A reestruturação do Programa Municipal de Pacificação Restaurativa, em Caxias do Sul, causou estranheza e levou muita gente a ver o movimento como um retrocesso, mas a prefeitura afirma que a mudança beneficiará mais pessoas. O desconforto já havia começado no final de 2017, quando servidores públicos cedidos para atuar nas três centrais de pacificação restaurativa foram removidos para suas pastas de origem. A sensação de que algo não estava bem aumentou em dezembro com o encerramento das atividades nessas unidades, algo que chamou a atenção do Ministério Público (MP).
Franciele Roso, diretora de Proteção Social da Secretaria Municipal de Segurança, diz tratar-se de um reordenamento para descentralizar o atendimento e facilitar a vida da população, algo que só será percebido com a implantação do novo modelo ainda neste semestre. O projeto, segundo ela, exigiu a alteração na forma como o público acessará às centrais.
Resolução com diálogo
As unidades foram criadas em 2013 para receber partes contrárias dispostas a resolver diferenças na base do diálogo, com ajuda de um facilitador. A equipe oferece encontros restaurativos entre as pessoas em conflito para evitar que casos se transformem em processos judiciais, crimes ou atos infracionais. Esse tipo de trabalho, aliado a outras iniciativas do programa, transformaram a cidade em referência nacional na política de pacificação social.
Até meados de 2017, a Central da Paz Comunitária na Zona Norte, a Central da Infância e Juventude na Universidade de Caxias do Sul (UCS) e a Central Judicial no Fórum contavam com 16 integrantes. Sete deles eram contratados pela Fundação Caxias e o restante eram servidores cedidos pela prefeitura. O convênio entre a entidade e o município terminou na metade de 2017, forçado pelas novas regras das parcerias público-privadas no país. No final do mesmo ano, o Executivo determinou o retorno de cinco professores do município e de outros dois servidores da FAS.
As centrais passaram a atender apenas com alguns servidores públicos e voluntários, sem o fôlego dos anos anteriores. A expectativa era selecionar uma nova entidade para administrar o serviço ainda em 2018, o que não ocorreu. Em dezembro, os espaços na Zona Norte e na UCS foram fechados. Apenas a Central no Fórum segue com espaço, mas sem equipe para promover os chamados círculos da paz de casos judicializados.
Facilidade de acesso é uma justificativa
O atendimento antes prestado nas três centrais está atualmente concentrado no Núcleo de Justiça Restaurativa, serviço que funcionava na UCS e foi transferido para uma sala na Secretaria Municipal de Segurança. Franciele Roso garante que as atividades desenvolvidas pelas centrais também estão sendo desenvolvidas por meio de cinco comissões atuantes em cinco secretarias municipais, entre elas, a Educação e a Saúde.
— A nossa ideia é ter um único espaço que reúna essas centrais e o público tenha um acesso mais rápido e fácil. Por outro lado, o objetivo é fazer as equipes irem até as comunidades para oferecer o serviço e não ao contrário. Notamos que havia uma evasão muito grande na Central da UCS, pois muitas vezes o deslocamento ao local era uma grande barreira — exemplifica Franciele.
A entidade que for selecionada para gerir a nova Central será escolhida por meio de chamamento público, cujo processo está na Central de Licitações. A vencedora precisará ter uma equipe multidisciplinar com 10 profissionais capacitados em Justiça Restaurativa.
Paralelamente, o novo conselho gestor do Programa Municipal de Pacificação Restaurativa tomará posse no dia 19 de março. A quantidade de integrantes aumentou com a inclusão de oito instituições e três representantes de organizações da sociedade civil.
— O Núcleo de Justiça Restaurativa ficará com a função de fiscalizar e executar as deliberações do conselho gestor e a central será responsável pela prática das atividades. Esse ordenamento do fluxo era necessário, pois nem tudo estava claro nos processos — diz a diretora de Proteção Social.
Ainda não há data definida para o lançamento do chamamento público.
MP cobra explicações sobre fechamento das centrais
A promotora de Justiça Adriana Chesani abriu inquérito para identificar os motivos do fechamento das centrais, pois o funcionamento está previsto em lei municipal de 2014. Ela esclarece que o inquérito não abrange a Central Judicial, pois a reabertura da unidade depende de providências do Tribunal de Justiça (TJ).
Numa análise preliminar, conforme a promotora, constatou-se que um efeito mais visível relativo à Central Comunitária na Zona Norte. Em conversa com a administração da FAS, o MP recebeu a informação de que o trabalho desenvolvido pelos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) seria mais eficaz do que o trabalho da Central, o que beneficiaria os usuários.
Entretanto, em 2018, constatou-se que a fila de espera para atendimento no Programa de Atendimento Especializado em Famílias e Indivíduos (Paefi) aumentou.
Vínculos afetivos
O programa é responsável, entre outras atribuições, por abordar os vínculos afetivos que, se trabalhados adequadamente antes do agravamento da situação nas centrais de pacificação, não precisariam ser incluídos em atendimento no serviço, classificado como de média complexidade.
Segundo Adriana, em informação prestada pela FAS em setembro de 2018, o tempo médio de espera para o início do acompanhamento do Paefi, após entrevista de acolhimento, era de três meses.
A promotora teve conhecimento do chamamento público para reativar as centrais. Por isso, para compreender melhor a iniciativa e acompanhar as fases do procedimento, a promotora requisitou cópias do expediente.