Aposta do prefeito Daniel Guerra (PRB) para ouvir as demandas da população, o Gabinete Itinerante que chegou a sua segunda edição na quarta-feira confirma uma informação que já corria nos bastidores: as mais de 200 obras públicas apontadas como prioritárias por diversos bairros em governos anteriores não serão mais executadas. Ou seja, os moradores, que já esperavam há anos por uma definição, agora deverão apontar novamente se os projetos elencados no extinto Orçamento Comunitário (OC) atendem, de fato, às necessidades.
O Gabinete Itinerante terá 12 encontros ao longo de 2018 para alinhar as novas demandas. Ainda não estão definidos quais bairros serão agrupados em uma mesma reunião ou o calendário dos encontros. A segunda edição ocorreu na quarta-feira no recém inaugurado loteamento Rota Nova, onde as fmaílias elencaram os pedidos de melhorias. Neste formato, o risco é de que a comunidade vá ao gabinete móvel e eleja uma demanda diferente da que foi pleiteada em outros anos e a prefeitura decartará a conquista anterior do antigo OC.
— Caso fôssemos realizar as obras herdadas de outras administrações, seriam necessários R$ 65 milhões. E não havia um real em caixa. É um passivo histórico que não é nosso — justifica o chefe de gabinete Júlio César Freitas da Rosa.
Leia mais:
Prefeitura de Caxias reestrutura Orçamento Comunitário, que não terá votação de prioridades este ano
Gabinete itinerante de Daniel Guerra é o novo formato do Orçamento Comunitário
Cada sugestão eleita pelos bairros deverá atender a três novos critérios: se a prefeitura acha viável, se é juridicamente legal e se há recurso disponível. Amparado pelo secretariado, Guerra é quem responderá à comunidade se a demanda se enquadra nestes itens. E deve responder no mesmo dia da visita, adianta Júlio.
— Ele já dirá se haverá obra, quando ela inicia e quando termina. Não vai se criar uma falsa expectativa. Se não pudermos fazer, a gente vai dizer o porquê. Já fizemos algo semelhante neste ano com a comunidade de Galópolis, quando fomos lá, verificamos e estamos executando a obra — afirma.
A ideia é que a prefeitura avise cada comunidade com antecedência sobre a visita. Apenas uma demanda por bairro deve ser priorizada. A principal tarefa do titular da Coordenadoria de Relações Comunitárias, Rafael Bado, será avaliar de perto cada pedido priorizado ou descartado pela comunidade.
— A gente visitou mais de 140 bairros e olhou para o que é prioridade. Mais de 70% das demandas, que foram possíveis pela parte técnica, coisas de manutenção, já foram feitas — encerra Bado.
Demandas aguardam há anos na fila
O presidente da União das Associações de Bairros (UAB), Valdir Walter, lamenta a mudança no formato do Orçamento Comunitário. Para ele, será complicado mobilizar novamente os moradores em busca melhorias nas comunidades. Walter afirma que a exclusão das demandas antigas demonstra desrespeito da atual gestão municipal com a população.
— É uma perda enorme ignorar os pedidos dos bairros. Temos solicitações de obras que foram feitas há 10, 12 anos e mesmo com projetos aprovados não saíram do papel. Agora, tudo precisa começar do zero, mobilizando os moradores de cada bairro para, novamente, elencarem uma prioridade. Isso é um descaso com as comunidades, que sempre se envolveram para reivindicar melhorias importantes. A enrolação é tanta que tenho certeza que muitas pessoas não sairão de casa para fazer tudo de novo — reclama Walter.
Entre as mais de 200 obras que serão excluídas no novo formato do Orçamento Comunitário estão, principalmente, pavimentações de ruas, fechamento de quadras esportivas em escolas, melhorias em centros comunitários, construções de capelas mortuárias e instalações de academias da melhor idade (Amei). Há demandas tão antigas que os moradores já perderam a esperança de conseguir.
— Desde 2005 que a construção de uma capela mortuária foi incluída nos pedidos. Tem projeto pronto, mas a prefeitura diz que o dinheiro é insuficiente para fazer a obra. Nos enrolaram todos esses anos e, agora, se quisermos a capela vamos ter que colocar ela como a nossa única prioridade, sendo que existem outras também. Isso desmotiva todos os moradores — afirma o presidente da associação de moradores do Parque Oásis, Loivo Barth.
