Nesta semana, a equipe da Sociedade Amigos dos Animais (Soama) se desliga oficialmente da chácara onde estão 1,2 mil cães e gatos abandonados em Caxias do Sul. O trabalho voluntário completou 18 anos em 31 de agosto e foi interrompido após denúncias de supostos maus-tratos, que culminaram na redução de doações pela comunidade e um clima de tensão entre funcionários da chácara, mantida com verba de doações e da prefeitura.
A Soama, assim, decidiu entregar a chácara ao poder público. Segundo membros da associação, a situação tornou-se insustentável com a desconfiança da comunidade, considerada amiga e contribuinte da ONG até então. O documento que oficializou o repasse à prefeitura foi assinado na terça-feira pela representante legal da entidade, Dinamar Ozelame, e pela Secretaria do Meio Ambiente (Semma), atual gestora da entidade. Ainda que inexistam registros de confusão entre o município e a entidade, o período de transição desagrada a diretoria da Soama, que aponta promessas descumpridas e preocupação com o fato de uma prefeitura tomar conta de animais, "sem o mesmo carinho".
– Ao longo da história da causa animal, nunca foi positivo quando o poder público assumiu um abrigo de animais, mas foi o que tivemos que fazer. Estamos na torcida com o coração apertado – afirma a diretora de marketing da entidade, Natasha Ozelame.
Ainda que distante da chácara (os voluntários precisaram se retirar duas semanas após o anúncio de que Semma tomaria conta do espaço), a história da Soama seguirá vinculada à proteção animal caxiense. É o que garantem os integrantes, que apostam na conscientização da causa animal em ações para o próximo ano.
– Esperamos que o tempo mostre o quanto fomos injustiçados, cruelmente julgados e condenados, o quanto as pessoas foram insensíveis com gente que só queria fazer o bem, da melhor maneira que podia, de forma voluntária, por amor – destaca Natasha.
Pioneiro: Por que vocês se sentem injustiçados?
Natasha Ozelame: Todas as coisas legais que conquistamos para os animais e também para a sociedade sempre foram divulgadas pela imprensa. As mesmas fotos que usávamos para mostrar o quanto existem pessoas maldosas, e como os bichinhos chegavam até nós, são divulgadas nas redes sociais por pessoas mal intencionadas. Ninguém esperou uma resposta da Justiça. Tanto a imprensa quanto a sociedade acreditaram (nos maus-tratos). Simples assim. Não deram uma chance, um voto de confiança. Ninguém quis esperar para ver o que a Justiça apura. Tínhamos um veterinário, que escolheu trabalhar em um abrigo, que se doava de segunda a segunda, e acreditaram que ele era um monstro. Sério que era tão frágil a relação da Soama com a comunidade e com a imprensa?
Como a prefeitura lidou com as denúncias? Ofereceu ajuda, possibilidades?
Não ofereceram ajuda. Eu marquei uma reunião com a secretaria assim que a coisa começou a perder o controle. Disse que eles conheciam nosso trabalho, que sempre prestamos contas, que estávamos ok com a verba pública. Mas eles nos disseram que nada poderia ser feito por ser período eleitoral. Assumimos o trabalho deles com maior carinho e seriedade, e agora não podiam fazer nada? A gente entregou porque a situação estava insustentável. Os funcionários se voltaram contra nós, e a sociedade parou de nos ajudar.
Quais promessas não foram cumpridas pelo município?
Combinamos que ao longo dos meses seria feita a transição, e depois de alguns meses, eles assumiriam definitivamente. Não foi o que aconteceu. Depois de duas semanas, eles nos avisaram: vocês estão fora! As pessoas colocaram pressão no secretário para nos tirar de lá, e acho que ele cansou. Mas nos prometeram um plano de trabalho: como vai funcionar? Quem vai ser contratado? Vai ter centro de zoonose? Nós sabemos que eles ainda não estão preparados.
O que deve ser feito pelo poder público?
Eles precisam de organização, de um plano de trabalho. Quem cuidará da adoção? Quem atenderá o público, que horários, quais os critérios de adoção? É um canil público ou um espaço para cada ONG fazer o que quiser lá? Precisa de seriedade, é como se eles adotassem mil vidas.
O que falta entre as ONGs para que a causa animal evolua na cidade?
Respeito. Não precisamos ser melhores amigos, porque o foco são os animais. Mas se cada ONG respeitar a forma como cada uma trabalha, não é melhor para os animais? A PAC cuidava dos maus-tratos, a Soama administrava a chácara, a Amor Vira-Lata trabalhava com a castração. Os animais estavam bem. As ONGs nunca vão estar unidas. Atrás delas existem pessoas, e pessoas são difíceis. Reclamavam porque só a Soama tinha verba pública. Não queiram tirar a nossa verba, lutem pelo espaço de vocês.
A Soama continuará a se dedicar na causa animal?
São seis, sete pessoas ligadas à entidade. Ainda dói o coração, vamos dar um tempo para ele, mas ano que vem está pertinho. Vamos seguir com a educação nas escolas, com as mídias sociais para divulgar a causa dos animais. Ideias não faltam. A Soama continua, a turminha da Soama também. O coração da Soama era a chácara. Não é mais, e quem sabe o novo coração são os novos projetos.
Pode acontecer alguma parceria entre poder público e a Soama?
Não. No momento em que a Soama começou a receber verba pública, a cobrança começou a ficar pesada demais. Todo mundo tinha direito de se meter, de opinar como funcionaria. Uma ONG não deve depender de verba pública. Todo problema começa na sociedade: se cada um cuidasse do seu, não haveria animais na rua. Então, prefiro que a Soama busque a solução na sociedade, por meio da conscientização e despertando a compaixão.
O QUE DIZ A SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE
Em resposta às críticas da diretora de marketing da Soama, Natasha Oselame Valenti, o secretário de Meio Ambiente, Adivandro Rech, afirma que trabalha para agradar aos anseios da comunidade, e não diretamente de uma ONG. Sobre o período de transição ter sido abreviado, ele afirma que a prefeitura sentiu-se confortável para antecipar por ter entendido dominar o problema em menos tempo. Adivandro reitera que conta com o auxílio das entidades de proteção animal da cidade, e que a Soama é convidada a ajudar nas ações da chácara, bem como as demais.
– As adoções são feitas pelas entidades, que são quem tem experiência para isto. Só no último sábado foram oito – resume Adivandro.
Sobre a Soama, em linhas gerais, ele define como um "trabalho fantástico", e que o momento é de "passagem da chácara para a prefeitura".