A série traz informações sobre os gastos do Executivo e do Legislativo. O objetivo é acompanhar os investimentos, as despesas e seus desdobramentos, além de estabelecer comparativos para que o cidadão acompanhe melhor como os gestores empregam recursos públicos
Quase R$ 1 bilhão serão retirados nos próximos cinco anos do caixa único da administração direta e indireta do município para amortizar o déficit da previdência dos servidores municipais. A exemplo da previdência do setor privado, a fonte dos recursos é a mesma que financia a educação, a saúde, as obras públicas e os demais gastos do Executivo e Legislativo.
O aporte está previsto em lei e aponta o tamanho do desafio para garantir a estabilidade do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) do município, nada muito diferente do que ocorre em diversas administrações pelo país e que embala as discussões a favor da reforma previdenciária. A diferença é que Caxias lidera a lista dos municípios com os maiores passivos do Rio Grande do Sul. Hoje, há uma proporção de 1,74 servidores ativos para cada aposentado ou pensionista recebendo o benefício de direito.
Até início de 2018, o déficit atuarial acumulado era R$ 3,38 bilhões, segundo a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs). O Demonstrativo de Resultado de Avaliação Atuarial (DRAA), atualizado recentemente, mostra que a dívida caxiense aumentou para R$ 3,67 bilhões. O déficit atuarial representa o prejuízo que o plano de previdência pode ter nos próximos anos quando as despesas são maiores do que as receitas.
A amortização da dívida bilionária vem ocorrendo desde 2014, com a aplicação de recursos do tesouro municipal no fundo previdenciário, conforme determina a legislação. Na prática, a prefeitura, o Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae), a Fundação de Assistência Social (FAS) e a Câmara de Vereadores usam dinheiro extra para complementar os proventos de aposentados e pensionistas, recurso administrado pelo Instituto de Previdência e Assistência Municipal (Ipam). O próprio Ipam também adota a regra determinada pela legislação e redireciona a verba de contribuição suplementar patronal.
Mantido o ritmo atual, com mais aposentados ingressando na fileira dos benefícios, tanto a previdência quanto o investimento em políticas públicas ficariam comprometidos.
Numa projeção mais ampla, o município precisará aplicar R$ 2,24 bilhões no setor em até 10 anos, conforme estimativas do Ipam. É como se a administração interrompesse durante um ano todos os investimentos e pagamentos de funcionários, fornecedores e serviços para amortizar a conta.
O impacto já está sendo sentido em 2019. A administração será obrigada a injetar até o final do dezembro 54,3% a mais de recursos para amortizar o déficit – o montante estimado é de R$ 129,8 milhões.
– Quando se analisa os dados com base nos diversos documentos emitidos pelo Ipam e pelos diversos entes patronais do município, se visualiza cada vez mais inativos que recebem proventos cada vez maiores e longevos. E essas pessoas que estão na inatividade, não conseguem encontrar nos servidores ativos uma arrecadação suficiente para equilibrar o sistema previdenciário – admite o presidente do Ipam, André Francisco Wiethaus.
O RPPS de Caxias do Sul possui certificado de regularidade previdenciária concedido pelo Ministério da Economia em janeiro de 2019, pois obedece a legislação e as normas de gestão previdenciárias.
Por que será necessário mais dinheiro público
Em 2014, foi publicada lei municipal que estabeleceu as fontes dos recursos do Fundo de Aposentadoria e Pensão do Servidor (Faps).
Um dos itens autorizou a arrecadação de contribuição suplementar, instituída como plano para amortizar o déficit atuarial, uma vez que a contribuição dos servidores e dos entes patronais é insuficiente. A conta é realizada da seguinte maneira: soma-se todos os salários dos servidores da ativa e os benefícios dos aposentados pagos num mês e aplica-se um percentual definido pela legislação. O valor desse percentual é encaminhado para o fundo. A regra foi adotada diante de um passivo gigantesco.
– A maioria dos municípios não tem déficit financeiro, que é o que se arrecada e se paga no ano. O passivo atuarial é o que o servidor arrecada e lança no fundo, o município arrecada e lança no fundo, mas a provisão não fecha, não é suficiente para pagar futuramente a aposentadoria. Hoje, está equilibrado, mas esse controle é com base no cálculo atuarial, com base na amortização que ocorreu a partir de 2014. Mas tem o crescimento das aposentadorias – alerta Elisângela Hesse, assessora jurídica da Famurs.
