Mais de um ano depois de ter sido atingida por um ciclone extratropical, o cenário na Escola Estadual de Ensino Médio Dom Frei Vital de Oliveira, em Muitos Capões, parece o mesmo do dia seguinte ao evento climático. Ele só não é igual porque a situação agora é pior do que em 1º de julho de 2020. Além das telhas arrancadas pela força do vento, a parte do prédio que ficou sem a cobertura, foi danificada pela exposição ao tempo nesses 13 meses em que não recebeu nenhuma melhoria.
O assoalho foi totalmente comprometido. Com isso, o gasto inicial, orçado em menos de R$ 30 mil, atualmente, gira em torno dos R$ 202 mil. Será preciso construir um novo telhado e um novo piso, além de outros reparos. Enquanto isso, com o retorno das aulas presenciais em 5 de julho, algumas turmas estão tendo aulas em locais improvisados, como o refeitório da instituição. Por outro lado, prédios públicos municipais foram recuperados e outros imóveis particulares foram praticamente reerguidos por meio de parcerias e ações comunitárias. Esta mobilização aponta um caminho para soluções mais ágeis e com forte impacto no dia a dia da comunidade.
A escola Dom Frei, como é chamada, é a única estadual e também a única que tem Ensino Médio (EM) da cidade. Atende do 1º ano do Ensino Fundamental (EF) ao 3º ano do Médio. São 210 alunos em 12 turmas — 144 no turno da manhã, do 6º ao 9º ano do EF e do 1º ao 3º ano do EM, e 66 à tarde, do 1º ao 5º ano do EF.
Patrick Ribeiro Antunes, 16 anos, cursa o 1º ano do Ensino Médio. Ele é um dos estudantes que está assistindo as aulas no refeitório. A turma dele tem 37 alunos, mas menos de 20 optaram pelo ensino presencial. Entre esses, foi feita uma divisão em dois grupos que alternam aulas durante os dias da semana por causa da limitação de espaço. Nenhuma das salas que podem ser usadas comporta uma turma desse tamanho. O grupo do Patrick tem 11 alunos. Na semana anterior às férias, ele só teve aula em um dia. Nesta semana, após o recesso, teve apenas nesta quarta-feira.
— Seria ótimo se tivessem mais salas disponíveis para todo mundo ir, com distanciamento, tudo certo. Com certeza, impacta no aprendizado, porque uma aula online tem sua qualidade, mas não é a mesma coisa que uma aula presencial. Também, indo só um dia na semana, calculo que seja ainda mais prejudicado o aprendizado — argumenta Patrick.
Aulas em um ambiente precário
A situação da instituição preocupa a toda a comunidade escolar. Rosemeri Elaine Lopes, 41, é mãe da Marieli Eduarda Lopes, 17, que está no 3º ano do Ensino Médio. A sala em que a adolescente estudava também foi atingida pelo ciclone e a turma está utilizando uma sala ao lado do refeitório. A mãe luta pelo direito da filha de estudar em um ambiente apropriado.
— Estamos tentando fazer o máximo, correndo atrás, mas já se passou um ano e simplesmente não conseguimos nada. Empacou porque precisa da assinatura de uma pessoa. Quando bate na burocracia, para tudo. Eles (Estado) tiveram mais de um ano de pandemia, sem aulas, para fazer isso (reforma) e até agora nada. Tem alunos tendo aula uma ou duas vezes na semana, porque não tem sala — lamenta a mãe.
Ela conta ainda que na época do vendaval, como apenas as telhas tinham sido danificadas, os pais se reuniram na tentativa de fazer um mutirão. Mas foram impedidos por se tratar de prédio de propriedade do Estado. Outra professora da escola, que prefere não ter o nome divulgado, reforça a preocupação com as condições do local. Todas as quatro salas de aula do primeiro bloco foram destelhadas e a biblioteca. Todos os livros foram perdidos, segundo a docente.
— Temos alunos que querem retornar (o ensino presencial), mas não têm como por causa da capacidade das salas — descreve.
Aprendizagem comprometida
O bloco em que os estudantes estão tendo aulas não foi danificado. Ele tem duas salas de aula, uma outra peça que era para atendimento de alunos com deficiência e que foi adaptada (todas menores do que as atingidas) e o refeitório. A professora Luzia de Oliveira Mendes leciona para o 3º ano do Ensino Fundamental na sala adaptada:
— Estamos nos revezando em algumas salas que não foram atingidas, mas são salas pequenas. As turmas de Ensino Fundamental não são tão numerosas, mas a preocupação maior é com o Ensino Médio, porque é a única escola que temos no município e os alunos vão ficar com a situação deles comprometida. Não temos espaço para atender todas as turmas todos os dias mesmo que fosse em sistema de escalonamento.
Com vínculo forte com a escola, ela se diz entristecida com a situação.
— Vejo com muita tristeza, porque sou da comunidade de Muitos Capões, nasci aqui, estudei na escola Dom Frei, e iniciei minha carreira há mais de 20 anos no magistério também na escola, onde sempre trabalhei. Então, é muito triste ver a escola da nossa comunidade a cada dia que passa ficando mais danificada. Se tivesse sido tomada providência logo em seguida, a escola não estaria nessa situação. É um descaso muito grande dos nossos governantes e um descaso com a Educação. Estamos saindo de uma pandemia, que ainda não terminou, mas havia uma expectativa dos professores e dos alunos e pais que pudéssemos retornar, mas em uma situação dessas não tem como — lamenta a professora Luzia.
