No princípio, o símbolo da devoção à Nossa Senhora de Caravaggio estava dentro da casa dos Favro. Eram tempos difíceis e árduos, de tomar posse e colonizar a terra inóspita. Natal Favro adentrou na mata fechada do terreno que anos mais tarde viria a ser chamado de Caravaggio, solo sagrado de Farroupilha, no ano de 1877. O italiano trouxe na bagagem a esperança de dias melhores, mas também um quadro contendo a cena mais popular da aparição de Nossa Senhora, em Caravaggio, na Itália. A devoção à Caravaggio, portanto, é mais antiga do que a primeira semente plantada no solo desta terra. Antes da primeira colheita, já ressoava mata adentro a voz das súplicas e agradecimentos à Deus, por meio da adoração à Nossa Senhora.
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O primeiro milagre, atribuído à fé a Nossa Senhora de Caravaggio é desta época. Gema Nicoletto Pasa, bisneta do Natal Favro, narra o testemunho de uma noite que tinha tudo para ser uma tragédia. Favro, teria pedido aos filhos mais jovens para que o ajudassem com a lida do gado, e foram conduzir os animais para pastar atravessando a mata nativa. Caiu a noite, e nada das crianças voltarem para casa. O único instrumento de comunicação à distância era o berrante, relata Gema. Com o toque do berrante, o gado voltou para casa, mas as crianças não conseguiam regressar.
Estavam dentro da mata cerrada, onde habitavam animais silvestres e perigosos, Giovani, Matheus e Ângelo, filhos de Natal Favro e Domenica Cambruzzi, bisavós de Gema.
— Quem me contou essa história foi meu tio-avô, o João Fabro, e o meu avô, Antônio Favero. Eles diziam que a bisavó ficou assustada com a situação e teria dito que se soubesse que ia acontecer algo assim, ela nem teria saído da Itália. Então, eles começaram a fazer uma vigília em frente ao quadro de Nossa Senhora de Caravaggio. E no dia seguinte, os meninos saíram do meio do mato e voltaram para casa com vida — revela Gema Nicoletto Pasa, 76 anos.
O estabelecimento de um local de adoração era questão de tempo. Porque na Itália, a tradição é a de que as cidades crescem a partir do núcleo religioso, seja um capitel, uma capela ou mesmo uma igreja. E não seria diferente nesse pedaço de terra da Serra gaúcha, onde 22 famílias, oriundas da região do Vêneto, de cidades como Beluno, Udine e Treviso, estavam estabelecendo suas raízes.
Conforme o relato do jornalista Vitor Tonollier, autor de Por uma graça alcançada, a comunidade encarregou Antônio Franceschet e Pasqual Pasa, em 1879, da construção de um oratório, feito em madeira de pinheiro, com pouco mais de três metros, onde seriam feitas as orações a Deus. Dessa forma, a adoração deixaria de ser praticada na casa dos fiéis, para ser realizada em um local público. No entanto, o primeiro embate dessa comunidade foi saber qual padroeiro seria estabelecido nesse pequeno, mas simbólico templo.
— Uma das primeiras opções foi Santo Antônio. Outros queriam que fosse Nossa Senhora de Loreto, porque alguns tinham vindo dessa região. Aí, meu bisavô se ofereceu para emprestar o quadro de Nossa Senhora de Caravaggio. Ele não podia doar, porque a mãe dele tinha dito que o quadro ia permanecer na família até o último filho ter direito de ficar com o quadro — revela Gema.
"Em 1885, um dos 'santeiros' (escultores que produziam imagens sacras) de Caxias do Sul, um escultor chamado Stangherlini, uso-o como modelo para esculpir duas estátuas de cedro, solucionando definitivamente a questão", descreve Vitor Tonollier, em Por uma graça alcançada. E foi dessa forma que a adoração e devoção a Nossa Senhora de Caravaggio chega aos nossos dias. Sendo que em 2020, está sendo preciso ressignificar a fé dos romeiros, por causa das medidas de contenção e prevenção à covid-19.
Graças à iniciativa do Santuário de Caravaggio, em celebrar missas online, através das redes sociais, milhares de fiéis podem manter sua conexão sobrenatural, sem perder a esperança de, em breve, assim que a pandemia passar, poderem pisar novamente no solo sagrado de Caravaggio.
PROFECIA DE UMA DOENÇA
A pandemia do coronavírus é um mistério da ciência. Não há uma vacina para combater a covid-19, por isso, a medida mais segura, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda se baseia no distanciamento social. Dona Gema está há mais de 40 dias isolada em casa. Nem mesmo nesse período de romaria atreveu-se a sair. Para acompanhar as missas, ela usa um tablet, e conecta-se em espírito de adoração à Caravaggio.
No entanto, ela traz à luz da memória uma profecia do padre Cosme Fiorin, que ela ouviu quando ainda era criança.
— O padre Cosme era bem tradicional, controlava até a vestimenta de quem ia na igreja. Quando foi transferido pelo bispo, para ser capelão do Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves, ele veio se despedir da minha família. Eu era pequena, mas lembro como se fosse hoje, ele vestia uma batina preta, e apontava o dedo, em riste, e dizia: "Há de vir o dia, em que os filhos e netos de vocês vão ver uma doença, causada pelo 'câmbio negro', que é o petróleo". Ele disse ainda: "Essa doença vai fazer os países brigarem entre si e vai sobrar pouca gente dessa doença". E não é o que eu estou vendo? Nunca esqueci dessa profecia do padre Cosme e é justamente o que estamos vivendo _ diz Gema.
