Com os olhos brilhando ao falar da família, Pedro Clóvis Porto, 86 anos, passa tristeza ao contar porque as enteadas e enteados, que considera como filhos, e os netos não podem lhe visitar:
— É porque tem a doença, mas depois eles vão vir. Agora não pode abraçar.
Seu Pedro é um dos idosos que vive no Lar Bela Vista, em Caxias do Sul. Assim como os demais moradores de asilos, ele só pode ver a família à distância ou por chamadas de vídeo. As visitas estão suspensas há seis meses e é uma das medidas que gera maior impacto na rotina dos idosos em regime de isolamento para evitar infecções pela doença.
Enquanto seu Pedro fica emotivo, José Ruy Pinheiro Costa, 70, procura levar o período de isolamento com bom humor. Ele é um dos residentes da Clínica de Repouso Novos Horizontes, no Centro.
— Fico sentado aqui na frente e mexo com o pessoal que passeia com os cachorros. Pergunto: "não tem um tamanco?" E eles perguntam "porque o senhor quer um tamanco?" E eu respondo: para matar a covid a tamancadas — conta, rindo.
Ex-policial civil, ele trabalhou no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), em Porto Alegre, até 1998. Falante, Seu Ruy, como é chamado, gosta de relembrar histórias do passado e sabe os nomes e as idades de todos os moradores do lar.
— O mais novo tem 66 e a mais velha 94.
Ele estava acostumado a receber a visita da mulher e, agora, dribla a saudade com a tecnologia.
— Não tem jeito, temos de ter paciência. Falamos por telefone e, quando temos saudades, discamos um para o outro. Ela vinha sempre e agora manda o que eu preciso, mas não pode vir aqui. Eu entendo.
Danúncio Augusto de Souza, 79, não é tão paciente quanto o colega. Pai de sete filhos, ele passava os domingos com a família, sempre na casa de um deles, onde se reuniam para almoçar.
— Às vezes eles ligam, mas eu queria ver. Não tenho medo do vírus. Eu já tenho uma certa idade, então preferia ver eles do que ter que aguentar a saudade — emociona-se.
Em seguida, ele pergunta à reportagem:
— Eu posso ir embora? Eu tenho minhas terras para morar — diz, com expressão triste.
Essa vontade de sair da casa asilar só surgiu depois da pandemia, conforme conta o psicólogo Rafael Klein, que atua na clínica.
— Ele está sem sair do lar para visitar a família há seis meses. Tem sido difícil para alguns lidar com a saudade e com essa falta de contato com as demais pessoas.
Familiares também precisam lidar com a distância
A alternativa para manter contato dos idosos com o mundo são ligações, chamadas de vídeo e acenos à distância. No Lar Bela Vista, enquanto os idosos ficam na sacada do segundo andar, os familiares abanam e conversam do portão. É o caso da família de Pedro Clóvis Porto, que o visitava às quartas e sábados. Uma das enteadas de Pedro, Luciana Helena Biegelmeyer Rodrigues, 53, conta que são cinco irmãos. Todos sentem falta das visitas e tristeza por não poder estar perto.
— Está sendo difícil porque todos os fins de semana a gente ia visitar ele e levávamos o famoso pudim porque a gente chegava lá e ele já perguntava: trouxe o pudim. É difícil saber que a gente não pode estar lá e, ao mesmo tempo, ficamos felizes porque ele está muito bem cuidado — ressalta.
Pedro foi namorado de Helena, mãe de Luciana, na adolescência. Eles se separaram e, anos depois, quando Helena ficou viúva, se reencontraram e casaram. Sem filhos, ele ganhou sete, sendo que dois já morreram.
— Ele nos pediu se aceitávamos que ele se casasse com a nossa mãe. Ele dizia que se considerava o homem mais feliz do mundo porque ia casar com uma mulher que já tinha sete filhos. Minha mãe era o ar que ele respirava. O que nos consola é que ele gosta muito de estar lá (no asilo). Fazemos chamada de vídeo e logo nos primeiros dias, quando não podia ter contato, a gente entregava o pudim para saber dele e voltava para casa às vezes chorando. Gostaria de poder estar sempre com ele, mas a gente sabe que não dá _ emociona-se ela.
Margot Beatriz Stalliviere Coelho, 61, também recorre às chamadas de vídeo para tentar lidar com a saudade. Ela liga dia sim, dia não para poder falar com a mãe Aracy Carpeggiani Stalliviere, 82, que vive na Novos Horizontes:
— As pessoas perguntam o que eu vou fazer quando passar a pandemia e eu digo que vou para Caxias, porque moro em Porto Alegre, ver a minha mãe. Essa é minha prioridade.
Ela conta que a mãe tem demência e, por isso, acredita que ela não se sinta triste pela ausência:
— Sempre que a gente se fala ela diz que tá morrendo de saudades, pergunta dos netos e do meu marido e diz que está louca para me ver. Eu digo que não posso ir vê-la por causa desse vírus e toda vez ela diz: "ah é? Nossa! Que horror".
Atenção aos sinais de tristeza ou depressão
Uma das dificuldades está em administrar as emoções daqueles que têm consciência de que estão longe da família e também diante da falta de atividades extras, como missas, grupos de música, dança ou artesanato.
— Quando veio a pandemia foi pensado em um protocolo sanitário, mas não teve esse olhar para o idoso que ficou isolado. Antes, eles iam na missa, mercado, caminhavam para fazer exercícios... Hoje, eles não podem fazer nada. Sentem falta desse contato com o mundo lá fora. Estamos atentos aos sinais de tristeza e depressão e temos que pensar em amenizar esses reflexos — afirma o psicólogo Rafael Klein, que atua na Novos Horizontes.
Pacientes que sofrem de demência, muitas vezes, perguntam diversas vezes sobre o que está acontecendo. Outros ficam tristes e mudam o comportamento. É o caso de Danúncio Augusto de Souza, que sente saudades dos filhos.
— Ele estava acostumado. É difícil lidar com isso. Temos estimulado os familiares. Como não podemos receber visitas nos aniversários, a saída foi os familiares virem entregar os presentes e ficarem nos carros, abanando. Eles precisam sair, passar um tempo com a família. Claro que são necessários cuidados. Mas acredito que, ao menos os mais ansiosos, precisam ter esse contato — diz Klein.
A auxiliar administrativa do Lar Bela Vista, Ana Simone da Rosa Seib, ressalta que as famílias se tranquilizam ao ver que os idosos estão bem.
— No nosso lar, a maioria são idosos muito debilitados, que já viviam outra realidade. Muitos não estão lúcidos e alguns ficam emocionados quando os familiares ligam. O lar é a casa deles e nos dedicamos para que não sintam tanto os reflexos da pandemia. Tentamos manter a rotina deles o mais parecida possível com a que tinham antes — diz.
GRATIDÃO
Na última semana, Bárbara Gubert, 39, e Merielen Felippi Brehm, 35, que lançaram o projeto Gratidão, em agosto, estiveram na casa asilar no bairro Bela Vista. Elas foram adoçar a vida dos moradores com tortas e refrigerantes. As amigas também levaram hidratantes, fraldas e roupas. As duas vão promover ações para arrecadar recursos, principalmente para ajudar os idosos que não tem família.
A ajuda não será apenas financeira, mas voltada a iniciativas que façam com que eles tenham contato com o mundo e se sintam acolhidos e amados. Um dos projetos para quando a pandemia permitir é o "Churras na casa do vô".