Um levantamento feito pela Associação Brasileira de Promotores de Eventos (Abrape) indica que foram extintos, desde o início da pandemia de covid-19, 335.435 empregos formais no setor no Brasil. Se forem considerados também os postos de trabalho indiretos, esse número sobe para mais de 450 mil, segundo a entidade. O dado serve de base para que a associação busque, junto ao Congresso Nacional, a aprovação do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). O programa é considerado fundamental pelo setor para dar condições de sobrevivência aos profissionais até que as atividades voltem à normalidade.
Enquanto isso, o governo federal publicou Medida Provisória (MP), no Diário Oficial da União, da última terça-feira, dia 9, que deve beneficiar o setor, entre outros. A MP 1.028 estabelece normas para facilitação de acesso a crédito e mitigação dos impactos econômicos decorrentes da pandemia. O efeito prático é que os bancos ficam dispensados de cobrar alguns documentos antes exigidos para liberação de crédito (veja quais ao lado). Além disso, o secretário Especial da Cultura, Mário Frias, anunciou, em um evento da Abrape, também na terça, a liberação de R$ 406 milhões para empresas do setor. Os recursos serão destinados por meio de linhas de crédito do BNDES, com acesso facilitado por fundos garantidores, com carência de dois anos, juros de 0,8%.
Caxias do Sul não tem dados locais sobre o setor de eventos. O mais próximo disso é o cadastro da Microempa, que aponta que dos 2,8 mil associados, cerca de 16% fazem parte da cadeia produtiva do setor de eventos, como organizadores, designers, fotógrafos, empresas de identidade visual, de comunicação, de decoração, floriculturas e restaurantes, entre outros. Muitos dos quais engrossaram a estatística nacional de vagas fechadas. Nesses últimos 11 meses, houve quem ficou sem nenhum trabalho, quem mudou de ramo e quem se reinventou.
O segmento foi o objeto do primeiro decreto municipal em Caxias do Sul, em 16 de março de 2020, que atingiu em cheio o setor. O documento determinou o imediato “adiamento, suspensão ou cancelamento de eventos realizados em locais fechados com aglomeração de pessoas”. Somente em 21 de setembro, o governo do Estado sinalizaria com algumas permissões para retomada de eventos. Primeiro corporativos, desde que seguindo os protocolos definidos pelo Comitê de Crise. Cerca de 20 dias depois, os demais. Entre as determinações, estavam a de público sentado e os cuidados preventivos, como uso de máscara e de álcool em gel, que seguem até hoje.
Atualmente, com as novas flexibilizações e por estar em bandeira laranja (risco epidemiológico médio) do Modelo de Distanciamento Controlado, em Caxias é permitido número máximo de 70 pessoas, entre trabalhadores e público, entre outras determinações (veja quadro na próxima página). Mesmo assim, para os cerimonialistas que atuam na região, ainda hoje, as restrições impostas são tantas que praticamente inviabilizam a realização.
A MP 1.028:
:: Estabelece normas para facilitação de acesso a crédito e mitigação dos impactos econômicos decorrentes da pandemia de covid-19.
:: Os bancos ficam dispensados de cobrar documentos como a Certidão Negativa de Débito (CND) na concessão e na renegociação de empréstimos.
:: Também não serão cobradas de empresas, a comprovação de quitação de tributos federais, a certidão negativa de inscrição na dívida ativa da União, a certidão de quitação eleitoral, a regularidade com Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a regularidade na entrega da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e a comprovação de pagamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) – para os tomadores de empréstimo rural.
:: Ainda não será feita consulta prévia ao Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin) para as operações de crédito que envolvam a utilização de recursos públicos.
:: A liberação dos documentos e consultas não se aplicará apenas às operações que têm os recursos do FGTS como fonte.
:: Os empréstimos e renegociações não poderão ser feitos com quem possui débitos com a Seguridade Social, já que essa é uma exigência da Constituição.
