No hall de acesso ao apartamento na área central de Caxias do Sul, há um pequeno alerta aos visitantes: deixe os sapatos na entrada — costume pouco adotado no Brasil mas essencial entre os povos orientais para proteger o interior da casa da contaminação trazida de fora. Mas se engana quem pensa que a casa da psicóloga Cláudia Muraro, 44 anos, é um ambiente frio, esterilizado e obsessivo por limpeza. Ao abrir a porta, tem-se a impressão de entrar em um mundo colorido, alegre e cheio de brinquedos, do jeitinho que as crianças adoram.
Esse espaço lúdico, que toma conta do amplo living, foi sendo construído em paralelo ao sonho de Cláudia em ser mãe.
— Desde criança, lá pelos sete anos, eu dizia que queria casar e ter muitos filhos. Meu sonho era ter uma minivan e parar na porta da escola para deixar cinco ou seis crianças — conta ela.
Filha temporona de pais já maduros, a psicóloga lembra que tinha o desejo de formar uma prole numerosa para nunca ficar sozinha. O sonho de criança, aos poucos, foi parecendo mais longe à medida que ela crescia e se tornava mulher.
— Na minha cabeça, sempre tinha uma coisa que me dizia que eu não ia conseguir engravidar facilmente — lembra.
Depois de dois longos relacionamentos, casou-se aos 30 anos e deu início ao projeto de infância. Após inúmeras tentativas frustradas, descobriu pelos médicos que não conseguiria ser mãe naturalmente. Foi um baque para ela.
— Fiz inúmeros exames e nenhum problema físico ou biológico grave foi detectado.
Foi aí que começou a peregrinação com as tentativas de fertilização in vitro em clínicas de reprodução assistida: retirada de óvulos, corpo bombardeado por hormônios, semanas em repouso absoluto e frustrações. A terceira tentativa, porém, reservou uma linda surpresa à psicóloga: o filho Angelo, hoje com cinco anos e quatro meses.
Mais do que realizar o sonho de ser mãe, para Cláudia, o primeiro filho foi um bálsamo para todas as suas dores — físicas e psíquicas. Com o bebê ainda pequeno, ela enfrentou uma separação abrupta, a perda do emprego após 10 anos e um câncer.
— Nunca me deixei abater com nada pois sabia que meu grande sonho estava ali, nos meus braços. Eu pensei comigo: que nada, essa doença não me pertence. Vivia um momento tão maravilhoso que nem pensei em coisas ruins. Tomei uma medicação especial para não precisar recorrer à quimioterapia (cujo efeito colateral é provocar a infertilidade), fiz a retirada do tumor e minha recuperação foi incrível — revela.
Feliz e realizada com a vinda de Angelo, Cláudia não encarou o divórcio como um revés ao seu projeto de ter mais filhos. Com o menino ainda pequeno, ela começou nova jornada pela maternidade. Sem um companheiro, recorreu a um banco de sêmen e se inscreveu na fila de adoção. Foram mais oito tentativas de fertilização, a última em uma clínica no Exterior.
— Embarcamos eu eu meu filho para lá, tivemos dias lindos e fui submetida ao 11º procedimento. Ao contrário das outras vezes, em que ficava imóvel na cama, para não perder os embriões, fui à praia, relaxei e voltei para casa confiante.
Daquela 11ª tentativa nasceu Martina, hoje com três meses.
— Ser mãe é uma avalanche de coisas maravilhosas. Fui invadida por sentimentos avassaladores, que jamais imaginei na vida nem nos meus melhores sonhos. Pode parecer clichê, mas me tornar mãe foi realizado um lindo sonho. Pode parecer clichê, mas me tornar mãe foi a melhor coisa que me aconteceu. Eles são a minha alegria, a continuação da minha história. Minha vida mudou completamente, para melhor. Amo ser mãe — garante.
"Eles me dão energia"
E mesmo com duas crianças pequenas, a psicóloga diz que dá conta do recado sozinha. Vai ao supermercado, ao clube, ao salão fazer as unhas, viaja, tudo na companhia dos filhos, sem pressa.
— Se há quem diga que as crianças sugam as nossas forças, eu digo que eles é que me dão energia. Fácil, não foi, mas tenho certeza de que fiz a coisa certa — diz ela.
Cláudia também diz que os filhos vão poder saber tudo sobre sua concepção.
— Não digo que não gostaria de ter uma família, como queria lá na infância, mas faço tudo para que sejam felizes. Apesar do desejo secreto de tê-los sempre ao meu lado quando ficar velhinha, vou criá-los para o mundo, para que escolham o seu destino. Afinal, amor de mãe é aquele que nutre e que estará sempre ao lado dos seus filhos, independentemente das suas escolhas — afirma.
E neste Dia das Mães, Cláudia nem pensa em presentes. Além do abraço de Ângelo e do prazer de seguir acalentando Martina no colo, ela não nega que deseja mais pequenos anjinhos correndo dentro de casa. Quem sabe um dia?
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