Aprender os conteúdos escolares mirando em uma vaga na faculdade já é desafiador para muitos estudantes. Imagine, então, em uma pandemia. Uma vez que nem todos os alunos têm acesso a dispositivos e internet com qualidade o suficiente para dar seguimento ao aprendizado, a suspensão das aulas presenciais fez com que grande parte da rede de ensino interrompesse o cronograma. Muitas escolas conseguem apenas revisar o conteúdo. No entanto, o calendário dos vestibulares e do Enem segue por aí e a vontade de ajudar mais jovens a chegarem ao Ensino Superior tem despertado iniciativas notáveis na Serra.
Uma delas é o Bhaskareando, projeto desenvolvido de forma voluntária por 11 alunos e professores do curso de Licenciatura em Matemática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul - campus de Bento Gonçalves. Por meio da internet, a equipe estima que já ajudou cerca de 200 alunos de todo o país com dificuldades em matemática. E sem custo nenhum.
Os voluntários atendem estudantes de todas as séries e avaliam o nível de dificuldade deles, além da capacidade da internet de cada um. Para se adaptar ao perfil do aluno, a equipe pode enviar resumos, exercícios resolvidos passo a passo, videoaulas gravadas e até fazer videochamadas. Criador do projeto e estudante do quinto semestre de Licenciatura em Matemática no instituto, Edemar Mealho revela que a ideia surgiu em novembro, mas com um mote diferente:
— Na faculdade, eu estudava sobre cientistas homens e nunca sobre mulheres, sendo que elas contribuíram muito para a ciência. Meu objetivo foi criar uma plataforma que levasse essa informação, que não estava tendo (na sala de aula).
O Bhaskareando ainda divulga conteúdos sobre as mulheres na ciência, mas, com a vinda da pandemia e a imposição do ensino a distância, decidiu se transformar em um reforço virtual para alunos cujo processo de aprendizagem estava sendo prejudicado pelas aulas remotas.
— Muitos estudantes não estão aprendendo conteúdo novo (pela suspensão das aulas) e não têm dinheiro para pagar um curso pré-vestibular. Então acabam tentando estudar por conta própria, fazendo como podem. Muitos se inscreveram para o Enem e estão inseguros em disputar a vaga com quem está conseguindo ter aulas remotas — observa Edemar.
As aulas de reforço do Bhaskareando servem como apoio até aos pais dos estudantes, que precisam lidar com a sobrecarga de auxiliar os filhos nesse período, mesmo sem saber dos conteúdos em boa parte das vezes. O grupo também tem recebido desabafos sinceros e o reconhecimento de alunos que se sentiam envergonhados em pedir ajuda e que, com o reforço, podem ter um pouco mais de esperança. Graças ao apoio de influenciadores digitais, o projeto que eles pensavam que seria só regional ganhou visibilidade em outros lugares e, agora, busca mais voluntários para continuar o trabalho.
— A gente ainda tem muito para aprender para se tornar professor. Mas o pouco que a gente sabe já é muito para quem sabe menos. A gente pensou em usar esse privilégio. Todo mundo tem um conhecimento que merece ser compartilhado.
Na iniciativa, há espaço para trocas entre alunos, professores e futuros professores, caso de Edemar e dos colegas de curso:
— Muitos voluntários não têm experiência em sala de aula. Meus colegas estão começando a ter esse primeiro contato contato professor-aluno, transmitindo conhecimento, que é o que vamos fazer futuramente. É benéfico para todo mundo — resume o jovem.