Pelo quinto ano desde 2007, um município sem escolas privadas de Ensino Fundamental e Médio conquistou o título de melhor educação do Rio Grande do Sul. Com seus 5.434 habitantes, Picada Café, na Serra, tem indicadores impressionantes. O levantamento que posicionou a cidade como líder nesse quesito no Estado é referente ao ano de 2015 e foi divulgado em março pela Fundação de Economia e Estatística (FEE).
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Todos os jovens de quatro a 14 anos estão em sala de aula. O Ensino Médio está no mesmo caminho, prestes a ser universalizado. E os alunos atingem alto desempenho em português e matemática. Todos estudam em turno integral (exceto na escola estadual), em colégios que abrem as portas às 6h30min e fecham às 17h30min. A explicação? Uma gestão compartilhada na qual os pais se envolvem ativamente com o processo.
A professora de Educação Física Viviane Hoffman, 33 anos, é mãe de Bernardo, estudante de quatro matriculado na Escola de Educação Infantil Quatro Estações. Diz que praticamente só alimenta o filho com leite e um pouco de pão. Afinal, ele recebe quatro refeições por dia na escola, assim como todos os outros estudantes da rede municipal.
— Meu filho gosta de ficar aqui. Como é pequeno, precisam de muita atenção. E a recebe — enfatiza.
Há cinco escolas públicas – uma de Ensino Médio estadual, duas de Ensino Infantil e outras duas de Ensino Fundamental municipais –, além de duas creches infantis gratuitas geridas em parceria público-privada com investimento da prefeitura, das empresas e dos pais, que pagam R$ 20 por mês para deixar os filhos nos dois turnos. Em todas, há oficinas de reforço e de lazer no contraturno, definidas entre pais e professores. É possível optar, por exemplo, entre classes de capoeira, dança, inglês, violão e astronomia. O transporte escolar cobre todo o território.
Mas não é só o grande tempo em sala de aula que explica o bom desempenho no Idese. Segundo a Prova Brasil de 2015, aplicada em todas as escolas brasileiras, 96% dos alunos do 5º ano do Ensino Fundamental aprendem o adequado em Português – a média é de 51% no Brasil e de 54% no Rio Grande do Sul (veja os números ao fim dessa reportagem).
A cidade ainda se saiu bem no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), indicador que avalia a qualidade de ensino público no país. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, Picada Café teve, em 2015, uma nota 7,9, bem acima da meta de 6,1 para o município e muito acima da média brasileira para a etapa, que ficou em 5,5.
O resultado tem o dedo direto dos pais. Em Picada Café, as famílias formam grupos ativos que arquitetam eventos a fim de arrecadar dinheiro para pagar aulas oferecidas aos filhos no turno inverso e eventuais reparos nas instituições de ensino. Há ainda Conselhos Escolares, órgãos consultivos com a participação da comunidade escolar que opinam sobre a metodologia de ensino às crianças. Em 2017, por exemplo, a associação de pais da Escola Municipal de Ensino Fundamental 25 de Julho reuniu R$ 25,4 mil por meio de galetos, festa junina e noites culturais, o que ajudou a bancar o turno integral dos filhos. O grupo é formado por 13 pais voluntários, eleitos a cada dois anos.
— A comunidade é próxima da escola, até porque não dá para esperar absolutamente tudo do governo. As famílias vêm às reuniões, os laços são muito fortes — acrescenta a diretora da 25 de Julho, Andréa Denise Dienstmann.
A escola fica em uma zona bucólica, próxima a um morro. Todas as salas têm ar-condicionado. Os alunos aprendem alemão do 1º ao 9º ano – nos murais dos corredores, cartazes exibem um menu no idioma: Salat, Hänchen und Pommes frites ("salada, galeto e batatas fritas").
O metalúrgico e empresário Vandoir Schaab, 42 anos, pai de Luan Felipe, 13 anos, faz parte da associação de pais e mestres da instituição há seis anos. Ele não acha nada de mais dedicar tempo e atenção para organizar os eventos.
— O Luan e o meu filho mais novo, que está na Educação Infantil, são buscados na volta pelo ônibus da escola. Eles têm tudo enquanto estão estudando: ganham as quatro refeições e transporte até em casa. Acho o ensino ótimo, não sei como é em cidade grande, mas me sinto seguro ao ir trabalhar e deixá-los aqui — diz Vandoir.
Luan, que hoje está na 8ª série, fez a Prova Brasil em 2015. O resultado de sua turma na avaliação ajudou Picada Café a atingir um bom desempenho no Ideb.
