O isolamento social para combater a propagação do coronavírus tem um reflexo positivo no atendimento infantil. Em Caxias do Sul, o cancelamento das aulas tem reduzido as internações de pacientes pediátricos por doenças respiratórias. No Hospital Geral (HG), de janeiro a maio de 2019, 42% dos atendidos ou internados na ala pediátrica apresentavam doenças respiratórias. Em 2020, no mesmo período, são 24%. Nos plantões pediátricos dos planos de saúde e consultórios médicos, a percepção dos especialistas também é de redução no número de consultas, o que reflete em menos crianças doentes:
— Atendo no consultório, no pronto-atendimento pediátrico de convênios e no Centro Especializado de Saúde (CES), e o número de atendimentos de doenças respiratórias é menor do que em anos anteriores. Essa redução acontece porque as crianças não estão na escola, nas escolinhas, não tem interação com outras crianças e isso reduz as infecções provocadas por vírus. Como elas estão em casa, a chance de ficarem doentes diminuiu. O isolamento evita não apenas o coronavírus, mas o contágio de outros vírus, e eles ficam menos doentes — explica a pneumologista pediátrica, Vanessa Kolpermann.
A pediatra Mara Mendes concorda que, com o isolamento, as crianças têm adoecido menos:
— Com as escolinhas fechadas, as nossas crianças vão ficar muito menos doentes neste inverno, porque estão em casa, isoladas, e longe de outras crianças. Elas vão ter mais contatos com os pais, e menos com outras crianças doentes, assim os vírus circulam menos.
CUIDADOS E VACINAS
Mesmo que as crianças estejam em casa, a queda na temperatura e os hábitos familiares precisam ser observados para preservar a saúde dos pequenos. Com o frio, o número de doenças respiratórias aumenta significativamente. Isso porque, quando esfria, as pessoas passam mais tempo em ambientes fechados, com pouca circulação de ar. Vanessa orienta os pais a manterem cuidados que podem prevenir as doenças:
— Tem toda a questão da higiene, como lavar as mãos e o nariz, cuidar para que eles não coloquem as mãozinhas na boca. É preciso evitar ambientes de aglomeração, não deixar a criança ter contato com outra criança ou adulto que esteja doente, manter uma alimentação saudável, hidratados, com circulação de ar no ambiente e evitar o tabagismo domiciliar — diz ela.
As doenças respiratórias que mais afetam as crianças na região serrana são rinite, asma, resfriados, gripes, laringites e pneumonias. Mara lembra que essas doenças interferem diretamente na rotina da família. Ela alerta que, mesmo em casa, há certos cuidados para evitar quadros virais:
— Com o isolamento, os pais que fumam têm de evitar fumar dentro de casa ou perto das crianças. Com a chegada dos dias mais frios é preciso deixar a criança aquecida, evitar acúmulo de sujeira. Os tapetes e cortinas também acumulam ácaros, então tem que deixar o ar circular e manter a limpeza desses locais. Quem tem lareira precisa redobrar os cuidados porque a fumaça pode atacar a asma.
As especialistas também alertam para a necessidade das vacinas:
— É preciso mantê-las em dia, tem que estar atento ao calendário. As crianças e os familiares precisam fazer a vacina contra a H1N1. Isso é muito importante para evitar quadros graves e ser necessária a internação. Nesse caso, as crianças podem entrar em contato com o coronavírus e agravar o estado de saúde — diz a pneumologista.
Situação é diferente nas UPAs e UBSs
Se os casos de internações diminuíram no Hospital Geral (HG) e em clínicas particulares, o mesmo não se pode dizer das unidades de pronto-atendimento (UPAs) e unidades básicas de saúde (UBSs), que viram o número de crianças com problemas respiratórios aumentarem.
Conforme a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), de janeiro a abril do ano passado foram realizadas 35.152 consultas pediátricas, sendo que 20 crianças apresentavam casos de infecção aguda no aparelho respiratório e outras 30 tinham quadro gripal. Este ano, foram 25.037 atendimentos, sendo que 130 tiveram diagnóstico de infecção aguda e 71 estavam com gripe.
