Com creches fechadas em Caxias, pais deixam filhos sozinhos em casa para ir ao trabalho

Liliane Santos Pessoa, 27 anos, recebeu advertência do Conselho Tutelar por ter deixado os filhos sozinhos em casa, no bairro Vila Leon, em Caxias do Sul. Kauana, seis, cuidava de Vitória, quatro, e de Pedro Henrique, três, enquanto a mãe trabalhava. O caso chegou ao conhecimento do Conselho Tutelar (CT) no início da semana passada. A mulher admitiu ter arriscado por não ter outra opção. Assim como ela, outras famílias passam pelo mesmo problema.

OPINE: Com as escolas de educação infantil em férias, qual a alternativa que você adotou para cuidar dos filhos enquanto trabalha?

O fechamento das escolas municipais de educação infantil para férias de verão faz com que muitos pais deixem os filhos sozinhos em casa para ir ao trabalho. Somente na última semana, o CT Macrorregião Sul recebeu diversos relatos sobre crianças que passam o dia sem a supervisão de adultos. Sete famílias já foram notificadas.
O abandono temporário expõe meninos e meninas a acidentes domésticos e a outros riscos. Também reabre o debate sobre o recesso nas escolinhas previsto para acontecer em conferências estadual e interestadual entre março e abril.

As férias começaram no início de janeiro e prosseguem até 9 de fevereiro. Durante o período letivo, as direções das escolinhas informaram sobre o período de descanso para que as famílias pudessem buscar outros recursos. Muita gente, porém, não encontrou parentes ou conhecidos dispostos a ajudar. Como nem todos têm condições de pagar por uma escola privada, a saída tem sido deixá-los sozinhos, caso de Liliane. Ela só aceitou ter a história divulgada para sensibilizar autoridades por mudanças no calendário da rede ou propor alternativas para as famílias pobres. 

- Meu companheiro que ajudava foi embora de casa. Minha mãe cuidaria deles, mas não teve como fazer isso de última hora. Nenhum vizinho se dispôs a cuidar deles também. Estava ciente dos riscos, mas não tomei essa atitude porque eu quis. Ninguém me ajudou - desabafa a jovem.

A mulher ganha R$ 740 como auxiliar de limpeza em uma empresa que presta serviços para um órgão público. Além disso, recebe pensão de R$ 250 do pai de uma das filhas. Mas esse dinheiro é insuficiente para contratar serviços particulares _ um profissional pediu R$ 900 para cuidar dos três. Ela também disse que não saiu de férias no mesmo período da escola porque precisará se ausentar do trabalho, em breve, para uma cirurgia de Kauana. Uma amiga se dispôs a cuidar das crianças até o final do mês. Liliane ficou um pouco mais aliviada com a ajuda providencial.

Em Caxias, há casos de crianças com menos de 10 anos orientadas a cuidar dos irmãos menores, o que inclui dar comida, levar ao banheiro e outras tarefas. Esse tipo de atribuição é vedada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e se caracteriza como abandono de incapaz.

- É uma situação bem difícil. A criança jamais pode ficar sozinha por não ter responsabilidade, mas por outro lado o pai precisa trabalhar. Como uma mãe vai manter os filhos sem salário? - pondera a coordenadora do CT Sul, Janaína Gil.

A conselheira encaminhará um alerta ao Ministério Público (MP) e ao Conselho Municipal da Educação sobre a gravidade do problema. O recesso na educação infantil é aceita por um corrente de educadores e contestada por outra. Entre os defensores, a tese é de que toda criança tem direito de passar por período de férias com a família para fortalecer a convivência e reforçar a responsabilidade dos pais na educação. Por esse motivo, o fechamento temporário serviria para facilitar essa aproximação.
Mas há quem sugira a abertura durante o ano todo uma vez que nem todos os trabalhadores das grandes cidades podem curtir um descanso no mesmo calendário dos estabelecimentos educacionais. Contudo, esses estudiosos entendem que os familiares ficariam na obrigação de retirar as crianças para as férias de forma alternada.

- A prioridade é o direito das crianças de estarem com seus familiares. Tudo foi programado e os pais sabiam da parada. Infelizmente, temos essa situação de abandono. Isso não é exclusivo de Caxias e o tema será debatido nas conferências no Estado e interestaduais - reitera a secretária municipal da Educação, Marléa Ramos Alves.