A violência urbana é provocada por vários fatores circunstanciais que muitas vezes não permitem uma resposta imediata de órgãos que deveriam garantir a proteção de pessoas em situação de rua. Ainda assim, a Lei Municipal nº 4.419 de 1996, que institui a Fundação de Assistência Social (FAS) de Caxias do Sul, determina como um dos objetivos da entidade a implantação de programas e projetos que visem garantir, com prioridade, o direito à vida.
Os números confrontam essa meta. Embora a FAS destaque ações voltadas para pessoas em situação de rua, reformulações recentes em parte dos serviços continuam a ser questionadas por servidores que atuam no setor, que atribuem a dificuldade de conter o aumento dessa população e, consequentemente, a violência sofrida por eles.
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— As políticas adotadas em nível de poder público são duvidosas. É muito triste ver essa violência que muitos dos nossos usuários (moradores de rua) estão sofrendo e praticando. Isso é reflexo de falhas da gestão. Nunca vi tantos moradores de rua morrendo de forma violenta — comenta um dos servidores que preferiu não se identificar.
Apesar de apontar suposto aumento das mortes violentas da população de rua, como os dados indicam, 2016 foi o ano com maior número de assassinatos desse tipo, totalizando 16 óbitos, contra 12 em 2017.
A criminóloga e professora de Direito Penal na FSG, Angie Finkler, entende que os índices de violência refletem falta de articulação:
— É uma questão primeiramente social, depois de saúde pública (por se tratarem, em maioria, de dependentes de álcool e drogas) e só por último policial, que na verdade se limita a ser uma resposta a uma violência já existente. Estamos tratando de pessoas que não têm nada e muito menos proteção estatal efetiva. Tem opções de acolhimentos e casas de passagem, mas muitas vezes eles (moradores de rua) não querem isso, mas indiferentemente dessa escolha, também devem ser protegidos — observa.
A diretora de Proteção Social da FAS discorda da suposta precarização de políticas voltadas à população de rua. Ana Maria Pincolini ressalta diversas melhorias que estariam sendo promovidas pela mais recente diretoria da entidade:
— No último ano foram feitas melhorias na Casa de Passagem Carlos Miguel, na qualificação do quadro de servidores de diversos serviços e ainda estão sendo previstas reformas físicas em alguns espaços administrados pela entidade. Também creditamos muito no nosso programa SuperAção, que tem mostrado resultados em menos de um ano de execução — defende.
Rastros invisíveis para a polícia
A investigação da Polícia Civil sobre assassinatos e outros casos de violência de pessoas em situação de rua acaba sendo dificultada por diversos fatores. São comuns a falta de documentação das vítimas e a não localização de outras pessoas que teriam relação direta a vítima. Ainda assim, de janeiro de 2016 a janeiro de 2018, foram solucionadas 14 dos 32 assassinatos de pessoas em situação de rua de Caxias, o equivalente a 43% dos casos.
— Temos problemas não só no consumado como no homicídio tentado, em que frequentemente não encontramos sequer a vítima que sofre agressão, pois ela vai pro hospital, foge de lá depois de ser medicada e desaparece. Como é morador de rua, não tem lugar fixo certo, acabamos não localizando essa pessoa e o caso fica sem esclarecimento — informa o titular da Delegacia de Homicídios de Caxias, Rodrigo Duarte.
Embora as características dos crimes tenha variação, de acordo com o delegado, os motivos normalmente são dois:
— Geralmente é decorrente de uma desavença pela própria situação de rua, por exemplo uma briga, o consumo de álcool, ou até mesmo dívida de tráfico — complementa Duarte.
Vinte desses crimes foram cometidos por meio de arma de fogo. Doze assassinatos tiveram uso facas e de objetos como pedras, paletes, e um banco de madeira.
Apesar das investigações não estarem concluídas na maioria dos casos, indícios apontam que a utilização de instrumentos contundentes, que permitem a agressão somente por aproximação da vítima, estão normalmente vinculados a conflitos entre os próprios moradores de rua.
— Faca, pedra, pedaço de pau, é com aquilo que eles têm disponível nas mãos. Salvo aqueles casos de tráfico, em que o traficante acaba usando arma de fogo _ conclui o delegado.
MORTES
:: Período: de janeiro de 2016 a janeiro de 2018
:: Total de vítimas: 32
:: Gênero: 29 homens e três mulheres
:: Meios usados pelos assassinos: armas de fogo (20 casos), faca (7), pedradas (3), banco de madeira e paletes (2)