— Devemos estar distantes fisicamente, mas próximos de espírito. Dói ter que fazer uma romaria virtual, mas o momento é de cuidar de si e do outro. O Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio, continuará aqui, a Nossa Senhora estará à espera dos seus devotos quando essa pandemia passar.
Esse é o sentimento do padre Gilnei Fronza. No comando do Santuário, em Farroupilha, há sete anos, o sacerdote prepara uma celebração totalmente virtual em razão da pandemia do coronavírus, que entrará para a história da maior festa religiosa da Serra. Dessa vez, a expectativa dos organizadores não é ver a esplanada abarrotada de fiéis e, sim, vazia. Algo muito diferente do que ocorreu em 2019, por exemplo. A cinco dias da festa, Fronza só pensava na recepção aos milhares de fiéis que deixariam suas casas para a peregrinação.
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— O ambiente estaria preparado, as estruturas montadas e a programação concluída. Os 40 ministros da eucaristia estariam à espera do momento da comunhão e os 45 padres em oração, na preparação das missas e recepção dos cristãos que quisessem se confessar depois da caminhada. Os 36 grupos de cantos também estariam prontos — conta o reitor.
No total, 130 mil romeiros passaram pelo Santuário no ano passado, em dois dias. Só no domingo, foram 80 mil. Na missa campal, celebrada às 10h30min, eram cerca de 20 mil pessoas. Se contabilizadas as pré-romarias e outros eventos preparatórios, a organização estima que o número de devotos que visitaram Caravaggio ultrapassou a casa dos 200 mil desde a metade de abril.
Além disso, cerca de 400 pessoas trabalharam nos serviços religiosos, de saúde, alimentação, segurança e limpeza. Com relação à alimentação e à venda das tradicionais lembranças, a prefeitura cadastrou 79 vendedores ambulantes em 2019, que comercializavam desde pastéis, sanduíches e cachorro-quente, até terços e artesanatos. Este ano, não há permissão para venda.
Diante da epidemia, não haverá estrutura, transporte, alimentação, distribuição de água ou banheiros disponíveis. Os serviços de saúde no trajeto ou na esplanada, com o apoio de ambulâncias, médicos, enfermeiros e bombeiros também não existirão. Aliás, as equipes de segurança terão outro papel: orientar os romeiros a não seguir até Caravaggio. Por mais difícil que seja imaginar um 26 de maio com o Santuário vazio, esse é o pedido de Fronza:
— O momento é de serenidade e paciência. É para cultivar a fé como esperança de superarmos esta crise. Não estamos sendo proibidos de demonstrar a nossa fé, mas a pandemia exige. Não é o ideal uma romaria sem a presença física, mas é necessária. Nosso pedido é que evitem vir ao Santuário. Tenho todo o carinho pela nossa devoção porque Nossa Senhora escolheu esse lugar, que foi adotado pela região para demostrar fé. E ele seguirá aqui para os fiéis.
O reitor lembra que a romaria já passou por outros momentos difíceis:
— Em 2017 choveu torrencialmente durante três dias. Nós tivemos poucos devotos, mas com muita intensidade. Em 2018 tivemos uma romaria com a greve dos caminhoneiros. Ano passado, houve uma retomada. Em 2020 temos que cuidar da vida.
Tanto o Santuário Diocesano de Farroupilha, quanto a prefeitura pedem que os fiéis não se dirijam ao local nos próximos dias e nem na data em que tradicionalmente ocorre a procissão. A medida foi tomada em acordo com os órgãos de segurança e saúde. Todos os ritos da 141ª Romaria de Nossa Senhora de Caravaggio só poderão ser acompanhados de forma virtual.
SACRIFÍCIO TAMBÉM É UM ATO DE FÉ
O padre Gilnei Fronza pede aos devotos que costumeiramente faziam o trajeto a pé em cumprimento de promessas, que rezem em casa este ano:
— O santuário é nosso, a nossa casa, podemos adiar esse momento. Fazer o sacrifício de não estar aqui também é um ato de fé. Quem fez promessas, reze conosco pelas mídias sociais. Rezar é respirar pela alma. Vamos fazer um momento de silêncio pelos mortos e refletir sobre a fragilidade da vida e sobre como nossas atitudes interferem na vida dos outros.