— Nossa turma fez a melhor média do Rio Grande do Sul — orgulha-se. — Gosto de estudar aqui, me sinto bem e fico próximo da natureza.
Educação de qualidade, é claro, exige investimento público. Em 2015, 29,21% do orçamento do total do município foi investido na educação – o mínimo exigido pela Constituição Federal é 25%. Grande parte dos impostos é arrecadada na indústria calçadista, relevante na economia da região. Só que, desde 2017, as escolas da cidade deixaram de receber verba do programa federal Mais Educação, criado em 2007 para fomentar a educação integral no Brasil, com foco no Ensino Fundamental.
E o motivo é irônico.
Agora, só ganham incentivos escolas com baixo desempenho no Ideb, o que não é o caso de Picada Café. A 25 de Julho, por exemplo, havia recebido R$ 42,8 mil do Mais Educação referente ao ano de 2016. Como tem alta qualidade, não será mais beneficiada.
— É um pouco frustrante não ganharmos mais a verba, a gente se esforça para ter uma boa educação e é penalizado — diz a diretora Andréa.
Por lei, a matrícula em uma instituição de ensino é obrigatória para todas as crianças brasileiras a partir dos quatro anos. Em Picada Café, já há crianças nessa idade indo sozinhas às aulas nos ônibus municipais, conta a diretora da Escola de Educação Infantil Quatro Estações, Patrícia Wickert, 42 anos.
Na instituição, a verba arrecadada pelos pais foi responsável por bancar um grande brinquedo multiuso de madeira, onde os alunos se penduram, de um lado para outro, como macaquinhos curiosos desbravando uma selva que impõe desafios.
— Não temos muito problema por aqui, no máximo uma criança com falta de higiene. Se tem aluno com falta de roupa, fazemos campanha para arrecadar doações, e os pais ajudam. Volta e meia, na segunda-feira, o secretário de Educação participa das reuniões de professores — diz Patrícia, descrevendo a presença da autoridade com naturalidade.
Há ações para dificultar a evasão escolar: além do ônibus que pega os estudantes em casa, inclusive os matriculados na escola estadual, 10 agentes comunitários, responsáveis por visitar a população em casa para acompanhar a saúde, conferem se há crianças em idade escolar não matriculadas. Se alguém está de fora, a prefeitura imediatamente fica sabendo e atua para reverter o quadro. O secretário municipal de Educação, Marcelo Marin, reconhece que as conquistas devem ser divididas com gestões anteriores e com a própria comunidade.
— Sempre se investiu muito em educação, todas as administrações fizeram isso, tanto em tempos de crise quanto de bonança. E a própria comunidade sempre ajuda muito, apoia os eventos da escola, inclusive para angariar fundos. Essa é uma das grandes receitas, por isso o resultado no Idese não é tanto uma novidade para nós — afirma.
Como a educação é avaliada no Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese)
> População entre quatro e cinco anos: taxa de matrícula na pré-escola.
> População entre seis e 14 anos: nota da Prova Brasil no 5º e do 9º ano do Ensino Fundamental.
> População entre 15 e 17 anos: taxa de matrícula no Ensino Médio.
> População de 18 anos ou mais: população com Ensino Fundamental completo.
Os índices
Educação 0,855 (1º)
Renda 0,787 (58º)
Saúde 0,859 (179º)
Idese 0,833 (13º)
População 5.434
PIB per capita R$ 55.373
*Em parênteses, a colocação no ranking dos municípios do Estado.
Notas sobre o ensino em Picada Café
> Segundo o Idese, 96% dos alunos que cursam o 5º ano do Ensino Fundamental no município aprendem o adequado em Português em Picada Café. No Estado, o índice é de 54%. No Brasil, é de 51%.
> Também no 5º ano, 89% aprendem o adequado em Matemática no município. No Estado, o índice cai para 39%. No país, é de 43%.
> No 9º ano, o índice de Português é de 55% em Picada Café, contra 34% no Rio Grande do Sul e 29% no Brasil.
> Em Matemática, no 9º ano, 45% dos alunos do município aprendem o adequado, contra 14% no Estado e 13% no Brasil.
Os municípios com a melhor educação do Rio Grande do Sul*
Picada Café 0,855
Casca 0,836
Campinas do Sul 0,829
Ivoti 0,824
Severiano de Almeida 0,824
Rio Grande do Sul (geral) 0,698
*De acordo com o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese).