Mais do que um cartão-postal e ponto de referência no coração de Caxias do Sul, a Praça Dante Alighieri também é um espaço carregado de memórias e tradições a céu aberto. Ao longo das décadas, o local ganhou esculturas, placas comemorativas e monumentos que homenageiam personalidades ligadas à história da cidade, um patrimônio que vem se tornando alvos do vandalismo, dos furtos de itens de bronze e da falta de manutenção.
O caso mais recente, do busto de Duque de Caxias levado por três homens na madrugada do último dia 17, mas notado mais de uma semana depois pelas autoridades e pela comunidade, se soma a outros registros que mostram como a praça tem a sua história prejudicada. A reportagem do Pioneiro percorreu o espaço na última sexta-feira (27) e verificou o estado de conservação de esculturas, bustos e placas que fazem ou que deveriam fazer parte da arquitetura da praça Dante Alighieri.
O caso que mais chama a atenção pela ausência de itens e abandono é o do monumento A Eterna Continência, em que o busto de Duque de Caxias foi furtado. As letras com a inscrição Ao duque, o Exército e a cidade foram retiradas e somente é possível identificar o que está escrito porque as marcas do metal permaneceram na estrutura. Ao lado, no obelisco instalado em 2018, as placas que identificam a estrutura estão suspensas somente por uma fita adesiva. Essa é a primeira vez que se tem notícia de danos ao monumento.
A ausência do busto do patrono do Exército Brasileiro e o abandono do espaço inaugurado em novembro de 1959 ocorrem na véspera da cerimônia oficial da Semana da Pátria, que é tradicionalmente realizada em frente à estrutura em formato de espada. Próximo de onde deveria estar o busto de Duque de Caxias, por exemplo, fica o ponto de hasteamento das bandeiras dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e a Pira da Pátria com o fogo simbólico trazido pela Liga de Defesa Nacional.
Para o secretário municipal de Esporte e Lazer (Smel) e um dos organizadores da Semana da Pátria em Caxias, Gabriel Citton, a ausência do busto não tornará as comemorações locais da Independência do Brasil menos simbólicas. Entretanto, ele lamenta que o ato seja realizado próximo a um ponto depredado.
— É claro que a gente gostaria que não tivessem levado o busto, mas uma coisa não depende da outra. A abertura será realizada naquele espaço como sempre foi porque é ali onde existe a estrutura para hasteamento das bandeiras, que é o ato mais importante da cerimônia. A gente fica triste com o ocorrido, mas não pode parar em razão disso.
Placas de identificação ausentes em seis pontos
O caso ocorrido na última semana se soma a outros danos de itens valiosos do patrimônio público que estão na Praça Dante Alighieri.
Um deles é o monumento em homenagem à Gigia Bandera, instalado defronte à Casa da Cultura em 1996 para a celebração do centenário da antiga Metalúrgica Abramo Eberle. A placa de bronze que identifica a escultura foi furtada em 2018 e nunca mais recolocada. No espaço reservado para a placa, estão fixados cartazes com orações. A placa deveria informar os visitantes da Praça Dante Alighieri quem foi Luisa Eberle, a Gigia Bandera: "Símbolo da intrépida participação da mulher na geração e no progresso desta cidade, fonte inspiradora da industrialização do nordeste do Estado".
Para evitar que as históricas placas de bronze que restaram sejam levadas por ladrões, a estratégia da prefeitura é substituir as peças por outro tipo de material menos valioso. É o que ocorreu na estátua de Dante Alighieri, instalada em 1914 em um espaço nobre da praça, próximo à Rua Borges de Medeiros. Placas que guarneciam o busto foram removidas preventivamente pela prefeitura, em 2018, para evitar que fossem furtadas. A promessa é que chapas em acrílico fossem instaladas, mas não há qualquer identificação atualmente.
O mesmo espaço é compartilhado pela escultura em bronze de Beatrice de Dante, considerada como a musa inspiradora do poeta italiano que dá nome ao local. Fixada em 2016, a obra possui um reforço, abaixo do banco onde está instalada, que dificulta uma tentativa de remoção. A identificação foi fabricada pela prefeitura em uma placa de metal, instalada junto ao banco, como alternativa para coibir possíveis furtos do material. Na semana passada, a escultura estava com sujeira acumulada, o que tornava a peça pouco atrativa para ser contemplada. O mesmo ocorria com o busto de Júlio de Castilhos, que está sendo tomado pela vegetação. Segundo a prefeitura, um cronograma de limpeza das estátuas será definido pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente.
Um dos poucos monumentos que parecem preservados é a Estátua da Liberdade, que está na Praça Dante Alighieri desde 7 de setembro de 1922, próximo à Avenida Júlio de Castilhos. Não há a presença de sinais de vandalismo ou ausência de itens.
