Antônio Pedrosa da Silva, 46 anos, perdeu o emprego e o salário há três meses. Nada nunca foi fácil, mas ficou ainda pior. Sem reservas financeiras, vive a amarga experiência da penúria e da incerteza. É um baque para o pai de quatro filhos.
Silva é um dos nomes na extensa lista de pessoas que sobrevivem com R$ 3 por dia ou menos em Caxias do Sul. Neste ano, a quantidade de caxienses na extrema pobreza chegou a patamares alarmantes.
Conforme o Cadastro Único, 6.381 famílias vivem com até R$ 89 mensais per capita (limite que define a extrema pobreza no Brasil) ou sequer têm algum tipo de renda. É o maior número dos últimos anos. Considerando que uma família tem em média três pessoas, segundo estimativas do IBGE, seriam cerca de 20 mil pessoas sem condições de comprar o básico no mercado do bairro. O cenário atual é herança da crise que começou em 2015 e culminou com o fechamento de 25 mil postos de trabalho em Caxias. Como a economia não tem sinais de uma retomada encorpada, muita gente não vislumbra boas perspectivas.
Confira na sexta-feira:
Alexandra e Luiz explicam por que famílias precisam de apoio externo para superar pobreza e os números da miséria
Para uma família pobre, perder o salário fixo equivale a receber a sentença do desespero. Foi que aconteceu com Silva. Até o início do ano, a renda dele somada ao Bolsa Família recebido pela esposa Adriele Eva de Souza, 31, era de pouco mais de R$ 1,5 mil. Como são dois adultos e quatro crianças na moradia, o rendimento por pessoa era de R$ 258, pouco acima da linha da pobreza. Dava para viver sem muitos sobressaltos.
A aflição começou a partir do momento em que Silva perdeu o emprego de operador de injetora, função exercida durante nove meses. Antes disso, trabalhava como auxiliar de limpeza num shopping. O desligamento do último emprego ocorreu logo após a morte do pai.
— Fiquei cinco dias sem trabalhar. Quando voltei, fui demitido — conta Antônio.
Nos últimos três meses, a renda desabou para R$ 253, valor do Bolsa Família. Silva desceu para a linha da extrema pobreza, onde estão as pessoas com rendimento de até R$ 3 por dia. Mas a situação dele é ainda pior, uma vez que cada morador da casa tem R$ 1,40 garantidos por dia. Juntando tudo, daria para comprar um quilo de pão e um litro de leite, mas ninguém vive apenas de pão e leite. É por isso que os R$ 1,3 mil faltantes, relativos ao salário de Silva, provocaram um impacto daqueles.
Embora o caso ainda possa ser enquadrado como uma situação temporal, a família passou a depender da cesta básica da igreja. Menos pior que Silva e Adriele não precisam pagar aluguel da moradia simples assentada em área irregular no loteamento Mariani. O casal deixou de ser consumidor e passou a depender da ajuda externa.
— Pegamos o acerto (da rescisão de contrato de Silva) para pagar as contas — revela Adriele.
Quem visse a família colocando forro na moradia semana passada poderia até pensar que havia dinheiro sobrando, mas o material era de doação — o telhado havia sido danificado no temporal de granizo de abril.
O casal está cortando a aquisição de coisas que agora parecem supérfluas, como roupas e produtos de limpeza. Tudo para que a comida não falte.
O dinheiro do Bolsa Família é usado essencialmente para alimentos que não vêm na cesta básica. Dívidas estão ficando para trás.
— A gente está largando currículo e aguardando aparecer uma vaga. Posso trabalhar com qualquer coisa, como auxiliar, por exemplo — apela o homem.
Silva não dorme direito há semanas. Torce para que não seja necessário vender os poucos bens da família e que tudo não passe de um drama temporário.
No limite, Raquel buscou ajuda da assistência
Dois anos é mais ou menos o tempo em que Raquel Cristiane Manthey não entra numa loja para comprar coisas para si e para a família. Não é imprescindível, mas para alguém que até pouco tempo tinha dinheiro para almoçar em restaurantes, a vida deu uma volta grande. Semana passada, Raquel bateu no próprio limite e buscou ajuda no Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), no Centro. Faria uma entrevista para ganhar orientação, uma luz diante da adversidade.
— Estou aqui para conversar com a assistente social, para conseguir, quem sabe, uma oportunidade, uma recolocação, alguma coisa, estou me dispondo a isso — prontificou-se.
Aos 38 anos, Raquel passa por um período sufocante. Tem garantido somente os R$ 130 do Bolsa Família e o marido, por ter sequelas de saúde, não pode trabalhar com serviço pesado ou com marcenaria, sua profissão. Os dois estão desempregados.