A construção de um espaço para velórios, segundo Barth, é importante não somente para o Parque Óasis, mas também para loteamentos próximos. Hoje, os moradores utilizam a capela do bairro Fátima e, em muitos casos, precisam arcar com gastos de uma funerária particular.
— Nem sempre a capela do Fátima está disponível e aí a família, que já está passando por um momento difícil, ainda precisa desembolsar uma quantia para fazer o velório em outro lugar. Fica complicado, são 12 anos de uma luta sem sucesso — lamenta.
Com a negativa da prefeitura em repassar o valor para obras já aprovadas, diversas comunidades têm se mobilizado para concretizar algumas reformas mais simples, caso de moradores do Sagrada Família, que reivindicam melhorias no centro comunitário há anos.
— A gente precisou colocar a mão na massa, literalmente. Já lixamos algumas paredes e fizemos outros reparos, mas nem para tudo temos condições e dinheiro para fazer. Se ficarmos parados esperando, nunca vamos ter um espaço decente para as atividades da comunidade —diz o presidente do Sagrada Família, Angelo Volnei Pasqual.
Sem obra, barranco virou área de risco
Mesmo que os moradores do loteamento Millenium, na região do bairro Parque Oásis, tenham conseguido verba para diversas demandas por meio do antigo OC, uma situação que se arrasta há anos tem preocupado boa parte deles: um barranco no final da Rua Remi Luís Lorandi, nas proximidades da Escola Municipal Zélia Rodrigues Furtado, não recebeu um muro de contenção e ameaça desabar a qualquer momento. O problema foi caracterizado por engenheiros da administração passada como uma área de risco.
— Todos os dias tenho medo que desabe e que leve minha casa junto. Nos dias de chuva, então, fico sempre atenta. A gente já comunicou a prefeitura, fez todas as solicitações necessárias, recebemos a visita de alguns técnicos, mas até hoje nada mudou. Eu espero que façam o muro antes que uma tragédia aconteça — relata Solange Mendes Cardozo, 44 anos, que desde 2005 reside numa casa erguida no topo do barranco.
O presidente do loteamento, Clóvis Barbosa, afirma que a situação piorou depois que a própria prefeitura autorizou a retirada de alguns metros de terra para aumentar a rua e possibilitar a construção de outras moradias. Para o representante da comunidade, a construção de um muro de contenção não precisaria passar por tanta formalidade.
— Não é algo que pode esperar até amanhã, entende? Isso já passou do prazo pra ser feito e tem colocado em risco a vida das pessoas que moram na encosta do barranco e na parte superior. Eu estive por diversas vezes na prefeitura, mas agora falam que o assunto só vai voltar para a pauta no ano que vem — desabafa Barbosa.
Além de lutar por uma solução para este caso, os moradores do Millenium também aguardam por uma reforma no centro comunitário, que até hoje não possui Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (PPCI) e a construção de um parquinho e de uma academia da melhor idade.
— Agora é esperar até que recomecem as reuniões para ver o que vão nos dizer. Já estamos perdendo a esperança — lamenta Barbosa.
Poeira sem fim no Santos Dumont
Quem mora na Rua Flávio Francisco Bellini, que dá acesso à BR-116 pelo bairro Santos Dumont, também sofre com o atraso na realização de obras do Orçamento Comunitário. Sem pavimentação desde que foi aberta há mais de 15 anos, a via é ponto de dois problemas pontuais: poeira no dias secos e lama quando chove. A prefeitura até fez algumas melhorias no trecho, há cerca de três anos, mas o projeto de pavimentação não saiu do papel. Com isso, os moradores são obrigados a viver com portas e janelas fechadas, principalmente, nos horários de maior fluxo de veículos.
Morador há mais de duas décadas do local, Carlos Martini, 55, já perdeu as contas de quantas vezes se deslocou até a prefeitura para pedir prioridade. Segundo ele, como a rua fica nas proximidades da empresa Madal Palfinger, muitos ônibus passam por ali.
— A melhoria que fizeram nos trouxe mais problemas, porque os veículos passam com mais velocidade e levantam muita poeira. No começo quando ia à prefeitura me diziam que não tinha dinheiro, agora, ninguém mais responde. É uma luta sem fim — desabafa.