A invasão de um terreno público no bairro Vila Nova III, em Bento Gonçalves, está perto de ganhar contornos dramáticos. Mesmo sem confirmar uma data, a prefeitura fará a reintegração de posse a qualquer momento. Muitos moradores da ocupação acreditam que a ordem da Justiça pode ser cumprida nesta segunda-feira, mas a Secretaria Municipal de Segurança Pública aguarda uma posição da Brigada Militar (BM), que trará reforços de outras cidades para apoiar o cumprimento do mandado.
A realidade por trás das nove famílias que ocuparam parte de um terreno público envolve um drama comum em muitas cidades do país: a falta de políticas sociais capazes de garantir o básico para uma pessoa viver com dignidade. Após anos aguardando por uma chance de conquistar a tão sonhada casa própria e, inclusive, inscritos em programas de habitação, os moradores afirmam que acabaram perdendo o emprego e ficaram sem condições de pagar um aluguel. Para piorar a situação, também não conseguiram vagas para os filhos pequenos em creches municipais. Por isso, optaram por ocupar uma área pública.
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A prefeitura, por sua vez, diz ter feito um levantamento e afirma que todas as famílias têm endereço fixo em outros locais e estariam se aproveitando da situação. São mais de 30 pessoas morando em casebres construídos às margens da Rua Arlindo Augusto Menegotto, no bairro Vila Nova III, há cerca de um mês. Elas se dizem marginalizas e esquecidas pelo poder público.
– Fomos abandonados. Nenhuma autoridade veio aqui conhecer a nossa história e saber os motivos que nos colocaram nesta situação. Muitos que estão aqui perderam o emprego por não terem com quem deixar as crianças. Ficamos endividados para dar o que comer aos nossos filhos. Mas ninguém olhou pra nossa necessidade, simplesmente nos querem longe daqui e gritam para a sociedade que somos bandidos – desabafa o autônomo Carlos Tabajara, 34 anos, que mora no local com a mulher e duas filhas pequenas.
Com o filho de cinco meses nos braços, Camila Maciel Cunha, 28, também lamenta a falta de apoio da prefeitura de Bento. Ela, assim como os outros moradores da ocupação, teme ficar na rua. Conforme a mulher, nos últimos meses ela e o marido não tinham mais condições de garantir o básico para os três filhos e por isso decidiram erguer uns pedaços de madeira no Vila Nova.
– Nós não tivemos outra opção: ou damos comida para as crianças ou pagamos o aluguel. Antes do meu filho nascer eu já fui em busca de uma vaga na creche, só que não consegui. E o que aconteceu? Eu perdi meu emprego, porque preciso cuidar dele. Querem nos tirar daqui mas não nos dão qualquer apoio. Nos tratam como animais – lamenta Camila.
As nove casas erguidas no terreno da prefeitura possuem um único cômodo. Numa delas vive Alessandra Alves D'Avila, 31, grávida de quatro meses, o marido dela, dois filhos adolescentes, duas cunhadas e uma sobrinha de três anos. Para sobreviver a precariedade do local, a família conta com a ajuda de algumas pessoas que se solidarizam com a situação.
– Tem uma vizinha que nos ajuda com água, luz e comida. Outras pessoas passam aqui e nos oferecem roupas. Por sorte ainda podemos contar com quem tem bom coração, já que na prefeitura falta um olhar mais humano sobre a nossa necessidade – afirma.
Prefeitura diz que famílias estão fora do caráter de urgência
A área ocupada pelos moradores está reservada para a construção de um loteamento popular. As famílias optaram pelo terreno da prefeitura após tentarem entrar num terreno particular ao lado, que havia sido invadido por dezenas de famílias dias antes. A invasão naquela área privada ainda é discutida na Justiça.
No dia 18 de agosto, a juíza Romani Terezinha Bortolas Dalcin, titular da 3ª vara Cível de Bento Gonçalves, concedeu a reintegração de posse do terreno onde moram as nove famílias após avaliar a documentação. A decisão acolhe o parecer do Ministério Público (MP). Conforme o procurador-geral do município, Sidgrei Spassini, as famílias que invadiram o local não se enquadram no caráter de urgência por uma moradia popular.
– Eles possuem endereço fixo em outro bairro da cidade. Não estão em situação de vulnerabilidade social e muitos apenas construíram a casa no terreno, mas nem dormem ali. Portanto, não estão em situação de vulnerabilidade e a prefeitura não tem condições de ajudar – declara Spassini.
As famílias dizem que apenas um morador da ocupação teria endereço fixo: o homem residia com a sogra em outro bairro e, por isso, foi pedido para que deixasse o local. No lugar dele, outra pessoa que não tinha onde morar foi acolhida.
– Há anos eu vivo sem teto. Agora vim morar aqui sozinho. Os outros moradores me ajudam, porque não tenho dinheiro nem para comer – conta Juliano Camiski, 26, que é portador de uma deficiência mental e também alega não receber apoio da prefeitura.
Além de Juliano, que precisa de cuidado especial, crianças e pessoas com problemas de saúde vivem em condições precárias na invasão. É o caso de Carmem Lúcia Santos Maciel, 56, que possui uma grave doença no coração.
– Pensa que a gente gosta de viver nesta situação? Não gostamos não. Mas é a única forma de sobrar dinheiro para comprar os remédios que são caros e poder ter comida no prato. Não conseguimos ter nada nesta vida, a única coisa que temos é nosso caráter. Não somos bandidos, somos pessoas do bem. Não estamos armados, como dizem por aí – desabafa a mulher.