Você sabe o uso correto dos quatro porquês? Já se viu escrevendo e precisou se perguntar "será que vai crase?". Se essas dúvidas são comuns para quem é fluente em português, imagine para quem chega aqui sem saber uma palavra do idioma. Para ajudar ainda mais na inserção de sete funcionários venezuelanos, a equipe do Complexo Hospitalar Unimed de Caxias do Sul decidiu oferecer aulas de português gratuitas aos profissionais.
Apesar de atuarem em espaços com pouco contato com o público, como a lavanderia e a cozinha, os trabalhadores precisam se comunicar com outros setores por telefone. Com dificuldade em entender, a comunicação não evolui e eles acabam passando a ligação para algum colega nativo, como explica o professor de português André Benedetti:
— Assim, eles acabam não se integrando. A gente não quer perdê-los e queremos dar mais autonomia para eles. Eles dizem 'eu quero crescer aqui' e sabem que, para crescer, precisam saber escrever — destaca.
À frente do projeto, a consultora de desenvolvimento Graziela Baroni explica que a ideia surgiu no Núcleo de Desenvolvimento Humano Organizacional, pertencente à área de Gestão de Pessoas do hospital:
— Percebemos que os colegas estavam tendo dificuldades de comunicação. Às vezes não compreendiam as orientações e pensamos que poderiam ter receio de questionar. Vimos aí uma oportunidade — esclarece.
Os encontros ocorrem às quintas-feiras, das 10h às 12h, em um auditório onde são mantidos o distanciamento social e o uso de máscara em função da pandemia. A terceira aula está marcada para esta quinta (10). A previsão da equipe é chegar a 20 horas-aula.
"Eu quero crescer aqui"
No segundo ano no Brasil, o auxiliar de cozinha Carlos Marcano, 24 anos, é um dos que frequenta o curso promovido pelo hospital. O jovem, cuja família ainda está na Venezuela, passou o primeiro ano na cidade desempregado e se recorda de como era ruim ter de ir ao mercado, por exemplo, sem conhecer uma palavra de português.
— Com a oportunidade de trabalhar, a coisa foi melhorando. Nós somos estrangeiros e temos uma língua diferente. Podemos falar, mas não conhecemos bem a pronúncia e a gramática. Assistir às aulas de português tem sido muito bom para a gente — declara em, vale dizer, muito bom português.
Formado em Letras e Jornalismo, Benedetti é assessor de imprensa da cooperativa médica e professor de Português e Literatura em turmas do Ensino Médio. Segundo ele, alguns dos sete funcionários que frequentam as aulas do projeto chegaram aqui há menos de um ano e têm muitas perguntas. É por isso que ele vai planejando as aulas de acordo com as dúvidas levantadas pela própria turma. São assuntos como gramática, ortografia e pronúncia — explorados por meio de leitura, escrita e audição — indo do português mais básico ao mais complexo:
— Eles conhecem alguns brasileiros com sotaque de Roraima, que faz divisa com a Venezuela, mas comentam que é muito diferente do que escutam aqui. Se perguntam, por exemplo, como podem ouvir, na mesma cidade, as pronúncias leite e "leiti". Para eles, faz uma diferença bem grande no entendimento — exemplifica André.
Outras dúvidas frequentes são como saber quando se deve pronunciar o S com som de Z ou, então, como conseguir falar o "ão". Este som não existe na língua espanhola, o que demanda esforço por parte dos trabalhadores. Por isso, para os próximos encontros, o professor pretende convidar uma fonoaudióloga do hospital para falar sobre pronúncia. Outra intenção é a de chamar um colaborador da cooperativa, que é argentino, mas mora no Brasil há anos, para compartilhar experiências com a turma. Para Benedetti, o momento é de troca:
— Eu não sei falar espanhol e eles me passam coisas. Nem sempre a gente tem alunos com interesse, ali eu percebo que eles querem saber, perguntam o tempo inteiro, anotam tudo. Pediram, por conta própria, sobre o uso da crase e dos porquês. Disseram 'a gente sabe que tem um acento virado, mas como funciona?' Eu disse 'olha, tem muito brasileiro que não sabe. Se vocês souberem, vão poder dar aula para os brasileiros' — brinca o professor.