Professora de inglês e estudante de Comércio Internacional, Manuela Moraes, 25 anos, passou quase toda a vida toda sofrendo, chorando e sem entender por que não conseguia aprender matemática. Recebeu conselhos dos mais variados na infância e na adolescência, e o mais comum era de que precisava se esforçar um pouco mais. As coisas só começaram a mudar quando ingressou na faculdade. Descobriu, após um diagnóstico, que sofria de discalculia, transtorno de aprendizagem que impede a assimilação de conceitos relacionados a números e raciocínios lógicos.
Se o problema tornou-se uma certeza, Manuela tinha outros desafios: concluir um curso que exige matemática no dia a dia e explicar para colegas ou professores das ciências exatas que não consegue calcular.
A estudante apelou para a criatividade e criou um livreto. A ideia é simples, mas com resultados significativos na rotina dela, de colegas e professores na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Em sete páginas, Manuela detalha o significado da discalculia e traz dicas de como o docente e a instituição podem se adaptar às limitações dela. A cada início de semestre, ela apresenta a cartilha para o professor e, assim, vem conseguindo superar boa parte parte do constrangimento sofrido desde a infância. As barreiras continuam, pois nem todos entendem ou estão preparados para lidar com a discalculia, mas essa é uma daquelas ideias que podem inspirar pessoas com dificuldades de inclusão.
Manuela diz que os números não funcionam para ela e, por isso, é necessário traçar outra estratégia de aprendizagem. Quem tem discalculia não calcula, então, a inclusão acontece quando o aluno passa a compreender os conceitos. Manuela, por exemplo, não consegue estabelecer juros compostos, mas sabe a diferença entre os sistemas SAC e Price. Para quem tem transtorno de aprendizagem, esses e outros conceitos são a diferença entre o isolamento em sala e se sentir parte do ambiente. Ao invés de fazer cálculos, ela redige textos que lhe ajudam a saber a origem do número, de onde saiu, para onde vai e o resultado. Os professores, por sua vez, aplicam provas diferentes dos demais alunos. A adaptação tem permitido que a estudante prossiga no curso com mais conforto.
A reviravolta na rotina de Manuela começou há dois anos. Ela conta que viu a grade curricular de Comércio Internacional e as várias disciplinas com cálculos. Achou que poderia "sobreviver" aos anos de estudo, mas o tormento vivido na escola ressurgiu. Aconselhada, procurou o Programa de Integração e Mediação do Acadêmico (Pima), onde foram detectados indícios de que ela poderia ter dislexia da matemática. Após consultas com psicólogos e psicopedagogos, foi constatada a discalculia.
— Enquanto professora, sei que nas universidades (cursos de licenciatura) os professores em formação não têm uma disciplina específica que dedique-se a falar sobre inclusão, portanto, sabia que meus professores muito provavelmente não tinham esse conhecimento. Então, tive que fazer minha inclusão — conta Manuela.
"Sei que não posso calcular, mas eu estou sendo incluída"
Ficou claro que Manuela, após avaliação, se expressa bem e consegue explicar o que é discalculia. Como professora, tem o conhecimento didático para detalhar como o aprendizado acontece. Ao perceber essas vantagens, apontadas em conversas com sua psicóloga Caroline Schmmit, que é deficiente visual, surgiu a inspiração para a cartilha. Ela começou a ler artigos científicos e estudar sobre transtorno de aprendizagem. Com mais conhecimento, elencou os pontos que achava fundamental para a sua inclusão e para que o professor soubesse com quem estava lidando. Além disso, evitaria que em todo semestre tivesse que falar as mesmas coisas para professores diferentes.
A estudante lembra que alguns ainda professores não conseguem assimilar como alguém não entende matemática. Contudo, Manuela faz questão de ressaltar que há uma grande diferença entre dificuldade de aprendizagem e transtorno de aprendizagem. A dificuldade, por exemplo, pode ser superada com material extra, aulas de reforço e explicação diferenciada. Já o transtorno tem a ver com um desequilibro bioquímico no cérebro, portanto, a pessoa simplesmente é assim.
— Neste semestre, estou cursando uma cadeira que é puramente matemática, o professor regente foi maravilhoso: ele me chamou para uma reunião, acertamos como eu seria avaliada e sou cobrada pela conceituação do que é trabalhado em aula. O professor solicita resumos, mapas conceituais, ele pede que eu relacione o conteúdo com meu dia a dia e isso se torna aprendizagem significativa, pois não sou forçada a me encaixar, o professor permite que eu aprenda do meu jeito. Eu sei que não posso calcular, mas eu estou sendo incluída neste ambiente e isso é ótimo — descreve Manuela.
Manuela iniciará uma pós-graduação em 2020 na área de psicopedagogia. A intenção é ajudar estudantes, pais e professores a lidarem com isso.
— Já escutei de diversos colegas dizendo "Não há o que fazer com aquele aluno. Ele não aprende", mas será mesmo? — questiona.
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