O turismo, principal propulsor de desenvolvimento da Região das Hortênsias, foi um dos ramos de atividades mais atingidos pela pandemia. Contudo, não foram apenas os efeitos da covid-19 que frearam a participação de Caxias do Sul entre seus pares na nova posição no Mapa do Turismo Brasileiro. Passado um ano, Caxias, de fato, nem chegou a firmar assento entre as cadeiras ocupadas por Canela, Gramado, Nova Petrópolis, Picada Café e São Francisco de Paula.
O que também interferiu foi a mudança na administração municipal. Foi a gestão Daniel Guerra, que governou a cidade até o final do ano passado, que encaminhou proposta polêmica e defendeu a troca de regiões por parte de Caxias em meados de 2019, o que foi confirmado em agosto do ano passado pelo Ministério do Turismo, com a atualização do mapa. Com o impeachment do então prefeito, assumiu um novo governo com posicionamento diferente sobre a questão.
Caberá à próxima administração definir se a cidade permanecerá na Região Hortênsias ou voltará à Região Uva e Vinho, da qual historicamente fez parte até a migração, há um ano.
A atual gestão diz que não fez nenhum movimento, neste ano, para reverter a posição do município no Mapa do Turismo por respeito à decisão da administração anterior, segundo o secretário de Turismo de Caxias, Enio Martins. Porém, para ele, particularmente, a cidade nunca deveria ter deixado a Região Uva e Vinho.
– Não houve um debate, "um diálogo", com os representantes das entidades ligadas ao turismo. No ano que vem, Caxias poderá fazer a escolha de qual região gostaria de ser pertencente. A cidade tem o privilégio de estar em dois recortes de regiões diferentes (pela posição geográfica), e que ambas buscam recursos para fomento do turismo, porém, pelas nossas características, o mais adequado seria estarmos na Região Uva e Vinho, por uma questão de identidade – argumenta o gestor público para a área.
O fato de a decisão sobre a região turística ter ficado para o ano que vem apenas coincidiu com a eleição de um novo governo. É que a possibilidade de migrar de região é aberta a cada dois anos pelo Ministério do Turismo, o que ocorrerá em 2021.
Vocação passa por turismo de negócios e Festa da Uva
Quando da entrada de Caxias na Região das Hortênsias, em agosto passado, prefeitos de outros municípios integrantes da região falavam da contribuição que a cidade poderia dar para alavancar o turismo regional, principalmente, a Festa da Uva e o futuro aeroporto de Vila Oliva. O processo para construção do aeroporto teve avanço importante neste ano, com o pagamento pela desapropriação de 95% da área. Atualmente, a prefeitura aguarda a licença ambiental prévia por parte da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) para encaminhar a licitação do projeto executivo.
Já uma possível retomada de discussão sobre a Festa da Uva também deve ficar para a nova administração. Questionado sobre o assunto, o secretário de Turismo de Caxias, Enio Martins diz que pretende deixar organizada a Festa das Colheitas, que antecede o evento maior e tem data marcada para fevereiro:
– Toda a transição, de certa forma, atrapalha, porque está sendo construído de um jeito e entra um outro grupo que, às vezes, tem percepção diferente. O que entendo é que, independente do grupo que entra ou do que está sendo feito, não podemos retroceder. Mas, a pandemia nos prejudicou muito.
Sobre a possibilidade de entregar a organização da Festa da Uva à iniciativa privada, o secretário diz que não consegue imaginar o evento sendo construído sem a participação da administração pública.
– A iniciativa privada contribui, é importante, mas entendo como uma parceria público privada – defendeu.
Para este ano, estava prevista a participação de Caxias na AbavExpo, evento da Associação Brasileira de Agências de Viagens. A cidade já havia conquistado verba do Governo do Estado, no valor de R$ 27 mil, para participar. Seria uma ação em conjunto com a Região das Hortênsias. Mas o evento foi cancelado por causa da pandemia. O dinheiro ficou garantido para 2021.
"Caxias poderia ser a capital turística da Serra Gaúcha"
Para o G30, grupo de empresários da Serra Gaúcha que discute e apresenta sugestões para o poder público em diversas áreas como o turismo, na prática, o fato de Caxias estar em uma ou outra região não faz diferença.
– Enxergamos a região como um todo, Uva e Vinho, Hortênsias e Campos de Cima da Serra. Em muitos momentos, batemos contra essa questão cultural de as regiões competirem e não colaborarem. Entendemos que, sob o viés do turismo, Serra Gaúcha é uma coisa só – disse Thomas Fontana, integrante do G30.
O empresário acredita que Caxias poderia assumir papel de protagonismo se colocasse o turismo como uma de suas pautas prioritárias.
– Caxias é uma potência. Sozinha tem o PIB (produto interno bruto) de todas as demais cidades da Serra. Talvez, por isso, não tenha dado muita atenção ao turismo, embora o potencial enorme. Caxias tem tanto o turismo industrial, quanto o de recreação, com a questão histórica e cultural da cidade. Se olhasse para isso, poderia ser a líder da nossa região e referência para o Brasil inteiro. Caxias poderia ser a capital turística da Serra Gaúcha – pondera Fontana, referindo também a posição geográfica estratégica da cidade.
Quando menciona o aspecto cultural da cidade, Fontana também aponta para a Festa da Uva como evento de grande potencial, mas aposta na gestão pela iniciativa privada:
– Ela (Festa da Uva) tem uma marca muito forte nacionalmente e conteúdo cultural muito bacana, mas, pelo fato de ser um evento público, tem todas as suas dificuldades de gestão, de continuidade, de apelo comercial. Minha leitura pessoal é de que, se houvesse concessão do evento à iniciativa privada, sem que o poder público abra mão da propriedade do evento, que siga fiscalizando, acho que poderia ser uma potência muito maior.
Além de potencial destino, Caxias tem importante contribuição como público visitante em outras cidades da Serra. Recente pesquisa do Sebrae com participação do G30 apontou que Caxias é a segunda cidade no Rio Grande do Sul, atrás apenas de Porto Alegre, que mais faz turismo dentro da própria Serra.
Entenda o caso
:: Em 21 de julho de 2019, a Secretaria de Turismo do Governo Guerra anuncia solicitação de inclusão de Caxias na Região das Hortênsias, com a consequente saída da Região Uva e Vinho.
::Prefeitura de Gramado anunciou publicamente não apoiar entrada de Caxias na Região das Hortênsias. Municípios vizinhos, como Bento Gonçalves, Flores da Cunha e Garibaldi, também criticaram a decisão.
:: Uma decisão liminar chegou a impedir a mudança de região turística.
:: Em decorrência da liminar, Caxias do Sul perdeu o prazo para formalizar a solicitação da troca de região, que se encerrava em julho.
:: Estado invalidou a documentação de Caxias. Município chegou a ficar temporariamente fora do Mapa do Turismo Brasileiro.
:: Procuradoria Geral do Estado e Sedetur, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico e Turismo, buscaram reversão da situação, com manutenção de Caxias na Região Uva e Vinho.
:: Em 14 de agosto de 2019, município derrubou a liminar e a Sedetur encaminhou à União a validação da mudança para as Hortênsias.
:: Mapa do Turismo Brasileiro, divulgado em 26 de agosto de 2019 pelo Ministério do Turismo, definiu Caxias como município integrante da Região das Hortênsias.