Uma pasta verde de papel com o distintivo da Chapecoense. Um microfone com a canopla da Fox. Uma Bíblia. Entre poltronas reviradas e ferros retorcidos, os objetos encravados na lama do Cerro Gordo, arredores de Medellín, são sinais esparsos de vidas que não existem mais.
O cheiro de combustível ainda é forte no local da tragédia, mais de 12 horas depois do acidente. Da aeronave, sobraram dois grandes pedaços – a parte central e uma das asas. O resto é escombro.
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Zero Hora chegou ao local do acidente, uma parte baixa entre vários cerros altos, às 17h20min (20h20min em Brasília). Anoitecia, e as equipes de salvamento foram substituídas por uma guarnição da Polícia Nacional. Para alcançar a clareira aberta pelo avião gasta-se uma hora de carro, a bordo de uma picape.
Depois, para continuar, só a pé. São mais 45 minutos de caminhada, no sobe e desce do terreno, em meio ao barro. Ao final do trajeto, uma última subida e a visão do horror à frente. Em uma baixada, a cerca de 100 metros, o branco do metal da cabine se destaca entre o verde da vegetação e a escuridão da lama.
Só chegando mais perto é que, aos poucos, identificamos o que era a parte maior do pedaço da cabine. É quando o cheiro de combustível se torna mais forte. Cinco militares da Polícia Nacional guardam os escombros, tentando manter à distância um grupo de curiosos, entre eles algumas crianças.
– Distância! Distância! Se chegarem perto, vou ser obrigado a usar gás – gritava um dos policiais.
Dada a dificuldade de acesso, é possível imaginar o drama enfrentado pelas equipes para resgatar os corpos das vítimas e fazer o traslado dos sobreviventes na madrugada. A cada 10 minutos, aviões comerciais voam baixo, indicando que, bem acima de nós, fica a rota de pouso no aeroporto de Medellín.
O avião com a delegação da Chapecoense estava a poucos minutos do destino.É esquadrinhando o lamaçal que nos confrontamos com os resquícios do que foram as vidas ali perdidas: a pasta verde, o microfone e a Bíblia... Um policial aponta para uma mochila aberta, onde está o passaporte de um dos passageiros.
Há roupas espalhadas pelo chão e um livro cujo titulo lê-se apenas Jesus, com capa plastificada.La Unión, zona urbana mais próxima do local da tragédia, fez jus ao nome nesta terça-feira que a Colômbia e o Brasil se uniram em um só choro. Uma rede de solidariedade se formou desde o início da madrugada no vilarejo. Moradores abriram suas residências para soldados que retornavam dos destroços. Concediam água, local de descanso e até comida.
Nas poucas casas entre o vilarejo e a clareira aberta pelo avião, quem tinha algum tipo de meio de transporte passou a auxiliar as equipes de salvamento. Os moradores, na maioria agricultores que cultivam flores e produzem leite, pegaram seus tratores, motocicletas e picapes para ajudar.
Moradora de povoado cedeu seu quintal para os primeiros socorros
Aldemar Cardona, 52 anos, sentiu tremer as paredes da casa, a cerca de 10 quilômetros do local da queda do avião. Na sequência, vieram as viaturas do corpo de bombeiros e ambulâncias.
Passaram-se 30 minutos, e ainda assim, mesmo com aquele movimento atípico, não sabia que sua casa viraria epicentro de equipes de resgate, policiais e jornalistas de várias partes do mundo. Só depois, perto da 1h da manhã (4h em Brasília), pelo rádio, é que ouviu as notícias.
– Estamos todos muito tristes – disse, com os olhos vermelhos de quem havia dormido pouco.
Alba Serna, 46 anos, mora bem ao lado da estrada de barro que se tornou a rota da salvação para poucos. Por ali, foram resgatados os primeiros sobreviventes. No fundo do seu quintal, onde Valentina, nove, Sofia, sete, e Juan Pablo, dois, costumam brincar no playground, foi erguida uma lona branca. As ambulâncias levaram para ali os feridos que, depois, eram deslocados para a Clínica San Juan de Díos, no vilarejo de Ceja, na descida para Medellín.
Produtora de hortênsias, Alba e o marido, Benicio Ocampo, 54 anos, tornaram-se voluntários no transporte até o local da queda. Foi na picape da família que chegamos até os destroços. Disposta a ajudar, ela também deu carona para policiais.
– É o mínimo que podemos fazer depois de tanta tristeza – resignou-se.
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