Ao chegar à Igreja de São Pelegrino, um dos cartões postais de Caxias do Sul, os visitantes são recebidos por um senhor sorridente. Em conversa com um turista, pergunta com naturalidade: "Tu é casado?". O visitante entra na brincadeira e responde que não, então o padre que estava ao lado da imagem do padroeiro da igreja abraça o homem e diz: "Então vamos aqui ao lado de Santo Antônio para ele te ajudar". É com esse carinho que Mário Benvenuto Pedrotti recepciona e cativa a todos na igreja que é seu lar desde 1985.
Ele é acompanhado de perto por Calebe, o gato cinza claro, com mesclas de pelos laranja e olhos azuis, que dorme com o padre, e vai com ele até a igreja, onde pode ser visto circulando elegantemente entre os bancos, às vezes, até durante as missas:
— A chi non piace gli besti, non piace le gente — afirma ele, em dialeto italiano, o que significa: quem não gosta de bichos, não gosta de gente.
Com um sorriso conta que sempre gostou de animais:
— Muitos perdem essa oportunidade de gostar de um (animal) e de outros também (pessoas). Todas as pessoas que têm um animalzinho em casa são mais amáveis, mais aconchegantes, quando se encontram na rua e alguém dá bom dia, responde bom dia e não passam o dia de mau humor.
O sacerdote chegou aos 90 anos no último dia nove, sendo 62 deles dedicado aos sacerdócio:
— Eu fui ordenado sacerdote com 27 anos e acabo de completar 90! Que velho teimoso! Essa frase linda do salmo 42 me ajudou a pensar: "O Senhor, quando terei alegria de ver a vossa face". A minha jornada está terminando. Eu já sou mercadoria vencida. Evidentemente que me sinto melhor do que eu mereço, mas meus familiares e alguns amigos, muitos deles, já partiram, meus colegas, muitos deles partiram. Hoje eu sou o padre mais idoso da Diocese de Caxias do Sul, do clero secular (vinculado ao bispo diocesano).
Rotina de orações, caminhadas e amor ao próximo
Assim que acorda, faz o sinal da cruz e agradece a Deus pelo dia que está começando. Faz a oração da manhã, com um terço de contas maiores, para não se perder, e realiza as leituras do dia. Depois de tomar um bom café, rega o jardim, com a companhia de Calebe, lê, e, duas vezes por semana, pratica musculação.
— Faço caminhadas também e gosto muito de parar as pessoas pelo caminho e, seja católico ou não seja, eu gosto de conversar. De vez em quando vejo alguma senhora de vestido e cabelo longo e eu pergunto onde é que a senhora congrega. Conversamos e aí eu dou um abraço e uma benção e ela também responde: "padre, Deus lhe abençoe". Trocamos as bênçãos porque todos somos filhos amados de Deus.
Ele ainda celebra missas, batizados, atende em confissões e aconselhamentos. Já perdeu as contas de quantos batizados e casamentos celebrou, inclusive, de paroquianos que batizou, ou dos filhos de casais que celebrou a união.
— Só Deus sabe o número, porque eu não nem pensei em poder contabilizar tudo isso. Realmente é como qualquer pai de família, qualquer mãe de família, qualquer padre, como eu um qualquer para usar o termo para todos igual, não imagina quanto pode fazer de bem ao longo da sua jornada e quanto também a gente pode ter se omitido em fazer o melhor possível, mas Deus sabe permear o bem e é misericordioso. Perdoa as omissões e os erros quando a gente o invoca com fé e confiança— afirma o padre.
Fé e paixão pelo Juventude
Em homenagem ao aniversário do padre, foi celebrada a missa "Uma vida bem vivida, uma grande celebração" em 9 de janeiro. Cerca de 200 fiéis compareceram à celebração. Eles entraram na igreja com objetos que simbolizavam cada década de vida dele, num total de nove, em alusão aos 90 anos. Na sala do padre na casa paroquial, ele guarda os presentes desse aniversário, e também outros mimos que recebeu ao longo da vida.
Na estante há fotos, uma delas com o papa João Paulo II, falecido em abril de 2005. Há santos e santas e uma caricatura assinada por Fredy Varela. No desenho, o padre veste uma camiseta do Juventude, o time do coração, está com um cachimbo em uma das mãos, e um terço e o celular na outra mão. O gato Calebe está no ombro dele, digitando no celular, e com asas, no céu está a gatinha Chica, que morreu há cinco anos. Hoje ele acompanha os jogos do Verdão pela rádio. Bem-humorado, considera essa característica uma bênção:
— O bom humor ajuda vencer. Se uma coisa está me dando uma vida longa é esforçar-me e pedir essa graça de Deus de ter um bom humor, de ter alegria, de conviver com as pessoas, de ajudar e ser ajudado.
Ele foi ordenado em 3 de julho de 1960 pelo então bispo dom Benedito Zorzi, sendo que a primeira nomeação de padre da Diocese para trabalho foi em São Pelegrino, em 31 de dezembro de 1960. Ele também atuou em paróquias de Bento Gonçalves e Torres. Em março de 1985, quando o padre Eugênio Ângelo Giordani morreu, retornou a São Pelegrino para assumir a paróquia.
— Praticamente 40 anos de vida aqui em São Pelegrino. Daqui não saio, daqui ninguém me tira, onde é que eu vou morar? Com um gato e o cachorrinho — diz ele, se referindo a Salomão, que é o cachorrinho do padre Leonardo Pereira, atual pároco da Igreja.
"Eu usaria acolhimento como o sobrenome dele", afirma funcionária da Paróquia sobre o padre 20
Juliana Sperandio, que trabalha na loja da Igreja de São Pelegrino desde 2018, e é catequista desde 2005, conta que convivência com o padre proporciona leveza e alegria:
— Ele me chama de Esperando Deus, por causa do meu sobrenome. Batizou minha filha mais velha, a Giordanna, e é muito inteligente e irreverente. Conviver com ele é fantástico, porque o padre Mário transmite muita alegria.
Para ela, uma palavra define o sacerdote:
— Ele está sempre cantando e tem muito carisma na recepção das pessoas que vêm visitar a igreja e nas missas. A gente não consegue imaginar a igreja de São Pelegrino sem o padre Mário. Eu usaria acolhimento como sobrenome dele.
Clóvis Jesus Marquês mora no bairro de Lourdes, mas retorna ao bairro onde já viveu para rever o amigo e também participar das missas:
— O padre Mário cativa as pessoas tanto que o conheço desde quando ele celebrava e morava na Paróquia de Lourdes. Antes das celebrações passa em quase todos os bancos e cumprimenta as pessoas que participam. Meu filho e minha filha receberam dele a Primeira Comunhão. Ele casou minha filha. Só temos coisas boas para falar do Padre Mário e todas as obras que realizou de benfeitoria para a Paróquia. É grande amigo da nossa família — emociona-se ele.