*Fonte: MP 1.028 e Abrape
No modelo atual é inviável realizar eventos, dizem cerimonialistas
Os profissionais que atuam na organização de eventos em Caxias alegam ser inviável realizar festas, comemorações ou celebrações com as restrições impostas pelos decretos estadual e municipal. Eles querem poder receber mais público, entre outras medidas.
– Já houve possibilidade de se fazer eventos, mas nada que se possa concretizar. Dentro dos protocolos que nos permitem fazer eventos, é inviável. Não estou dizendo que devamos promover ou instigar as aglomerações, mas uma flexibilização consciente está mais do que na hora de acontecer – disse o cerimonialista Anderson Salvador.
Os profissionais da área ouvidos pela reportagem julgam incoerente que ocorram aglomerações de cunho esportivo e político em detrimento dos eventos organizados e controlados.
– Existe a preocupação com a saúde pública. É incontestável que essa doença é muito grave e que tem uma propagação muito grande. Por outro lado, não podemos ficar 11 meses parados em casa. A questão do fique em casa é muito certa, para quem tem renda fixa para pagar suas contas. Todos os outros ramos tiveram uma flexibilização maior, mas para nós foram mínimas – pondera Salvador.
Os representantes do setor referem que são inúmeras as pessoas que conhecem que trocaram de ramo, fecharam empresas ou fazem os chamados ‘bicos’ para conseguirem se manter e a família. A falta de perspectiva de regras mais brandas é outro problema citado. O empresário Elias Cappellaro concorda ser inviável realizar eventos com as restrições estipuladas pelos atuais decretos estadual e municipal. Ele está entre os que apostam na vacinação, mas considera que ela está ocorrendo de forma muito lenta diante da urgência que o setor tem de retornar ao trabalho.
Para a empresária Gabriele Piccoli, dona de uma casa de eventos, o setor oferece segurança aos clientes e poderia realizar festas maiores e com mesas de doces, por exemplo, que, segundo ela não difere de um bufê tradicional:
– Se tudo estivesse parado, respeitaríamos, que é o que fizemos. Só que a partir do momento em que tudo começa a voltar, nós que trabalhamos com isso (eventos), que temos um monte de regras, não conseguimos entender que o nosso negócio, cumprindo todas as regras, possa ser um problema.
– A liberação (atual) permite que aconteça, mas dificulta o formato do evento. É muita coisa que ainda não pode, mesa de antepastos, de doces, bolo exposto, as pessoas não podem circular no salão sem a máscara, na hora das fotos com os noivos não pode abraçar, não pode pista de dança e tem horário de fechamento dos locais... Acaba excluindo as pessoas – aponta o cerimonialista Rogério Pizzolatto.
As regras na bandeira laranja:
:: Elaboração de projeto, disponível para fiscalização e/ou autorização, quando couber.
:: Número máximo de 70 pessoas, entre trabalhadores e público.
:: Distanciamento mínimo de dois metros entre mesas.
:: Ventilação natural independente do uso de equipamento de climatização.
:: Demarcação no piso de um metro nas filas.
:: Fluxo único de entrada, saída e circulação.
:: Tapetes sanitizantes em todas as entradas.
:: Disponibilização de totens e dispensers de álcool em gel com acionamento automático, e em diferentes locais estratégicos.
:: Higienização de camarins, camarotes e todas as áreas comuns (corredores, portas, elevadores, banheiros, vestiários, mesas, assentos e superfícies de contato) antes da abertura do evento e após seu término.
:: Kit completo nos banheiros (álcool gel 70%, sabonete líquido, toalhas de papel e lixeira com tampa de acionamento sem uso das mãos.
:: Higienização a cada uma hora de superfícies de contato (mesas, corrimão, balcões, etc) e a cada duas horas de banheiro e áreas comuns de maior circulação.
:: Higienização dos brinquedos a cada uso, com álcool 70% e/ou solução sanitizante similar.
