L.R. (identidade preservada) integra as impressionantes estatísticas da violência doméstica em Caxias do Sul. Nove casos por dia são registrados na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam) . No semestre, foram mais de 1,6 mil, 14% a mais que o mesmo período de 2018. Confira o depoimento.
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"Achei que fosse morrer"
" Conheci meu ex-marido quando aluguei a casa dele. Acabamos nos envolvendo, engravidei e fomos morar juntos. Foi quando aconteceu a primeira agressão. Minha filha (de outra relação) tentou me defender e acabou apanhando também. Consegui chamar a polícia e ele foi preso em flagrante. Mas foi solto em seguida.
No final da gravidez, ele voltou se dizendo apaixonado. Prometeu que iria à igreja, não beberia mais e nunca mais me bateria. Acreditei. Quando a bebê nasceu, voltou a ser agressivo, mas não chegava a me bater. Um dia, bêbado, brigou com o filho dele. O filho revidou e o atingiu com uma facada no braço.
Levei ele para a UPA e até dava banho nele. Durante a recuperação, ele teve novo acesso de fúria, discutimos e fui dormir no sofá. Ele chegou, grudou nos meus cabelos e não soltava. Mandei ele embora. Meses depois veio com a mesma conversa de que estava arrependido e acabei caído, novamente, na dele. Chegou a chorar e dizer que queria mudar de vida.
Não durou muito e as agressões voltaram. Desta vez fui mais rápida e fechei a porta da casa. Ele deu um soco no vidro, cortou a mão e rompeu o tendão. Chorando, pediu para não abandoná-lo. Voltou a jurar que não beberia mais. E eu, voltei a dar crédito.
Algumas semanas depois fui morar na casa dele. Voltou a beber e passou uma noite fora de casa. Na manhã seguinte, bêbado, tentou me bater. Fugi com as crianças – cheguei a cair com a bebê de cinco meses nos braços. Dias depois me ligou bem alterado dizendo que não poderia pegar as minhas coisas na casa. Estava na praça com as crianças e o ameacei, dizendo que contaria para sua nova namorada que teria beijado minha filha de 15 anos.
Ele ficou louco e foi até o parque para me dar uma surra. Mas os guardas não permitiram. Voltei para casa e ele foi atrás. Em poucos minutos já estava me batendo, chutando meu rosto e me arrastando pelos cabelos. Estava dando a mamadeira para a menina..... meus filhos chorando, desesperados com a cena. Apaguei!
Acordei com minha enteada me dando água. Vi meu filho ajoelhado ao meu lado, chorando... me arrastei até uma vizinha para pedir ajuda. Neste momento percebi que tinha urinado nas calças. A polícia me buscou e me levou para a UPA e de lá para o Hospital Pompéia, com a face fraturada. Eu só queria morrer!
Lembro que, antes de desmaiar, o Valmir me disse: “Suma de Caxias”. Foi o que fiz. Abandonei tudo o que tinha, saí do Estado e tentei reinventar minha vida para me manter viva. A Marcha Mundial das Mulheres fez uma vaquinha e consegui fugir. Ele continua lá (em Caxias) livre, usando um carro em meu nome e o banco me cobrando as prestações. Meus filhos ficaram traumatizados. No meu caso, Justiça não teve.
Há pouco tempo resolvi publicar minha história no projeto Viver Maria para que outras mulheres tentem não passar pelo que passei.
Hoje, agradeço a Deus por estar viva. De certa forma, minha vida acabou. A dor física passou, mas a da alma, não.
L.R.