A morte em casa do aposentado Clóvis da Rosa, 75 anos, poderia ter relação com a covid-19. A suspeita impediu um velório normal e a família teve autorização apenas para se despedir dele por meio de uma rápida cerimônia com o caixão fechado, na manhã do dia 2 de maio. Na semana seguinte, o resultado do exame coletado no dia do óbito não confirmou a presença do vírus.
Dez dias depois da morte de Clóvis, uma mulher de 96 anos, que não teve a identidade divulgada, morreu no Complexo Hospitalar Unimed. Ela havia sido diagnosticada com a doença, foi considerada recuperada do vírus durante o tratamento, mas não resistiu a outras complicações. Até esta quinta-feira (14), esse era o único caso relacionado diretamente à pandemia na cidade. O velório dela, porém, foi realizado em caixão aberto e suscitou uma questão não prevista de forma clara no protocolo do Ministério da Saúde, que é o tratamento dispensado na despedida de pacientes que deixaram de ter o vírus.
Os dois casos acima retratam como tem sido difícil lidar com o luto em tempo de pandemia em Caxias do Sul e também em outras cidades. Desde que o governo federal emitiu recomendações sobre como realizar funerais, manuseio de corpos em hospitais, em moradias ou espaço público, qualquer suspeita impede uma cerimônia tradicional. Para prevenir o contágio, as famílias são obrigadas a fazer rituais rápidos e depois descobrem que o movimento não era necessário. A regra determinada pelo Ministério da Saúde, seguida à risca pela prefeitura de Caxias, não está equivocada e atende a critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS). Na dúvida, o que prevalece é a prevenção.
A chave para esse solucionar o problema envolve possivelmente a questão dos testes nos pacientes. Hoje, em média, o resultado de um exame leva sete dias para ser conhecido no Estado quando coletado por meio da rede pública. A Alemanha, por exemplo, aplica exames que levam quatro horas para indicar a confirmação ou não. Se fosse realidade no Brasil, a tecnologia de lá faria uma grande diferença em casos de mortes que acontecem antes de um laudo conclusivo e forçam a adoção dos protocolos que impedem funerais.
DRAMA FAMILIAR
A situação que envolveu a família de Clóvis da Rosa não é única. Desde que as novas regras entraram em vigor em Caxias do Sul, cerca de 10 mortes não tiveram funeral em capelas, mas apenas despedidas breves com caixão fechado no Cemitério Público Municipal. Nenhum desses casos, apesar dos indícios, confirmou positivo para a covid-19.
O filho do aposentado, pastor Israel Padilha da Rosa, 41, aprova as medidas de precaução, mas acredita que houve uma zelo exagerado em relação ao seu pai. Clóvis tinha um histórico de saúde frágil, sofreu três enfartes, estava debilitado e, por último, apresentou problemas renais. Tudo isso fez com que ele apresentasse um quadro de insuficiência respiratória grave. Passou mal em casa por volta das 19h do dia 1º de maio, no bairro São Caetano, e chegou sem vida no hospital.
O primeiro atestado de óbito assinado pelo médico responsável não apontou suspeita de covid. Nas tratativas com funerária, Israel soube que a morte havia passado a ser considerada suspeita. Um novo laudo foi emitido e a família obrigou-se a se enquadrar nas regras. O sepultamento ocorreu por volta das 11h do dia seguinte. O laudo negativo só saiu no dia 7 de maio _ seis dias depois da morte de Clóvis. Se houvesse um exame mais rápido, possivelmente os Rosa já teriam sanado a dúvida em pouco tempo e poderiam ter conduzido um funeral que consideram mais apropriado.
- Nós sabíamos que não tinha covid, ele não tinha antecedente de febre. O corpo de meu pai saiu direto do hospital para o cemitério. O chato é que muitas pessoas não tiveram oportunidade de se despedir - desabafa o pastor.
BRECHA
A morte da mulher de 96 anos na Unimed é outro exemplo que não está claro no protocolo do Ministério da Saúde. Ela permaneceu mais de 30 dias internada. O diagnóstico inicial confirmou o coronavírus. A equipe médica constatou que ela estava recuperada da covid-19 e, portanto, não ofereceria risco de transmissão. No atestado de óbito, consta o termo "covid curada". Essa informação levou ao entendimento de médicos da Unimed de que o velório poderia transcorrer com o caixão aberto, já que supostamente o contágio estava afastado. A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) não aprovou a decisão.