:: Reforço nos equipamentos de proteção individual de colaboradores (máscara e faceshield).
:: Organização e escalonamento da equipe de trabalhadores em grupos únicos.
:: Proibidos alimentos e bebidas expostos (mesa de doces, salgados e bebidas).
:: Proibido consumo de alimentos e de bebidas em pé.
:: Duração máxima para o público de 4 horas.
:: Máscara de uso obrigatório sempre, à exceção do momento do consumo de alimentos ou bebidas, repondo imediatamente depois.
:: Priorização da venda e conferência de ingressos ou convites por meio visual ou digital, sem contato
:: Registro dos contatos de todos os presentes (trabalhadores e público) e documento jurídico autorizativo de contato para rastreabilidade em caso de posterior confirmação ou suspeita de covid-19.
:: Proibido uso de bebedouros verticais.
:: Uso individual de instrumentos musicais.
:: Proibido uso de pista de dança.
:: Suspensão de todas as atividades em caso de detecção de surto.
O que diz a prefeitura:
:: Por meio da assessoria de imprensa, sobre a a flexibilização dos eventos, a prefeitura de Caxias do Sul disse que "não cabe ao município disciplinar o número de pessoas, essa atribuição é do Estado. O que cabe ao município é disciplinar o horário de funcionamento." De acordo com o último decreto municipal, o horário estabelecido passou para até 1h, conforme situação atual de Caxias, em bandeira laranja.
O que diz a fiscalização:
:: O coordenador do Setor de Fiscalização da prefeitura de Caxias do Sul, Rodrigo Lazzarotto, diz que os fiscais percebem um constante descumprimento de vários itens do decreto por parte das casas noturnas, boates, bares, pubs e etc. Sobre as festas clandestinas, diz que elas continuam ocorrendo, mas que a fiscalização já localizou e paralisou 44 durante esse período. Além disso, Lazzarotto referiu "um número gigante de pessoas que foram multadas por consumo de bebida alcoólica e falta de máscara em espaço público de loteamentos, onde as pessoas se reúnem para fazer aglomerações." Que isso é feito semana após semana. Que os fiscais não gostariam de estar fazendo esse papel, mas é a quem cabe e que seguirão fazendo até que os decretos sejam flexibilizados. No Carnaval, haverá fiscalização constante tanto para aglomerações clandestinas quanto para festas. A fiscalização vai agir conforme o que está previsto na legislação. Lazzarotto reitera que "não é a fiscalização quem cria os decretos ou quem decide que o local pode funcionar de determinada forma." Sobre a comemoração do acesso do Juventude à série A, Lazzarotto diz que é humanamente impossível, com o número reduzido de fiscais disponíveis e de efetivo dos órgãos de segurança, dar conta de um fato extraordinário e com número imprevisível de pessoas como esse.
O que diz o governo do Estado:
:: O Governo do Estado acolhe as reivindicações de todos os setores desde antes da implementação do Modelo de Distanciamento Controlado, no dia 10 de maio, o que já resultou em alterações nos protocolos - que tem como objetivo reduzir os riscos de esgotamento do sistema de saúde, garantir maior segurança aos gaúchos, e aumentar a aderência às medidas de enfrentamento ao coronavírus, de preservação à vida com a retomada econômica responsável. Em relação ao setor de eventos, é um segmento de alto risco, especialmente aniversários, formaturas e casamentos. Feiras e similares estão liberadas com restrições de publico menores, podendo, inclusive, atingir 2.500 pessoas. As atuais medidas foram, inclusive, construídas escutando os representantes do segmento de eventos e o governo permanece aberto para sugestões e solicitações. Reforçamos que a pandemia ainda não acabou e que a estratégia adotada no Modelo de Distanciamento Controlado utiliza-se de evidências científicas e análise de dados para definir níveis de riscos (traduzidos em bandeiras) e aplicar restrições na proporção, momento e local em que forem necessárias, com protocolos para cada atividade econômica conforme a região.