Marco zero
Outro dano recente, cuja preservação da memória parece ter sido esquecida, é a Rosa dos Ventos da Praça Dante Alighieri - o marco zero da construção da cidade. Atualmente, o espaço não está identificado, passando despercebido por quem frequenta o espaço.
A peça de bronze ficava na metade da Rua Marquês do Herval, entre a Rua Sinimbu e a Avenida Júlio de Castilhos. O primeiro marco foi construído em madeira e, posteriormente, a demarcação foi fixada em azulejo. Em 1975, o marco foi substituído por uma placa de bronze, que indicava a longitude e altitude na Rosa dos Ventos.
Invisíveis e esquecidos
O historiador e coordenador do Instituto de Memória Histórica e Cultural (IMHC) da UCS, Anthony Beux Tessari, entende que a falta de informações nas esculturas faz com que o sentido da permanência dessas obras não seja mais entendido pela comunidade. Autor de pesquisas sobre o espaço público mais importante da cidade, ele defende que as placas de identificação sejam reinstaladas, mesmo que com outro material, para que ajudem a contextualizar a importância histórica das peças.
—Esses monumentos na Praça Dante Alighieri me parecem bastante descontextualizados, invisíveis e esquecidos. Os historiadores defendem os significados simbólicos desses itens como fonte histórica, mas isso não ocorre com uma grande parcela da população. A comunidade não precisa louvar essas figuras, mas deveria, sim, compreendê-las e também problematizá-las.
Tessari acredita também que o furto do busto de Duque de Caxias não está relacionado com questões políticas, conforme observado em outras cidades brasileiras, e sim com um problema social de retirada dos itens para a venda ilegal.
A subtração das peças é caracterizada como furto qualificado por envolver patrimônio público. Porém, a pena para o crime – de dois a oito anos de reclusão – dificilmente é cumprida. Isso porque dificilmente os criminosos raramente são localizados e processados. Na visão do secretário de Segurança Pública e Proteção Social, Paulo Roberto da Rosa, é necessário que os receptadores dos materiais furtados sejam identificados.
— Infelizmente, os furtos ocorrem há bastante tempo. E envolve também o patrimônio privado. Se tem quem compra, essas ocorrências continuarão sendo registradas.
O que diz a prefeitura
A manutenção do patrimônio e as melhorias na Praça Dante Alighieri deverão avançar com o plano de revitalização do espaço, anunciado pela administração municipal dentro do programa Luz, Cor e Flor. Segundo a prefeitura, o planejamento está sendo construído a partir de sugestões de diversos grupos, incluindo secretarias municipais e outros órgãos. Nos próximos 15 dias, os grupos deverão se reunir para alinhar as sugestões e elaborar um projeto de revitalização para ser apresentado.
Para resolver a falta de segurança mencionada pela comunidade, a vice-prefeita de Caxias do Sul, Paula Ioris, disse em entrevista ao programa Gaúcha Hoje, no sábado (28), que o município implantará o cercamento eletrônico a partir do ano que vem. O plano é que a Praça Dante Alighieri seja reforçada com monitoramento por câmeras em substituição aos equipamentos existentes, que, segundo ela, são antigos e não possuem boa qualidade de imagem. Além disso, não há monitoramento em tempo real.
— Temos todo o planejamento pronto, integrado entre as secretarias de segurança e trânsito, com o tipo de câmera em cada local, que serão com leituras de placas e monitoramento 24 horas. A gente tem uma grande limitação de efetivo frente à demanda. Temos mais de 250 prédios públicos, mais de 80 escolas e não temos como ter segurança presencial em todos os locais. O videomonitoramento 24 horas nos dá inteligência.
Ainda conforme a vice-prefeita, o projeto para o cercamento eletrônico possui orçamento definido, restando definir o local onde será construída a central de monitoramento. Ela lembrou que os prédios da Guarda Municipal e da Secretaria de Trânsito são alugados. Uma sugestão levantada por ela durante a entrevista é que o serviço de segurança seja implantado na Maesa.
Um dos assuntos mais debatidos após a divulgação do furto do busto de Duque de Caxias foi a ausência da Guarda Municipal na Praça Dante Alighieri. O secretário municipal de Segurança Pública e Proteção Social, Paulo Roberto da Rosa, disse que os servidores fazem rondas no local, mas que não há como manter guardas o tempo todo na praça. Nos últimos anos, 30 servidores da corporação se aposentaram, o que aumentou o déficit de pessoal e a presença da fiscalização nas ruas, segundo ele.
Também nos últimos anos, um ônibus da Guarda Municipal com videomonitoramento permanecia na praça, levando mais segurança a quem circulava pela área central da cidade e contribuindo para inibir os furtos. Conforme o secretário, o veículo não está operando porque necessita de manutenção nos sistemas de tecnologia que permitem o acompanhamento das câmeras que estão instaladas no entorno do ônibus. Não há previsão de quando haverá o conserto.