EMPATIA E AMOR AO PRÓXIMO
Gema, bisneta do Natal Favro, o homem que trouxe da Itália o quadro com a imagem de Nossa Senhora, em sua aparição em Caravaggio, diz que as maiores lições desses tempos de pandemia são a empatia e o amor pelo próximo.
— O que a gente leva dessa vida? Não levamos nada além do bem que a gente fez — enfatiza Gema, que prossegue:
— Eu acho que Deus permitiu essa pandemia, porque as pessoas não tinham empatia umas com as outras. A maioria dos ricos quase nunca se preocupava com os pobres. Mas foi só aparecer o coronavírus para que todos começassem a manifestar sua empatia e preocupação com o próximo. Eu nunca vi tanta empatia como agora, nesses últimos tempos — observa.
Dona Gema é mais do que guardiã das histórias dos seus ancestrais. Essa senhora, que tem hoje dificuldade na mobilidade, já semeou, colheu, cozeu, educou duas filhas, e amou ao próximo como a si mesma. Ela é testemunho de fé dos milagres de adoração à Nossa Senhora, que fez milagres em Caravaggio, na Itália, e segue estabelecendo uma ponte de esperança entre os devotos e Deus. Apesar das restrições de acesso ao Santuário de Caravaggio, Gema é a prova de que a fé rompe barreiras físicas e toca o céu. Daqui até a eternidade.
PEQUENOS, MAS FRUTÍFEROS ATOS DE FÉ
O quadro com a imagem da aparição de Nossa Senhora, em Caravaggio, que o bisavô de Gema Nicoletto Pasa trouxe da Itália, está em um lugar de destaque no santuário. A imagem é pequena, mas como ensinou Jesus Cristo, segundo o relato do apóstolo Mateus: "Eu asseguro que, se vocês tiverem fé do tamanho de um grão de mostarda, poderão dizer a este monte: 'Vá daqui para lá', e ele irá. Nada será impossível para vocês". A semente que Natal Favro trouxe na bagagem segue até hoje dando frutos de fé, esperança e amor.
O quadro retrata a aparição de Nossa Senhora tendo aos seus pés, Joaneta, em uma posição de devoção e adoração. Essa cena teria ocorrido no dia 26 de maio de 1432, uma segunda-feira, às 17h, em Caravaggio, localidade que fica entre as cidades de Veneza e Milão, na Itália.
Jocimar Romio, 35, padre auxiliar do Santuário de Caravaggio, apontando para o pequeno quadro doado pela família de Dona Gema, em 1970, explica:
— Aquele quadro que veio da Itália, foi a origem da devoção no Brasil, quando em 1879, a comunidade colocou-o em um pequeno oratório. Aquele quadro veio na bagagem e, prova, que as pessoas até podem sair de um lugar ao outro, mas levam sua fé na mente, no coração e na mala. Porque a fé dá significado e sentido às pessoas nos momentos de desesperança. A fé é o lugar seguro onde as pessoas podem se amparar.
Manter a celebração das missas, apesar das medidas de distanciamento social, foi uma forma de valorizar a devoção dos fiéis à Nossa Senhora de Caravaggio, defende o padre Jocimar.
— Quando decidimos manter a romaria, e não cancelar, nem mesmo transferir, foi justamente para valorizarmos a data da aparição, 26 de maio de 1432. Por isso, optamos por fazer as celebrações em um formato online. Assim as pessoas podem continuar a ter a esperança como sustento, principalmente em momentos como esse, em que vivemos uma crise de sentidos na sociedade.
O pequeno quadro atravessa gerações e continua a semear a fé. Além disso, na visão do padre Jocimar, o símbolo é mais do que uma peça de museu, o quadro tem o poder de aproximar o passado ao presente, apontando para o futuro.
— No domingo (24), uma criança de dois anos caminhou pelo corredor da igreja e levou uma orquídea até a imagem de Nossa Senhora. Esse também foi um ato simbólico. Porque é o passado, representado pela imagem do quadro, que faz efeito na fé presente, dando um significado e sentido ao futuro.
Um futuro, que na visão de Dona Gema, será de pessoas mais empáticas, com mais atitudes de solidariedade e amor. E claro, com a volta da romaria como sempre ocorreu nos 140 anos anteriores, com milhares de peregrinos podendo pisar no solo sagrado de Caravaggio em devoção à Nossa Senhora.
Celebração online
Horários das próximas missas:
Terça-feira (26): 8h, 10h30min e 17h
Às 14h, haverá récita do terço e, às 15h, a Oração de Maria.
Como acompanhar:
Site do Santuário (http://caravaggio.org.br)
Instagram: @santuario.caravaggio
Youtube: santuario.caravaggio
Facebook: santuario.caravaggio
Pioneiro.com
A missa de terça-feira (26), às 10h30min, será transmitida também pelo pioneiro.com
Tríduo
Terça-feira (26), às 10h30min, a TV Canção Nova irá transmitir para o Brasil (por cabo) e para alguns países da Europa, como Itália e Portugal, entre outros, e parte dos países da América Latina e América do Norte (por satélite).
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