Mais de 50 pessoas perderam a vida em decorrência da covid-19 enquanto esperavam por um leito de UTI na Serra desde o início deste ano. O levantamento da reportagem aponta 52 casos em 18 municípios, mas o número pode ser ainda maior, já que algumas cidades não retornaram ao pedido de informações. A maioria dos óbitos ocorreu em março, mês em que as UTIs dos hospitais estiveram trabalhando além da capacidade. Mas os registros seguiram em abril, porque as unidades continuam operando no limite.
O município com maior quantidade de casos desse tipo foi Guaporé, com oito óbitos. O Hospital Manoel Francisco Guerreiro não tem UTI e depende de liberação de vagas em outras instituições do Estado para encaminhar os pacientes graves.
— O que observamos é que se fosse covid-19, não conseguíamos leito de UTI. Mas se fosse por outro motivo, sim. Transferimos outros tipos de pacientes nesse período — observou a administradora do hospital, Franciele Mezzomo, sobre a falta de vagas no Estado.
Ela comenta que houve casos de pacientes que ficaram entubados em ventilação mecânica no local por até 11 dias e morreram. Outros conseguiram se restabelecer. E que, além da angústia por não conseguir as transferências, os hospitais de pequeno porte têm que enfrentar a dificuldade de manter o cuidado e a medicação que os pacientes covid necessitam.
— Geralmente, entubamos e transferimos. A grande quantidade de medicamentos é em função do tempo em que a pessoa fica sedada, 24 horas. É completamente fora da nossa realidade — declarou Franciele.
A última transferência do hospital ocorreu no final de semana passado. Nesta sexta-feira, nenhuma pessoa esperava por leito.
Já na maior cidade da região, Caxias do Sul, dos 11 óbitos decorrentes de complicações causadas pelo coronavírus ocorridos nas unidades de pronto-atendimento (UPAs) desde janeiro, cinco foram de pacientes que não resistiram e morreram antes de conseguirem uma vaga em terapia intensiva. As mortes ocorreram em um intervalo de 15 dias, entre 8 e 23 de março.
Uma delas foi a de Maria de Lourdes Alfonso da Silva, 83 anos. Ela é uma das moradoras da Rua Vico Parolini Thompson, no bairro Cristo Redentor, em que seis famílias perderam parentes para a covid-19. A idosa tinha doença de Alzheimer, foi levada à unidade de saúde do bairro. Lá, segundo a filha Elizabete Silva Ecker, 51, foi diagnosticada com asma e infecção na urina. Mas, com o passar dos dias, ela foi ficando mais debilitada, até que, na manhã de 7 de março, foi levada à UPA Central. Recebeu oxigênio para ajudar na respiração, mas não resistiu e morreu às 5h20min do dia seguinte, antes de conseguir a transferência para um hospital.
Elizabete disse que não sabia que a mãe estava na fila de UTI, mas acredita que ela não teria resistido mesmo se tivesse conseguido a transferência.
— O médico disse que o caso dela era grave e o que ele podia fazer por ela, ele iria fazer. Minha mãe já estava se entregando, já não estava comendo direito. E ela sempre foi muito ativa, não dependia de ninguém. Gostava de andar bem arrumadinha. Mas, naquela semana, foi se entregando. Acho que ela não sobreviveria se fosse para uma UTI — lamentou a filha.
A fila de espera por leitos de UTI na região teve uma redução nos últimos dias. Nesta sexta-feira, conforme Cláudia Daniel, titular da 5ª Coordenadoria Regional de Saúde, havia 35 pedidos – 17 de covid-19 e 18 clínicos. Esse número chegou a ser de quase 70, segundo ela.
— Tivemos uma queda de internações clínicas e diminuição também de procura por leitos de UTI — observou Cláudia.
De acordo com a gestora, há um atraso no repasse de informações por parte dos hospitais à Secretaria Estadual de Saúde (SES). Por isso, quem olhasse o painel de dados do governo do Estado, no começo da tarde desta sexta, encontraria 10 leitos vagos de UTI na região da Serra quando, na verdade, há fila de espera.