De acordo com a secretaria, esse números aumentaram porque em 2020, em decorrência da pandemia da covid-19, passou a ser obrigatório pelo Ministério da Saúde notificar os casos de síndrome gripal.
QUANDO PROCURAR ATENDIMENTO
Durante a epidemia, uma das questões que aflige os pais é sobre ir ou não a um pronto-atendimento ou hospital em busca de consulta. A orientação é contatar o pediatra da criança e, caso não seja possível, observar os sintomas apresentados.
— É importante avaliar os sintomas e saber diferenciar um resfriado de uma gripe. Essa avaliação ajuda. Se a criança estiver com febre insistente, acompanhada de dor de cabeça, na nuca, na região do tórax, falta de ar e vômitos, tem que ser levada para o plantão. Se estiver comendo normalmente, brincando, com febre mas sem outros sintomas, tentar avaliar com o pediatra — frisa Vanessa.
Mara concorda:
— O momento de levar para o hospital é quando a criança estiver com febre persistente, sinais de gripe, lesões de pele e, principalmente, falta de ar. Reitero: evite levar a criança para um hospital sem necessidade. Se for só sintoma gripal, crise de asma, bronquite ou rinite, você corre o risco da criança pode pegar outro "bichinho", até o coronavírus, em um hospital. Tem que ter muito cuidado.
MÃES COMEMORAM "AJUDA" DO DISTANCIAMENTO
Valentina Dutra, três anos e Vitória dos Santos Gattermann, quatro, não se conhecem, mas tem algo em comum: doenças respiratórias. Com a chegada dos dias mais frios em Caxias do Sul, a situação piora e o quadro de saúde das meninas se agrava. Sem ir à escolinha, nenhuma delas ficou doente, o que seria comum nesta época do ano devido à queda nas temperaturas.
Mãe de Valentina, a técnica de enfermagem e acadêmica de Serviço Social Roselaina Dutra, 42 anos, conta que a filha nasceu prematura.
— Eu a mantive em casa até um ano e meio, e depois precisei voltar a trabalhar. Durante o tempo em que ela esteve na escolinha foram inúmeras infecções respiratórias entre asma, bronquites, bronquiolites, laringites, uso de antibióticos, antialérgico, broncodilatadores, bombinha e vacinas. Ela faz acompanhamento com pediatra e pneumologista e fazia todos os meses testes com bombinhas, e nada ajudava a melhorar — afirma.
Com as medidas de restrição, sem sair de casa, Valentina não precisou mais de atendimento de urgência e emergência:
— Com o isolamento, ela não ficou mais doente. Levemente tem uma tosse e mais nada. E ela não precisou mais ir para o plantão. Faço o uso de uma das bombinhas por prevenção. Então, o isolamento teve um lado bom.
O pai de Valentina, Márcio Dutra, 49, e as filhas Luana, 23, e Sabrina, 20, também trabalham na área de saúde. Com a pandemia, mesmo que a menina esteja mais saudável, a família enfrentou novos desafios: o preconceito.
— Meu marido e eu estamos em dois empregos e tivemos que reorganizar nossa rotina. A Sabrina cuida da bebê, pois não encontrei ninguém que ficasse com ela. Encontramos muita resistência por parte das pessoas por receio de contágio. É uma situação grave, que tem sido enfrentada pelas mães que trabalham com saúde: todos têm medo de cuidar dos nossos filhos e serem contaminados — desabafa Roselaina.
VITÓRIA NÃO PRECISOU INTERNAÇÃO
A pequena Vitória e a gêmea Natalie estão em casa devido à pandemia. No caso de Vitória, o isolamento também fez bem já que, ao contrário dos outros anos, ela não precisou de atendimento ou internação hospitalar em 2020.
— Assim que elas nasceram, a Vitória precisou de oxigênio. A Natalie é saudável, mas a Vitória tem problemas respiratórios. Ela fica doente com frequência. E quando começa a esfriar ela tem as crises, gripes e pneumonia. No ano passado, foi internada duas vezes no ano com pneumonia. Sem ir para a escolinha, não precisou ir ao plantão, hospital, nada. Ficou em casa e não ficou mais doente. Para a saúde da minha filha, o isolamento fez bem _ conta a mãe das meninas, Cassandra dos Santos, 24.