Empresa já foi licitada, mas falta assinar o contrato
A empresa que fará a reforma da escola já foi escolhida. O resultado da licitação foi conhecido em 3 de maio de 2021. Segundo a coordenadora da 23ª Coordenadoria Regional de Educação (23ª CRE), Cristina Boeira Fabris, o contrato está em análise jurídica, em idas e vindas entre Secretaria de Educação (Seduc) e Procuradoria-Geral do Estado (PGE), desde 29 de junho.
Foi cogitado utilizar o ginásio para alocar algumas turmas, mas o local é muito frio. É possível que isso ocorra com o fim do inverno. A previsão é que a obra leve três meses para ser concluída a partir do início dos trabalhos.
— Já no dia 1º de julho do ano passado, praticamente, amanhecemos na escola, verificamos que tinha sido o teto (danificado). Encaminhamos o processo para Porto Alegre. No setor público, essas coisas demoram. Passou alguns meses, veio mais chuva, e uma reforma que era inicialmente em um valor abaixo de R$ 30 mil, hoje, está orçada em R$ 202 mil. Porque teremos que fazer toda a parte de cobertura, todo assoalho, porque com a demora as coisas foram se deteriorando — diz Cristina.
A coordenadora atribui a demora à burocracia:
— É muito difícil trabalhar com a burocracia. É um vai e volta. Tivemos que reorganizar todo o processo. Em outubro, detectamos a necessidade de aumento da obra. Fizemos um novo laudo, encaminhamos para Porto Alegre. E a escola está naquelas obras emergenciais.
A Secretaria da Educação do Estado (Seduc), por meio da assessoria de imprensa, disse que a minuta de contrato está em análise junto à assessoria jurídica.
Ação da comunidade e da prefeitura são exemplos de agilidade na reconstrução
O caso da escola é um exemplo de situação em que a burocracia da máquina pública emperra um processo que poderia ser bem mais célere. Outros prédios de Muitos Capões também foram fortemente atingidos pelo ciclone, inclusive, estruturas públicas municipais. Praticamente todos já foram recuperados ou reconstruídos.
Segundo um levantamento repassado à reportagem pela prefeitura, foram investidos R$ 400 mil com recursos próprios para consertos das casas destelhadas, outros R$ 120 mil para reconstrução do parque de rodeios e R$ 300 mil serão usados no ginásio da Escola Municipal de Ensino Fundamental Gina Guagnini. O que ainda está pendente, conforme a prefeita Rita de Cássia Campos Pereira, é a recuperação do Centro de Eventos. Segundo ela, tramita no Ministério da Integração Nacional o pedido de verba no valor de R$ 1,2 milhões.
— O ginásio da escola, a empresa não iniciou ainda, mas está tudo certo para iniciar. O Centro de Eventos, fizemos o projeto para conseguir recursos, foi aprovado e colocado para empenho, para depois liberar o valor. Tem que reconstruir todo ele, inteiro — explicou a prefeita.
Além disso, a comunidade se uniu e a Paróquia Santo Antônio conseguiu reerguer a igreja, parcialmente destruída pelo vendaval. Foram feitas doações em dinheiro de pessoas e empresas, lives e brechós para alcançar o valor necessário para reconstrução. Judetti Moreira Della Giustina, 26 anos, é do conselho paroquial, composto por seis casais. Eles ajudaram a organizar as campanhas e a meta foi superada. Foram mais de R$ 90 mil. Sem falar nas pessoas que assumiram alguma etapa da restauração, como vitrais, por exemplo.
Tudo isso possibilitou que o trabalho começasse em torno de um mês depois da passagem do ciclone e foi possível fazer mais do que o previsto. Foi feito telhado novo, forro, restaurado o altar, imagens dos santos. Foram incluídas melhorias no salão paroquial e no sistema de som, entre outros. No último dia 13 de junho, a igreja foi reinaugurada.
— Quando aconteceu o ciclone, foi aquele desespero porque foi muito triste. No primeiro momento, não sabíamos o que fazer, porque não tínhamos dinheiro. Tínhamos R$ 7 mil na conta da paróquia. Reconstruir como? Dois dias depois, nos reunimos no auditório da prefeitura. Não conseguimos nenhum recurso do município. Aí, começamos a trabalhar — lembra a moradora.
As campanhas foram pessoais, por meio de redes sociais e depósitos em conta no banco. Os padres de toda a região, da diocese, também ajudaram. Eles juntaram parte do salário e doaram.
— Fiz questão de ressaltar a positividade com que a comunidade reagiu diante da tragédia. Foram muitas campanhas. Uma mobilização muito grande, nas lives e com doações espontâneas... A paróquia está muito melhor hoje do que era antes do sinistro — comentou o bispo diocesano de Vacaria, dom Sílvio Guterres Dutra, referindo que até a mão de obra foi local e fez preço acessível nos trabalhos.
O episódio também fez com que a diocese revisse a situação das 28 paróquias quanto à prevenção. Atualmente, a maioria tem seguro.