Convém ressaltar que não há uma regra específica para pacientes recuperados da doença e que venham a óbito por outros motivos. Questionado pela reportagem, o Ministério da Saúde ressaltou que o protocolo é o mesmo para casos suspeitos ou confirmados, sem detalhar orientações para pacientes curados. Mesmo que isso não fique claro, a diretora técnica da Vigilância Sanitária de Caxias do Sul, Tanara Moraes Isotton, diz que a precaução em velórios se estende à idosa.
- Todo óbito suspeito ou confirmado em decorrência da covid-19 terá um funeral de acordo com o protocolo. Se a morte acontece durante a internação inicial por covid e mesmo que o paciente tenha se recuperado do vírus, a regra é o caixão fechado. Se o paciente se recuperar dentro dos critérios estabelecidos, receber alta e vier a morrer em casa por outro motivo, o velório pode seguir os trâmites normais - diz Tanara.
REGRAS
Qual é o protocolo para velórios de casos suspeitos ou confirmados de covid?
Segundo Tanara Isotton, diretora técnica da Vigilância Sanitária de Caxias do Sul, o Ministério da Saúde (MS) não recomenda velórios de pessoas com suspeita ou confirmação de covid-19. Na prática, não há proibição, mas a orientação é encurtar esse momento, manter o caixão fechado, evitar aglomerações e seguir regras rígidas de higiene. O Grupo L Formolo, única empresa que opera os serviços funerários em Caxias, optou por não realizar os velórios de casos suspeitos ou confirmados nas capelas por uma questão preventiva. Em casos de cremação, há uma rápida cerimônia realizada ao ar livre, no lado externo do crematório.
Tanara diz que o MS admite cerimônia de sepultamento em local aberto, com o máximo de 10 pessoas, respeitando a distância mínima de, pelo menos, dois metros entre elas, bem como outras medidas de isolamento social e de etiqueta respiratória. Durante toda a cerimônia, o caixão deve permanecer fechado para evitar qualquer contato com o corpo. Segundo a administração do Cemitério Público Municipal, a despedida em torno da vítima não leva mais do que cinco minutos: o caixão é levado diretamente do carro fúnebre ou do carrinho de transporte para a sepultura _ em situações normais, o tempo passa de 15 minutos e o caixão fica exposto para orações antes do sepultamento.
Segundo Tanara, o protocolo recomenda ainda que seja evitada a permanência de pessoas que pertençam ao grupo de risco nesse momentos: idade igual ou superior a 60 anos, gestantes, lactantes, portadores de doenças crônicas e imunodeprimidos. Além disso a presença de pessoas com sintomas respiratórios e febre também deve ser evitada.
Qual é o protocolo para velórios de casos de pacientes recuperados da covid?
Tanara explica que são considerados recuperados de covid-19, segunda a definição do Ministério da Saúde, casos de pessoas que passaram 14 dias após o início dos sintomas e que estejam assintomáticas por um período superior a 72 horas. Pacientes hospitalizados com covid-19 e que foram a óbito, mas já tinham diagnóstico de recuperado, o funeral deve seguir o mesmo protocolo de um caso confirmado ou suspeito. A exceção é se o paciente se recuperou, recebeu alta hospitalar e estava assintomático por mais de três dias e acaba morrendo por algum outro motivo. Nessa situação, não é necessário adotar o protocolo no funeral.
Quem autoriza e o que deve constar no atestado de óbito para ser permitido o velório? Tem um tempo máximo?
Segundo Tanara, a autorização para liberar um funeral depende do atestado de óbito. Se o médico responsável apontar a covid-19 como causa relacionada da morte, cabe à funerária seguir o protocolo de não realizar velório e manter o caixão fechado. O serviço médico que atestou a morte suspeita ou confirmada de covid-19 é obrigado a comunicar a Vigilância Epidemiológica.
O velório está permitido para óbitos não relacionados com o covid-19. Não há tempo máximo determinado pelo Ministério da Saúde ou pelo Estado. O número de pessoas que podem ter acesso ao velório fica limitado a 30% da capacidade máxima prevista no alvará de funcionamento ou PPCI da capela funerária, conforme decreto municipal 20.952, de 12 de maio de 2020. Em Caxias do Sul, o Grupo L Formolo determinou que os velórios deverão ter, no máximo, quatro horas de duração.
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