Enquanto a família Krauspenhar oferece um café na aconchegante cozinha da casa habitada pela terceira geração, mais de cinco milhões de abelhas resguardam-se entre as 80 caixas de madeira distribuídas pela propriedade de Linha Araripe, no interior de Nova Petrópolis. O descanso das operárias — com redução das atividades no período de inverno — se dá após uma produção recorde registrada na última safra, entre novembro de 2019 e abril de 2020.
É o que revela o apicultor Otávio Luiz Krauspenhar, 63, ao mostrar o resultado do trabalho em um dos vidros de puro mel que acompanha fatias de pão fresquinho. Segundo ele, o intenso calor do verão garantiu uma produção de 2,5 mil quilos. É uma tonelada a mais do que ele costumava obter em safras anteriores, que girava em aproximadamente 1,5 mil quilos.
O excedente inesperado deu origem à Mellar, que entre outas delícias, comercializa pães de mel elaborados pela filha de Otávio, Débora Krauspenhar, 37. A executiva de vendas, que mora em Caxias do Sul, conta que viu na saborosa receita da mãe, Gládis Krauspenhar, 62, uma excelente oportunidade de aproveitar a doce matéria-prima, além de preencher o espaço ocioso de sua semana após redução de horário de trabalho motivada pela pandemia.
— Eu acordava cedo, ia correr e depois ficava até o final da manhã sem muito o que fazer. Resolvi fazer os pães de mel que minha mãe sempre fez. A primeira leva ficou mais ou menos, a segunda ficou boa e compartilhei com os vizinhos do prédio onde moro — conta a filha de seu Otávio, que antes da pandemia, nunca tinha preparado a receita.
Ela lembra que deixou, em uma área comum do condomínio, uma caixa com os pacotes e um bilhete explicando que os vizinhos poderiam provar os pães de mel, sendo opcional a retribuição em dinheiro — que poderia ser deixado na caixa — e opiniões a respeito do produto.
— Todo mundo pegou, deixou o dinheiro na caixa e, a partir daí, muitas pessoas quiseram encomendar mais — relata Débora, que mora com o marido, Maurício Susin Corteletti, 30, no bairro Villagio Iguatemi, em Caxias.
Com o apoio e participação de seu companheiro, a Mellar foi criada em meados de abril e se tornou um dos destinos da farta produção de mel das abelhas de Linha Araripe. As encomendas são realizadas pela internet, com entrega a domicílio somente aos sábados. Além dos pães de mel, e do próprio mel purinho, a Mellar também oferece outras delícias que podem ser conferidas no Instagram (@mellar.rs).
O papel da natureza no entorno
Professor de Educação Física, seu Otávio diz manter a produção de mel como hobby há cerca de 50 anos. Segundo ele, a produção sempre foi destinada a conhecidos e também a hotéis de Gramado, que representavam 60% de sua clientela. A redução de hóspedes em plena alta temporada da região, causada pela pandemia, fez com que o estoque ficasse ainda mais ocioso. Por isso, junto de outros apicultores tradicionais da cidade, a família Krauspenhar está buscando a certificação do Ministério da Agricultura para ampliar as possibilidades de comercialização do mel.
— É algo que toda propriedade tinha antigamente. Eu comecei a trabalhar com esse inseto maravilhoso quando tinha 12 anos e morava na Linha Brasil, depois vim pra cá (Linha Araripe) e fui aumentando. Boa parte dos produtores não possuem certificação porque é bem burocrático e também demanda incentivo do município para investimento em estrutura, por exemplo. É para isso que estamos criando a associação — relata o apicultor.
O cuidado e a dedicação dispensados por ele à produção, garantem a excelência do mel produzido pelas operárias chamadas abelhas africanizadas, espécie que resulta do cruzamento de abelhas africanas com abelhas de espécies europeias.
Prova disso foi o resultado de um ensaio microbiológico feito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) com o serviço de inspeção municipal de Nova Petrópolis. A comprovação técnica da qualidade do mel servirá para o processo de regulamentação e, mais do que isso, demonstra a influência que o manejo da propriedade exerce sobre o resultado do produto. Segundo Otávio, a florada do entorno, de onde as abelhas extraem o néctar para a fabricação do mel, é um dos principais fatores.
— Muitas pessoas gostam do mel de laranjeira, por exemplo. Aqui, em 24 hectares, tempos uma diversidade nativa muito boa e, além disso, plantamos uva japonesa, aroeira-mansa e eucalipto. O uso de agrotóxicos nas proximidades, em algumas propriedades, pode se tornar um grande problema, porque também influencia no mel. Isso quando não mata as abelhas. Felizmente, não temos nada disso por perto — comenta Otávio, enquanto mostra o complexo onde ficam as caixas que ele mesmo fabrica para abrigar as colmeias.
"A abelha é minha paixão"
Poucas horas ao lado do professor, aliás, são suficientes para uma agradável e completa aula sobre a apicultura, incluindo uma série de curiosidades e explicações a respeito da complexa organização das abelhas, algo que o fascina desde a infância.
Cinco décadas depois, os olhos dele ainda brilham enquanto explica, com detalhes, como vivem e quais as funções desempenhadas pelas rainhas, pelos zangões e pelas operárias. É com alegria que ele também discorre sobre o modelo de produção escolhido e o respeito pela natureza, detalhando como funciona o processo de retirada do mel das caixas.
— A abelha é a minha paixão. Não tem preço levantar de manhã e, ao olhar as caixas, ver elas trabalhando, entrando carregadas de pólen... É algo que gosto muito e faço junto da minha grande companheira (esposa). Desde que casamos ela vai junto comigo e neste meio que cresceram nossos filhos — conta Otávio.