Uma pitada de carinho, duas doses de amor, uma xícara de tranquilidade e uma porção de sorrisos. Junte a isso 12 pares de olhos brilhando e acompanhando, atentamente, cada movimento dos chefs de cozinha. Curiosos e disciplinados, Enzo Mattana, 12 anos, Heitor Fachinelli Deschamps, 14, Marina Tonin Bonatto, 26, Matheus Fiorio Generosi, 34, Diego Ismael Lins, 38, e Leonardo Jardim Machado, 39, prestavam atenção a cada detalhe, desde a separação dos ingrediente até o ponto certo do brigadeiro feito na aula de culinária Downchefs – Vivendo Amores Especiais.
A ansiedade seguiu durante a segunda receita, uma massa com molho branco. Atentos aos ensinamentos do chef Rafael Traiber, os aprendizes não escondiam a animação quando eram chamados para misturar a farinha de trigo, a manteiga e o leite para não perder nenhuma informação repassada pelo professor.
O projeto vai ensinar receitas a 22 alunos com Síndrome de Down. Eles têm entre 10 e 49 anos e frequentam a Comunidade Down de Caxias do Sul. A ideia de promover aulas para esse público foi criada por Rafael e Kaká Cassol em uma conversa entre amigos. Os chefs Guilherme Guarnieri e Patrícia Boschetti também se uniram ao curso, e os quatro vão dividir conhecimento e experiências com os alunos até novembro.
As aulas começam oficialmente no próximo sábado (13), mas o teste ocorreu na segunda-feira (08), no Espaço Gourmet cedido pelo Sindicato de Hotelaria e Gastronomia de Caxias. O encontro foi recheado de entusiasmo e disciplina.
“Estou muito feliz com a aula”, conta Marina
Marina era uma das mais atentas durante a aula.
– Adoro cozinhar. Estou feliz com a aula. Em casa ajudo a minha mãe. Sei fazer pizza, pão de queijo e torta de bolacha – contava, sorridente.
Heitor provou a massa assim que o chef liberou o prato que ajudou a fazer:
– Hum... Está muito bom!
O menino, que personificou o mascote da entidade, o Super XXI, criado para aproximar e integrar crianças e adolescentes, ao visitar escolas de Caxias, não escondeu a realização com o preparo.
– Estou gostando de aprender a misturar os ingredientes. Em casa, ajudo a pegar os alimentos, arrumar a mesa, lavar a louça, guardar e fazer o café – disse, sorrindo.
A mãe de Heitor, Fabiana Zanela Fachinelli, não escondia o orgulho ao ver o filho aprendendo.
– Ele faz o próprio lanche e arruma o quarto. Iniciativas como essa mostram a todos que eles podem aprender e fazer tudo – exemplificou.
Sorriso no rosto também é uma das características de Enzo.
– Quero aprender a fazer pizza de calabresa que é a minha preferida. Uso os garfos e facas com cuidado e sei lavar a louça.
Enquanto ele aprendia a cozinhar, mandava beijos para a mãe, Tatiana Piccolli Mattana:
– Essa ideia é fantástica para que ele tenha mais autonomia. Com o tempo as dificuldades aumentam e é preciso vencer essas etapas. O Enzo está empolgado. Se vira sozinho, mas diante do fogão demonstra insegurança, que irá perder com as aulas. O curso é um passo para buscar a igualdade.
Para a presidente da Comunidade Down de Caxias, Tânia Rocha, permitir que eles cozinhem é uma oportunidade de mostrarem seu potencial.
“Muito mais do que ensinar, aprendemos muito”
A ideia não poderia surgir em outro lugar que não fosse a cozinha. Entre as panelas, os amigos Kaká e Rafael pensaram em proporcionar experiências a alunos com Síndrome de Down. Em menos de um mês, o projeto saiu do papel. Separar os ingredientes, sovar a massa, mexer o molho na panela e provar para ver se está bom. Cada etapa é realizada com muito cuidado .
Pensando nesse carinho que os chefs têm ao cozinhar, os amigos pensaram em dividir experiências gastronômicas:
– Gosto de ensinar e compartilhar conhecimento. Todos sabem que para criar receitas e colocar a mão na massa é preciso amor. Cozinhar é um ato de amor. Pensamos em dividir essas experiências com pessoas mais que especiais, Muito mais do que ensinar vamos aprender muito com eles:
O encerramento do projeto será emocionante, antecipa o chef:
– É quando os aprendizes vão trocar os aventais pelo tão esperado dolmã, que é o símbolo de ser um chef – conta.
Como ajudar
Mesmo com inúmeras parcerias, o projeto ainda precisa de apoiadores para doações de ingredientes e insumos. Quem quiser ajudar pode entrar em contato pelo telefone (54) 98419-6701 ou acessar o link vakinha.com.br/vaquinha/616282. As doações serão usadas para que o Downchefs - Vivendo Amores Especiais possa ter continuidade e contemplar novas turmas. A comunidade também pode doar ingredientes para o projeto.
Cromossomo do Amor
A síndrome de Down é causada pela presença de três cromossomos 21 em todas ou na maior parte das células de um indivíduo. Tal condição genética acontece na hora da concepção de uma criança. As pessoas com síndrome de Down, ou trissomia do cromossomo 21, têm 47 cromossomos em suas células em vez de 46, como a maior parte da população. Eles têm algumas características físicas e comportamentais semelhantes e, geralmente, são muito afetuosos, por isso as pessoas fazem uma analogia do cromossomo a uma porção extra de amor, e identificam a síndrome como o Cromossomo do Amor.