Uma semana depois de participar do Fórum Internacional de Sustentabilidade, em Manaus, o ambientalista Jean-Michel Cousteau, que completará 72 anos no dia 6 de maio, atendeu o telefone em sua residência em Santa Barbara, Califórnia, para voltar a falar do Brasil.
- Tivemos uma bela conferência que ajudará a socorrer a Amazônia - declarou à Zero Hora.
Filho do célebre explorador francês Jacques Cousteau (1910 - 1997), ele é o mais recente conferencista confirmado na edição deste ano do Fronteiras do Pensamento, com palestra prevista para o dia 5 de julho. Nascido em Toulon, França, Cousteau subiu a bordo de um barco pela primeira vez aos sete anos, pela mão do pai. Fez os estudos secundários em seu país de origem, onde também formou-se em arquitetura em busca do sonho de construir "cidades submarinas". Sua vida foi marcada pela errância ao redor do globo em embarcações como o Calypso. Quando ZH lhe pergunta que língua ouve em seus sonhos, ele responde:
- Inglês e francês.
Cousteau é fundador e presidente da Ocean Futures, uma organização não-governamental dedicada a causas ecológicas.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Zero Hora - Quando criança, como o senhor via o trabalho do seu pai? Naquele tempo, para o senhor, vestir um equipamento de mergulho era um prazer, uma missão ou uma obrigação?
Jean-Michel Cousteau - Quando eu era menino, meu pai era desconhecido. Passávamos muitos meses por ano em barcos explorando o mundo. Somente mais tarde, quando me tornei um jovem adulto - aos 20, 21 anos -, me dei conta de que meu pai, Jacques Cousteau, era alguém diferente e começava a ser conhecido no mundo inteiro. Por isso, nunca sofri quando garoto pelo fato de ter um pai famoso. Simplesmente saíamos em expedição, eu e meus amigos, que continuam sendo meus amigos até hoje.
ZH - Em 1970, seu pai disse: "Os oceanos correm perigo de morrer". Qual seria o diagnóstico dele hoje?
Cousteau - Ele disse isso, e estava certo. Muitos oceanos hoje perderam seus recursos naturais, e muitos estão mortos. A proteção das regiões costeiras está sendo degradada ou destruída. Lamento que as pessoas não tenham pressionado contra isso e hoje nos demos conta de quanto dano tenha sido infligido e de quanto tenha sido perdido. Estamos tentando fazer tudo o que podemos para impedir isso e reparar parte do prejuízo.
ZH - Há um grande debate entre os cientistas sobre as dimensões do aquecimento global. Para muitos, tem havido exageros sobre o fenômeno. Qual é a sua opinião?
Cousteau - Durante milhões e milhões de anos, o planeta ficou mais frio ou mais quente. Estamos vivendo um momento em que, aparentemente, há uma grande mudança climática que normalmente levaria milhões de anos para se completar. As práticas dos seres humanos e a emissão de gás carbônico são responsáveis pela aceleração - e essa é a palavra-chave da minha posição - do processo. Em vez de se aquecer em milhares de anos, o planeta está se aquecendo em décadas. A razão disso é a nossa emissão de gás carbônico e a incapacidade da natureza de fazer frente a esse fenômeno - porque não pode fazê-lo. Somos responsáveis por isso, e temos de nos colocar outras questões. Estamos nos dando conta agora da nossa pequena capacidade de explorar os recursos naturais. Meu pai disse nas Nações Unidas, há muitos anos, que quando estivemos na Amazônia, no início dos anos 1980, as pessoas não pressionavam contra isso. Agora, estão começando a agir. Infelizmente, os cientistas que estão adotando uma posição negativa contribuem para retardar uma solução que teria de ser encontrada com rapidez.
ZH - Como o senhor vê a política ambiental do governo norte-americano? Houve avanços no governo Barack Obama?
Cousteau - Creio que o presidente Obama tem boas intenções, mas está sob muita pressão da comunidade empresarial, da indústria de petróleo como um todo e de políticos ligados a essa indústria. O presidente não é capaz de fazer tanto quanto, eu acredito, ele quis e quer fazer. Estou muito desapontado que ele tenha concordado em permitir perfurações de petróleo na Costa Leste dos Estados Unidos (Obama permitiu prospecção na costa da Virgínia, a primeira iniciativa desse tipo na Costa Leste em mais de 20 anos). Isso é tecnologia velha e colocará em risco a região costeira, porque os seres humanos cometem erros e acidentes podem ocorrer. Levaremos muito tempo até sermos capazes de prevenir esses erros, e então estaremos frente a um problema maior. As grandes companhias, incluindo a indústria petrolífera, deveriam ter como foco as fontes alternativas de energia, que são o futuro, e não a tecnologia do passado. Sabemos o quanto essa velha tecnologia é ruim e as consequências que trará. Precisamos de energia limpa. A energia nuclear representa uma transição muito mais eficiente e limpa do que o petróleo.
ZH - Seu balanço da Conferência de Copenhague, portanto, é negativo.
Cousteau - Sim, é negativo como um todo porque nenhuma das grandes potências tomou as decisões fortes que deveriam ser tomadas. Temos de mirar a próxima oportunidade, que será no México (a Cidade do México será a sede da Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas, de 29 de novembro a 10 de dezembro). O assunto não está morto, e sim muito vivo. Há muitas empresas em países como México e Brasil que estão fazendo coisas maravilhosas para fazer frente à mudança climática e proteger a Amazônia. Estamos vendo países tomar a frente nesse processo, e um deles é o Brasil.
ZH - Como países como o Brasil podem conciliar desenvolvimento e preocupações ambientais?
Cousteau - Acredito que isso é possível. Países como a Alemanha estão fazendo um trabalho muito bom nesse sentido. Creio que podemos melhorar e que vamos fazer isso nos próximos dois anos.
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