Sem UTIs, cidades dependem de hospitais de outros municípios da região
Hospitais de 17 dos 18 municípios em que moradores morreram sem conseguir uma vaga de tratamento intensivo não têm UTI. Eles dependem da disponibilidade de leitos em instituições de outras cidades da região. Em Antônio Prado, três dos cinco moradores que morreram este ano devido à complicações causadas pela covid-19, não conseguiram leito de UTI a tempo. O único hospital do município, o São José, tem 51 leitos e oito ventiladores mecânicos, mas não tem unidade de terapia intensiva.
— Foi e continua sendo um momento bem difícil porque não atingimos um percentual que traga tranquilidade na ocupação de leitos de UTI (na região). Temos uma estrutura para dar um suporte ventilatório. Mas esses pacientes terão que ser transferidos para uma UTI, então acabamos vivendo essa angústia diariamente. Enquanto estivermos com essa taxa de ocupação elevada, sempre temos essa apreensão: será que vamos conseguir transferir a tempo esse paciente? — desabafa o administrador do Hospital São José, Diógenes Krohn Weber.
Dos três pacientes que não sobreviveram à espera em Antônio Prado, um homem de 71 anos permaneceu hospitalizado por 12 dias e, quando conseguiu uma vaga em UTI, acabou não resistindo e morreu quando seria transferido. Ele foi internado em 18 de março e o óbito ocorreu no dia 30. O hospital registrou redução de internações na primeira semana de abril e, nesta sexta-feira, não tem pacientes aguardando transferência.
Já em Serafina Corrêa, uma paciente de 73 anos, em estado grave, aguarda por uma vaga em UTI desde a última terça-feira à noite. Na quinta, ela precisou ser entubada.
— Inserimos a paciente no sistema bem antes (da entubação) para tentar garantir uma vaga, mas está tão difícil que as vagas, quando aparecem, muitas vezes vêm tarde demais. Nossa preocupação é que esses pacientes (covid-19) pioram muito rápido. Em questão de horas eles podem estar bem, como podem piorar e vir a óbito. Sabemos que para a família não é fácil. Fazemos o possível e o impossível mas, infelizmente, não abrem leitos —lamenta o diretor administrativo do Hospital Nossa Senhora do Rosário, André Bianchet.
A cidade registrou três perdas de moradores que aguardavam leitos em 10 dias, entre 25 de março e 4 de abril: um homem de 84 anos aguardou dias e, quando conseguiu vaga e foi transferido, morreu; um homem de 74 anos, que esperou sete dias e não resistiu; uma mulher de 71, que também aguardou vários dias e morreu quando estava sendo transferida.
Os casos na região
:: Antônio Prado - Dois homens 60 e 71 anos e uma mulher de 58
:: Carlos Barbosa - Duas mulheres, de 65 e 73 anos
:: Caxias do Sul - Três mulheres, com idades entre 80 e 87 anos, e dois homens, de 63 e 71 anos
:: Feliz - Um paciente, de acordo com a 5ª CRS
:: Flores da Cunha - Duas mulheres e um homem
:: Guaporé - Oito pacientes com idades entre 63 e 82 anos
:: Ibiraiaras - Um homem de 79 anos
:: Nova Bassano - Dois pacientes
:: Nova Petrópolis - Três pacientes
:: Nova Prata - Três pacientes
:: Paraí - Dois homens, de 70 e 77 anos
:: São Francisco de Paula - Dois homens de 43 e 77 anos e uma mulher de 74
:: São Jorge - Uma mulher de 73 anos
:: São José dos Ausentes - Uma mulher de 77 anos
:: São Marcos - Três homens de 45, 71 e 81 anos e uma mulher de 77 anos
:: Serafina Corrêa - Dois homens de 74 e 84 anos e uma mulher de 71 anos
:: Veranópolis - Cinco mulheres, com idades entre 65 e 88 anos, e um homem de 88 anos
:: Vila Flores - Uma mulher de 65 anos
*Fonte: Prefeituras e hospitais dos municípios