A automedicação, prática veementemente contraindicada por especialistas da área da Saúde, sempre foi uma preocupação para os conselhos de Farmácia de todo o Brasil. O resultado de um estudo feito pela consultoria IQVIA — a pedido dos conselhos — aumentou ainda mais esta preocupação, tendo em vista o significativo aumento apontado nas vendas de medicamentos que vem sendo relacionados à covid-19, embora não tenham eficácia cientificamente comprovada.
O estudo, que compara as vendas de janeiro a março de 2019 com o mesmo período de 2020, mostra expressivo aumento na procura por vitamina C ou ácido ascórbico, que teve propagado o seu "efeito preventivo" contra o novo coronavírus em fake news. Também foi verificado um crescimento no consumo da vitamina D ou colecalciferol, bem como da hidroxicloroquina sulfato, que, assim como a cloroquina, vem sendo utilizada em protocolos clínicos de combate à covid-19.
Ontem, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a administração do remédio e sugeriu uma possível alteração no protocolo do Ministério da Saúde, que atualmente prevê o tratamento com a substância apenas em casos mais graves. Ainda na terça-feira, porém, o próprio ministro da Saúde, Nelson Teich, havia alertado que a cloroquina apresenta efeitos colaterais e que a prescrição deve ser feita em comum acordo entre paciente e médico. Um dos principais efeitos colaterais do remédio são complicações cardíacas.
Outros medicamentos que não exigem prescrição médica e que podem ser indicados para amenizar os sintomas leves da covid-19 também registraram aumento nas vendas. No caso do Ibuprofeno, as vendas caíram, provavelmente porque o medicamento, por um breve período, foi relacionado ao agravamento de casos da doença.
O resultado do levantamento reiterou a importância de ações, como a Semana do Uso Racional de Medicamentos, evento anualmente promovido pelo Conselho Regional de Farmácia do Rio Grande do Sul (CRF/RS). Este ano, a ação ocorreu de 5 a 11 de maio, reforçando o recado "não entre em pânico e antes de usar qualquer medicamento, consulte o farmacêutico". De acordo com o CRF, todos os medicamentos oferecem riscos, mesmo os isentos de prescrição, que podem causar danos, especialmente se forem usados sem indicação ou orientação profissional.
— Nós, farmacêuticos, atuamos diretamente no trabalho diário combatendo a disseminação da doença e orientando a população quanto ao uso racional de medicamentos — afirma a presidente do CRF/RS, Silvana Furquim.
Cuidado com os efeitos colaterais
De acordo com o CRF/RS, dependendo da dose, o paracetamol pode causar hepatite tóxica. A dipirona oferece risco de choque anafilático e o ibuprofeno é relacionado a tonturas e visão turva. Já o uso prolongado da vitamina C pode causar diarreias, cólicas, dores abdominais e dores de cabeça. E, com a ingestão excessiva de vitamina D, o cálcio pode depositar-se nos rins e até causar lesões permanentes.
Ainda segundo o Conselho, os riscos são mais graves em relação a hidroxicloroquina, medicamento indicado para tratar doenças como o lúpus eritematoso. Da mesma forma que a cloroquina (indicada para a malária, porém disponibilizada apenas na rede pública), a hidroxicloroquina pode causar problemas de visão, convulsões, insônia, diarreias, vômitos, alergias graves, arritmias (coração batendo com ritmo anormal) e até parada cardíaca.