Aparentemente, o sistema previdenciário municipal segue dentro da normalidade, mas os números acendem o alerta. Em 2018, o Faps obteve uma receita de R$ 262,7 milhões perante a uma despesa de R$ 271,3 milhões gerada pelos proventos de aposentados, pensionistas e demais benefícios e gastos administrativos. O déficit financeiro ficou em R$ 8,6 milhões, valor coberto pela reserva que o Ipam mantém aplicado no mercado financeiro.
Os dados relativos a 2017 e 2018 mostram que a contribuição dos servidores, inativos e pensionistas foi suficiente apenas para cobrir 20% das despesas com aposentadorias e pensões. Quando se soma a esse valor a contribuição previdenciária patronal, a cobertura alcançou 51,2% dos gastos. Ou seja, não fosse a contribuição suplementar e os rendimentos obtidos com as aplicações financeiras de uma reserva do Faps, não haveria dinheiro para sanar os outros 48,8% das despesas.
Ao se avaliar os gastos e receitas de setembro de 2018 a fevereiro de 2019, o valor que faltou para os proventos chegou a R$ 29,2 milhões.
– Em outros tempos, houve superávit que compensa o déficit, mas desde agosto de 2016, o Ipam tem despesas superiores à sua arrecadação – aponta André Wiethaus.
Em 2014, a contribuição suplementar em Caxias do Sul era de 12,04% sobre a folha de pagamento e aposentadorias, percentual que aumentou para 18,04% em 2017.
Entenda
:: Neste ano, o percentual já é de 28,04% e o gasto estimado para o período é de R$ 129,8 milhões – R$ 45,6 milhões a mais do que em 2018.
:: O grande impacto será percebido em 2021, quando a alíquota sobe para 42,04%. A previsão é que serão necessários R$ 202,4 milhões, ou R$ 118,2 milhões a mais do que foi gasto em 2018.
:: Em 2023, o valor da contribuição complementar patronal subirá ainda mais, pois o percentual chegará a 49,88% e o montante será de R$ 249,9 milhões. Até o final de 2023, a estimativa de financiamento será de R$ 921 milhões.
:: A alíquota deve ser mantida nesse patamar até 2042, mas os valores subirão progressivamente. Em 24 anos, o gasto estimado será de R$ 6,7 bilhões.
:: Os valores sairão do caixa da administração direta e indireta, mesma fonte que financia obras públicas, compra de insumos e pagamento de salários. Até lá, a expectativa é de que a medida, aliada à reforma da previdência, seria suficiente para zerar o déficit.
Ressalvas
Os próximos anos exigirão cautela da administração com os recursos públicos, mas o Sindicato dos Servidores Municipais (Sindiserv) tem uma visão diferente sobre os aportes na previdência. Conforme a presidente da entidade, Silvana Pirolli, os cálculos que estabeleceram o financiamento do déficit atuarial deveriam ser revistos.
– Acho que tem que refazer os cálculos para se ter dados mais precisos e atualizados, pois são de outro período e a própria contribuição suplementar poderia mudar _ avalia Silvana.
Para a sindicalista, a criação do Faps foi um acerto do município, mas a sobrevivência do sistema depende muito da forma como será tratado a partir da reforma. Quem se aposentou até dezembro de 2003, recebe salário integral. De janeiro de 2004 em diante, o servidor foi incluído na regra geral da previdência, que consiste em proventos baseados na média dos maiores salário de contribuição.
– Na gestão do Pepe (Vargas), criou-se o Faps, foi feito o cálculo atuarial e a prefeitura pagava a parte do passivo. Depois do Faps, teve outra mudança na aposentadoria: o teto e a idade mínima. A partir de 2003, quem se aposenta ganha pelo salário médio. Logo, não vamos ver altos salários. Não estamos nadando em dinheiro, mas em Caxias se fez o tema de casa. O governo (federal) vende a ideia de que somos descartáveis – aponta a sindicalista.
A reforma previdenciária é defendida pela Famurs e por prefeitos para equilibrar as contas dos municípios, o que inclui Caxias do Sul. Muitos gestores alegam que a contratação de novos concursados é temerosa, pois corre-se o risco de inchar ainda mais os gastos futuros com a previdência no formato atual, algo contestado pelo Sindiserv.
– Se aposentamos cinco professores, tem que entrar mais cinco novos professores para manter a contribuição do fundo. Qual a vantagem que a cidade terá em não nomear? – defende Silvana, ao ponderar sobre as terceirizações no serviço público.