Quando a notória cidadã de Bento Gonçalves Anna Tedesco Variani idealizou a criação de um lar para idosos na cidade, no início da década de 1980, logo precisou recorrer à ajuda da comunidade para viabilizar o projeto. De 1981 a 1990, por meio de mão de obra voluntária, doação de materiais e terreno, a construção do Lar do Ancião foi concluída como resultado dessa rede de solidariedade.
No entanto, passados 27 anos, diversos fatores resultaram na queda da participação comunitária e, hoje, a entidade passa por dificuldades financeiras. Com gastos estimados em R$ 160 mil mensais, a arrecadação chega a aproximadamente R$ 100 mil, culminando em déficit de cerca de R$ 60 mil ao mês.
— Nunca foi fácil, mas a situação começou a piorar em janeiro, quando passamos a atrasar os salários e pagar os funcionários de forma parcelada. Sempre damos a volta de alguma forma e negociamos com fornecedores, mas se tornou muito desgastante — relata o diretor financeiro do Lar do Ancião, Simão Weschenfelder.
Para este mês, às vésperas de a situação se tornar novamente preocupante, o alívio surgiu por meio de um gesto e generosidade: na última semana, um empresário de Bento Gonçalves doou R$ 30 mil ao Lar. O recurso permitirá o pagamento para os 30 funcionários no próximo vencimento e a esperança da retomada do equilíbrio financeiro até o final do mês.
A salvação surgiu poucos dias depois de a entidade divulgar publicamente a situação de desequilíbrio econômico. Após pronunciamento na última semana para a imprensa, cerca de 40 novos doadores ingressaram com pedido de cadastro para contribuição mensal. A adesão repentina deu sobrevida ao ânimo da diretoria do lar, que agora, retoma uma meta ambiciosa.
— Calculamos que logo que foi inaugurado, o Lar contava com mais de mil doadores. No final do ano passado chegamos ao número mais baixo da nossa história e tínhamos apenas 15. Traçamos como objetivo voltarmos a ter mil doadores até o fim deste ano. É uma meta ousada, mas temos uma missão e não sabemos por quanto tempo permaneceremos aqui. Por isso, queremos trabalhar hoje para quem vier a nos substituir um dia não sofra o mesmo e tenha o caminho livre para proporcionar o melhor atendimento possível — afirma Weschenfelder.
Para a presidente do lar, Lourdes de Souza, o cenário adverso nunca foi motivo de pessimismo. A perseverança, segundo ela, é legado na inspiração da própria fundadora:
— A Anna (Tedesco Variani) contava que o lar surgiu quando um senhor de fora veio para cá e não tínhamos onde colocá-lo. Ele precisou ser mandado para Santa Maria e, 10 anos depois, acabou voltando para Bento e o lar já havia sido construído. Foi criado praticamente para atender àquela demanda e contou com a ajuda de toda a comunidade para ser construído. A solidariedade está na nossa história e tenho certeza que com ela vamos dar a volta por cima.
Poder público alega inviabilidade
Entre os problemas que limitam a estabilidade econômica do lar está a falta de envolvimento do poder público. Embora se trate de uma entidade filantrópica de referência na cidade, a diretoria alega que a indisponibilidade de firmar uma parceria com a administração municipal é um entrave histórica enfrentado pelo lar.
— Estou há 13 anos na presidência e sei que sempre batemos na porta da prefeitura, nos reunimos com secretários, prefeito, Câmara de Vereadores e ninguém nunca assumiu responsabilidade em criar projeto que nos garantisse uma verba fixa — comenta a presidente, Lourdes de Souza.
O terreno onde a estrutura foi construída foi doado pela prefeitura de Bento Gonçalves na década de 1980. Desde então, poucas ações foram promovidas para ajudar o lar. Segundo o diretor financeiro, a participação do Executivo se restringe hoje à cedência de um fisioterapeuta para dois dias da semana e o custeio da vida de um idoso, que não possui nenhum vínculo familiar.
— As pessoas sempre tiveram a impressão de que recebemos ajuda do poder público, mas nunca recebemos. Mas também deveria ser responsabilidade deles — defende Simão Weschenfelder.
