma reorganização molecular de carbonos e ir crescendo a partir de uma fonte ou uma redução de alta concentração de carbono. Isso significa que pode ter diferentes rotas de produção. Uma delas foi a que ganhou o prêmio Nobel e 2010, a partir da separação da folha de grafeno. Hoje uma das rotas de produção que trabalhamos é a rota de esfoliação a partir do uso do grafite — afirma o coordenador.
Os avanços futuros
Em nota enviada à reportagem pelo Ministério de Minas e Energia (MME), a expectativa para o país é de que o grafeno movimente, em cinco anos, cerca de US$ 3 bilhões (R$ 14,193 bilhões) . Atualmente, o grafeno é produzido de forma natural, sintética e em formato de nanoplacas, nanofitas, óxido de grafeno, entre outros.
O MME destaca que recentes políticas públicas e ações do ministério trouxeram a grafita como mineral de interesse estratégico e prioritário. Outras ações governamentais na geração de conhecimento e informações importantes para a expansão da produção e do número de produtores de grafita e de grafeno, voltadas ao atendimento das demandas atuais e para novas tecnologias, principalmente para transição energética, estão sendo fundamentais para o desenvolvimento da indústria brasileira.
Ainda conforme a nota, o ministério percebe no Brasil um "verdadeiro interesse de empresas focadas no desenvolvimento de grafita e grafeno, seja por interesse do mercado, para atender a demanda ou pelo incentivo de políticas públicas, dentre outros". Atualmente, o país possui potencial, recursos e reservas minerais de grafite natural, encontrados majoritariamente nos estados de Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Ceará, Tocantins e Rondônia.
— O que enxergamos para o futuro é realmente um futuro promissor. Em que o grafeno é um aliado muito importante no dia a dia, que vai somar nas mais diversas áreas. Um exemplo disso é a área da medicina, da saúde em geral, que já tem apresentado inúmeras possibilidades e oportunidades de desenvolvimento — pontua o coordenador da UCSGraphene.
Para o professor Marcos Felisberto, da Mackgraphe, o Brasil tem potencial de ocupar grande espaço no mercado de grafeno, tanto por possuir recursos próprios para a fabricação, quanto pela capacidade nos centros de pesquisa e desenvolvimento que existem no país.
— O negócio não está em vender o grafeno, mas em desenvolver as aplicações. Desenvolver um produto que utiliza aquele grafeno, esse é o segredo. E é isso que todo mundo está buscando. Pegar a indústria de malharia, por exemplo, que no Sul é muito forte, e ver a questão de aplicações de grafeno para melhorar a propriedade de tecido — conta o professor.
Ainda conforme Felisberto, o frio da Serra gaúcha contribui com a ideia de desenvolvimento térmico utilizando o produto.
— Dependendo do material e da maneira do grafeno, é possível aplicar uma corrente elétrica pequena e ligar em uma pilha, fazendo o material aquecer. É possível fazer um aquecedor para palmilha de um calçado ou para uma luva, por exemplo, para quem trabalha em uma câmara frigorífica. Então, é possível fazer com o produto um sistema de aquecimento e manter ele em 24ºC a 27ºC. São muitas possibilidades de aplicações em todos os setores — afirma o professor.
Para Felisberto, o crescimento em aplicações depende de investimento em ciência, tecnologia e estudo. A partir do incentivo no desenvolvimento do grafeno, o Brasil pode acompanhar e se destacar em um mercado que caminha para ocupar grande espaço econômico em todo o mundo.
Conforme reforça a nota do Ministério de Minas e Energia, o Brasil já ocupou o quarto lugar como maior produtor de concentrado de grafita e o segundo lugar de maior reserva do mineral, com cerca de 52 milhões de toneladas de carbono grafítico contido. O montante se equivale a 16% das reservas mundiais, superado apenas pela Turquia.
O ministério afirma estar acompanhando as pesquisas, produções, mercado e desenvolvimento tecnológico, que são conduzidas, principalmente, por centros de pesquisa em parceria com empresas produtoras de grafite natural e outros materiais passíveis de serem utilizados para produção do material.
Segundo dados do Banco Mundial e do Ipea, estima-se que a demanda mundial de grafita crescerá cerca de 400% até o ano de 2050, em relação a 2018, para atender as aplicações relacionadas à transição energética ou economia de baixo carbono. Assim, dadas às potencialidades minerais do Brasil – produção atual e futura, jazidas de excelentes características e desenvolvimento tecnológico –, é possível cada vez mais a inserção do país no mercado global.
Sobre o acompanhamento do crescimento de mercado, mencionado pelo professor, o MME afirma que "dentro da Política Pró-Minerais Estratégicos, estão objetivos que se aplicam ao grafite natural: os de consolidar o status de grande produtor e/ou exportador e permitir que o Brasil ocupe espaços e conquiste posições de liderança global em novas cadeias minerais que apresentam previsão de forte crescimento de demanda".
2ª Feira Brasileira de Grafeno
Segundo o coordenador da UCSGraphene, desde a feira realizada em 2021 e o crescimento que o local vivenciou nos últimos dois anos, já é possível afirmar o sucesso do grafeno para a Serra.
Visando o avanço e o futuro que o material pode oferecer, a 2ª Feira Brasileira de Grafeno está passando por ajustes antes de ter a data confirmada, mas a expectativa é de que seja realizada ainda em novembro deste ano.