Quando olha para trás, ela lembra da vida relativamente boa. O último trabalho com carteira assinada foi como monitora de estacionamento. Vive de vagas temporárias e essas oportunidades são cada vez mais escassas. Raquel trabalhou na bilheteria da última Festa da Uva, e depois foi promotora de vendas por alguns dias na Páscoa. Já são três anos em busca de emprego fixo. O nascimento prematuro da filha complicou a rotina. A criança ficou 41 dias no hospital no ano passado. Raquel sequer podia ir atrás de trabalho. A saúde da menina, felizmente, melhorou.
— O que barra muito é: tem com quem deixar a nenê? Ela vai para a escolinha? É sempre a mesma situação, às vezes desisto, me desanimo. Não é nem por mim ou pelo esposo, mas pela minha bebê. Sabe que ontem (segunda, 20) levamos numa pediatra. Ela está com dermatite atópica, com a pele toda áspera, agora tem que comprar um creme especial. Vai tirar da onde o dinheiro? — questiona Raquel.
Recentemente, a mulher passou no vestibular para Pedagogia e para Publicidade e Propaganda em duas instituições diferentes, mas cursar faculdade é sonho distante. Ao avaliar sua situação, ela tem a percepção que as pessoas deixaram de lado o conforto para manter o que é estritamente necessário.
— Hoje em dia, não vejo conforto. Aliás, é muito desconfortável por estar pedindo favor aqui e ali — desabafa Raquel.
"Queria ter minhas coisas de volta"
De repente aquele velho jeans que já não agradava mais começou a fazer uma falta danada na vida de Milene da Silva Bolz, 37 anos. Não apenas o jeans, mas também a TV, a geladeira, o fogão, a cama, o sofá, o colchão e muitos outros bens acumulados ao longo dos anos vividos numa área ocupada irregularmente no loteamento Vila Amélia. O patrimônio de coisas simples evaporou num incêndio na metade de abril. Milene se viu ainda mais pobre, sem casa e absolutamente nada para chamar de seu. Foi a vida mais uma vez exigindo a todo momento uma superação, mas não precisava tanto.
— Eu reclamava da minha casa, mas depois que tu perde... queria muito poder usar a minha velha calça — lamenta a mulher, mãe de três filhos.
Milene já foi vigilante, mas está fora do mercado formal de trabalho desde 2015. Vive de biscates e da venda de pingentes religiosos em rodeios e romarias como a de Caravaggio. A única renda fixa é o benefício de R$ 253 do Bolsa Família. É muito pouco dinheiro para dar conta dos três filhos que moram com ela, mas quando nem sempre se consegue garantir um prato de comida todos os dias, o recurso do governo vira uma fortuna.
O golpe fatal foi perder a casa que, mesmo com goteiras surgidas após uma tempestade de granizo em abril e outras precariedades, era o recanto seguro da família. O fogo também levou as peças do forro que a mulher havia comprado para melhorar a moradia — dinheiro que veio da venda dos pingentes. Desde que a casa de madeira virou escombros na faixa de terra que antes formava o caminho da velha ferrovia no Vila Amélia, Milene e os filhos passaram a morar de favor na casa da amiga Janaína de Souza Maciel, 33, em outro bairro.
— Enfrentei dificuldades uma vez e por isso ajudo — revela Janaína, que cedeu o quarto da filha mais velha para a família.
Ter teto provisório é essencial, mas a solução seria a conquista de um posto de trabalho. Éric, um ano, deveria estar tomando leite em pó, adequado para bebês, e não o leite de caixinha que a renda permite comprar.
— Dá um desespero, sabe? — revela Milene.
Quando concedeu entrevista ao Pioneiro no dia 14 de maio, a mulher carregava o bebê no colo. O menino protegia os pezinhos com uma velha meia doada por alguém. Ele e os irmãos perderam tudo, afinal. A rede de solidariedade, embora tímida, vai reconstruindo aos poucos a vida de Milene e seus filhos. Marlene Maria Andreazza, da Pastoral da Criança, conseguiu um fogão e roupas. Recentemente, a família foi contemplada com aluguel social, que valerá a partir de julho.
Milene, por enquanto, segue na fila dos sem salários, dos sem carteira assinada. Bom seria não depender da ajuda de outros.
Leia também
Ministro da Saúde diz que doses contra a gripe estarão disponíveis para toda a população a partir de segunda
Dia da Liberdade de Impostos movimenta lojas no Iguatemi Caxias