A reportagem entrou em contato com representantes da prefeitura de Bento Gonçalves, que reiteraram a inviabilidade em contribuir com repasses para o lar.
— As dificuldades do Lar começaram quando eles perderam o credenciamento como entidade filantrópica no início do ano. Com isso, eles passam a ter que custear os encargos trabalhistas dos funcionários e deixaram de ter isenção de alguns impostos. Também devido à essa perda, impossibilitou qualquer chance de o poder público contribuir com aportes financeiros, uma vez que a entidade precisaria ser filantrópica para pleitear essa verba — explica o secretário da Saúde de Bento Gonçalves, Diogo Siqueira.
Entidade nega perda de credenciamento
Conforme o diretor financeiro do Lar do Ancião, Simão Weschenfelder, a informação repassada pelo secretário da Saúde é improcedente.
— É infundado e até me surpreende essa declaração (do secretário), pois ele conhece intimamente a situação do lar — comenta Simão.
Conforme ele explica, embora a renovação do credenciamento não tenha sido deferida até o momento devido a uma necessidade de readequação contratual, há um processo em andamento para viabilizar a retomada dessa condição.
— O Conselho Nacional do Idoso exigiu algumas mudanças e estamos encaminhando elas com a certeza de que teremos o credenciamento renovado. Não haveria por que ser o contrário, até porque, caso não obtivéssemos aumentaríamos os nossos custos em cerca de R$ 300 mil o ano, o que se tornaria inviável. Portanto, é uma hipótese que sequer consideramos — ressalta Weschenfelder.
O recurso com o pedido e renovação do credenciamento aguarda aprovação do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).
"O atendimento nunca falhou", afirma morador
Além das doações espontâneas da população, o Lar do Ancião conta com a verba oriunda da aposentadoria dos idosos— lei federal assegura que 70% da previdência seja revertida para o próprio serviço que os atende —, e parentes dos moradores da entidade também repassam valores mensais, mas que variam conforme a renda de cada família.
Contudo, o montante gerado com a arrecadação alcança no máximo R$ 105 mil por mês, o que é insuficiente para os custos elevados para manter a estrutura de mais de 2 mil metros quadrados de construção e custear os serviços para 60 idosos que vivem no local. Ainda assim, o compromisso prioritário da diretoria da entidade é não permitir que as dificuldades financeiras possam afetar o atendimento.
— Nossos funcionários ficam preocupados, mas tem clareza que também nos sentimos mal de muitas vezes atrasar o salário deles. Mas, mesmo assim, todos se dedicam com o mesmo empenho para os nossos velhinhos — comenta a presidente do lar, Lourdes de Souza.
Os próprios atendidos garantem que, indiferentemente da situação financeira, o serviço nunca deixou a desejar.
— Nunca falta nada. O atendimento nunca falhou. É de primeira, a diretoria e a equipe são praticamente uma família — comenta um dos moradores do lar, José Fiorotto, que é atendido há oito anos no local.
Aliada ao comprometimento da equipe, o trabalho de voluntários também garante a eficácia do atendimento. Exemplo disso, é a aposentada Doraci Piccoli, 85, que há 24 anos dedica-se a visitar duas vezes por semana a entidade para auxiliar no atendimento.
— Organizo o bingo, dou comida para alguns, converso. Também sou idosa e sei o quanto eles podem precisar de ajuda, então venho fazer minha parte, Esse lugar se tornou meu refúgio. Tenho muito amor pelos velhinhos e o sorriso deles massageia nosso ego — relata.
A insuficiência financeira também não incide na carência de materiais de higiene e alimentação, que são totalmente supridas por doações.
— Nunca corremos o risco de ficar sem os itens básicos porque nossa comunidade é muito generosa. O que precisamos, de fato, são doações em dinheiro no momento — comenta Lourdes.
COMO AJUDAR
Formas de doação variam desde solicitação de boletos até depósito bancário. Detalhes sobre como ajudar em lardoanciaobg.com.br, no link "Doações".