Assumir a superintendência de um hospital em plena crise de uma pandemia mundial certamente não estava nos planos da carioca Lara Sales Vieira que, na semana passada, passou a desempenhar a função no Hospital Pompéia, em Caxias do Sul.
A proposta de liderar um dos principais hospitais da Serra, referência para 49 municípios, e com trajetória mais que centenária, surgiu ainda antes de se falar em epidemia e partiu de seu antecessor, Francisco Ferrer, que desempenhou a função ao longo dos últimos 30 anos.
O trabalho desenvolvido por Lara na diretoria assistencial, setor que assumiu ainda em abril de 2018, despertou a confiança e admiração de Ferrer. Ele conta que viu na profissional a capacidade de dar continuidade e ainda amplificar o trabalho até então realizado.
A transição contou com uma empresa especializada e ocorreu com o aval da Mitra Diocesana e do Pio Sodalício das Damas de Caridade. Mesmo fundada pelo grupo de damas da sociedade caxiense de 1913, esta é a primeira vez que uma mulher ocupa o cargo máximo da instituição.
— É muito simbólico, uma grande inspiração e uma honra para mim. Me sinto muito lisonjeada pela confiança e pelo reconhecimento ao meu trabalho — afirma a nova gestora, que também comenta o fato de ser do Rio de Janeiro, transcendendo, em mais um ponto, os paradigmas frequentemente impostos pelo tradicionalismo da Serra.
Dos 44 anos de idade, 20 foram de experiência na área da saúde. Além da formação como administradora hospitalar e nutricionista, com especialização em governança corporativa, Lara mudou-se para Caxias do Sul em busca de qualidade de vida, após atuar na Rede D'Or — que administra hospitais em seis Estados do Brasil — e na companhia internacional United Health Group.
O DESAFIO DA SUCESSÃO
De acordo com Lara, sua atuação à frente do Hospital Pompéia tem como objetivo imprimir transformações, dando continuidade ao trabalho de expansão que vinha sendo realizado e agora, evidentemente, focando em ações que minimizem os impactos da crise gerada pela pandemia de coronavírus.
— A pandemia tem um peso maior nas ações diligenciais, com certeza, mas acho que a grande missão vai ser, além de suceder um executivo que sempre esteve à frente de seu tempo, imprimir transformações. O conselho quer uma gestão mais contemporânea, que acompanhe a dinâmica de mercado. Entre as metas a revisão do modelo de gestão, a eficiência operacional e a humanização no cuidado com as pessoas — afirma a superintendente.
No momento encontram-se interrompidas as obras do prédio de 14 andares junto ao complexo do Hospital Pompéia. A construção tinha previsão de sediar, a partir de março de 2021, um centro ambulatorial com complexidade de imagem, cirurgias e clínicas especializadas. O crescimento orgânico será uma das buscas da nova gestão que agora mantém o foco nas ações em combate ao coronavírus.
Inicialmente, dos 30 leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) que possui, o Hospital Pompéia destinou 10 para atendimento exclusivo de pacientes da covid-19. Caso haja necessidade, a instituição pretende destinar outros 10 leitos que estão em fase de negociação com o governo do Estado.
Na ala de enfermaria, uma unidade com 38 leitos já havia sido disponibilizada para pacientes com infecção por coronavírus, sendo ampliada com outros 15 leitos em pacto firmado com o município. Também mediante recursos municipais, a instituição pretende montar sete leitos das chamadas Unidades de Cuidados Intermediários (UCIs).
De acordo com a superintendência, esta alternativa otimizaria a liberação de leitos em UTIs nos casos de pacientes que não demandam o uso de respiradores, porém não apresentam plenas condições de serem transferidos para os quartos.
"UM BOM LÍDER SABE A HORA DE RENUNCIAR"
Há cerca de dois anos, quando foram iniciadas as tratativas para a transição do cargo que ocupou nas últimas três décadas, Francisco Ferrer diz ter levado adiante a decisão tomada com base em um ensinamento de seu pai.
— Exercitar o poder de renúncia é muito importante, um bom líder precisa ter o entendimento de que tudo tem um limite. A gestão hospitalar é bastante exaustiva, embora minha atividade tenha transcendido a relação de trabalho, tornando-se amor à missão de zelar pela vida. Estou com 62 anos, não me sinto velho, mas entendo que a Lara tem competência, sensibilidade, conhecimento e visão contemporânea de gestão. O Hospital Pompéia vem crescendo e precisa disso — afirma Ferrer, que segue agora prestando consultoria, com idas à instituição duas vezes por semana.
Natural de São Gabriel, Ferrer gerenciou por cinco anos o hospital de sua cidade natal, sendo esta sua primeira experiência na área. Uma formação em administração hospitalar oferecida em Santa Maria pela Sociedade Beneficente São Camilo, de São Paulo, fez com que ele, ao lado da esposa e de um filho, deixasse a cidade em busca de sua carreira profissional.
Após concluir o curso, foi designado para trabalhar em Novo Hamburgo, em um escritório que prestava consultoria em gestão para 18 hospitais do Rio Grande do Sul, entre eles, o Pompéia. No hospital caxiense, a trajetória de Ferrer se iniciou há 38 anos e foi marcada pela busca da transparência e de soluções que ressignificaram a instituição perante a comunidade após um período de crise.
Ele recorda que, quando assumiu a superintendência, em 1989, o hospital acumulava dívidas oito vezes maiores que o faturamento mensal.
— Foram pelo menos seis anos buscando um equilíbrio, com uma série de renegociações, para que pudéssemos projetar um crescimento. Na época, o Pompéia era o único com atendimento de pronto-socorro na cidade e hoje ainda é um dos principais da região — lembra Ferrer, que também tratou de resgatar o vínculo comunitário do hospital, com projetos como o grupo de teatro Estado de Choque, que passou a levar arte e informação a respeito da prevenção de doenças aos bairros mais vulneráveis de Caxias.
Em oito anos de gestão, mais um passo importante foi dado. Gradualmente, a instituição passou a assumir áreas como de diagnóstico por imagem e análises clínicas, que até então eram terceirizadas. Com o Instituto do Câncer, foi criada a Associação Amigos do Pompéia, apadrinhada pelo técnico de futebol Luiz Felipe Scolari, o Felipão.
— Isso proporcionou um alicerce econômico-financeiro para que pudéssemos praticar o ensino, com a formação de médicos especialistas em áreas como a neurologia, traumatologia, cirurgia geral, entre tantas outras — comemora o gestor, que diz sempre ter atuado com diálogo, de forma transparente e o acompanhamento de indicadores.
Por mais que o cargo de superintendência pareça distante da realidade dos corredores hospitalares, Ferrer garante que o contato com os pacientes e com as equipes compôs a essência de seu trabalho.
— Sempre tive a clara noção do que gerenciava e sei que não basta que o profissional olhe apenas para os parâmetros, mas também olhe no olho do paciente, que é como olhar no coração. Me sinto muito grato hoje porque as lições que tive ao longo desses anos me tornaram um ser humano melhor — completa.