Ele pede ainda que os fiéis sejam solidários:
— A fé não é intimista. A solidariedade e a doação também são atos de fé. Ao invés de fazer o caminho façam doações de alimentos a entidades que ajudam os nossos irmãos. Ser cristão também é olhar para o outro — aponta o religioso.
CELEBRAÇÃO SEM CONTATO COM OS FIÉIS
As missas ocorrerão a portas fechadas no sábado, domingo e terça-feira (23, 24 e 26 de maio), sem a presença de público, e serão transmitidas pelas redes sociais. Serão três celebrações diárias, às 8h, 10h30min e 17h. Normalmente, seriam oito.
— Haverá ainda dois momentos de oração durante a tarde e vamos preencher as mídias para o nosso devoto nos acompanhar durante o dia — diz Fronza.
Sobre não estar em frente aos devotos ele conta que o sentimento é diferente mas, mesmo assim, provoca emoção:
— O sentimento que teremos não é aquele que interfere emocionalmente na gente, pois vemos a emoção das pessoas ao rezar, a fé ao tocar a imagem. Mesmo assim, sabemos da responsabilidade de estar diante de milhares de pessoas online. Será uma maneira diferente de rezar.
O investimento em tecnologia no Santuário não ocorreu apenas em função da pandemia. Ele é recorrente, conforme o reitor, nos últimos sete anos.
— As redes favorecem o contato, facilitam a comunicação e nos ajudaram a nos aproximar de fiéis mais jovens. Hoje, nossa faixa etária, que ficava acima dos 60 anos, mudou, e temos devotos a partir dos 35 anos. É um novo tempo, já alcançamos 2 milhões de pessoas nas redes pelas atividades que fomos criando ao longo dos anos. Temos uma presença virtual considerável.
PREJUÍZO INDIRETO AO MUNICÍPIO
O secretário de Turismo e Cultura de Farroupilha, Miguel Ângelo Silveira de Souza, não tem números, mas aponta que há prejuízo indireto ao município com a não realização da romaria de Caravaggio:
— Recebíamos um número muito grande de pessoas de outras cidades da região e esse movimento aquecia as vendas no comércio, nos centros de compra da cidade e restaurantes. De forma indireta, vai haver prejuízo porque Farroupilha deixa de receber esse público.
Mesmo assim, Souza salienta que a cidade fará de tudo para que não ocorram aglomerações neste momento delicado.
— Teremos ações para coibir o acesso tanto a pé, quanto de carro. Vamos colocar barreiras com os policiais e nossos fiscais. Não haverá nenhuma estrutura preparada para recebê-los e nem transporte para voltar para casa. Também pedimos que adiem a oração presencial. Esse momento vai passar — afirma o secretário, salientando que, em anos anteriores, cerca de 100 funcionários da prefeitura cuidavam da infraestrutura da festa, em conjunto com Caxias do Sul.
ACESSOS BLOQUEADOS A PARTIR DE SÁBADO
Os acessos ao Santuário serão bloqueados a partir de sábado, por iniciativa do Ministério Público com apoio do Comando Regional da Brigada Militar e da Polícia Rodoviária Estadual. O promotor de Justiça Ronaldo Lara Resende destaca que somente terão acesso veículos de pessoas que residem no local, previamente cadastrados pelo município. O bloqueio será feito com a colocação de gradis e viaturas policiais.
— Estamos fazendo este alerta para que fiéis não se dirijam à romaria, pois caminhariam por horas para serem bloqueados a dois ou três quilômetros do Santuário — diz o promotor.
No ano passado, em 25 e 26 de maio, 318 policiais militares, 23 viaturas, 15 motocicletas e cinco cavalos estavam à disposição para garantir a segurança no trajeto e entorno do Santuário. Este ano, conforme o comandante do 36º Batalhão de Polícia Militar, major Juliano Amaral, serão 25 policiais trabalhando em pontos de acesso, apoiando as barreiras da prefeitura, que serão colocadas nos Caminhos de Pedra, após São Marcos; Capela de Todos os Santos e Estrada dos Romeiros, após a Unimed.
— Essa será a minha nona romaria do Caravaggio no 36º Batalhão e é a primeira vez na história em que se pede para as pessoas não irem. É algo até contraditório e nosso sentimento é o mesmo dos demais porque sempre atuamos para que cheguem bem. Desta vez, o pedido é para que não se desloquem. Até mesmo os moradores estão apreensivos porque não há casos em Caravaggio e pessoas de fora podem estar contaminadas e propagar o vírus na comunidade — afirma.
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