Empresas da Serra estão investindo em processos para dar destino aos resíduos industriais, o que é cada vez mais um desafio para a região. Desde junho, o Brasil tem a Estratégia Nacional de Economia Circular, que pretende redesenhar as cadeias produtivas e, na prática, evitar o desperdício em todas as áreas.
Mas as indústrias da Serra estão investindo em processos produtivos de economia circular e já há vários exemplos práticos acontecendo: uma casa inteira feita com tijolos de plástico, que pode ser montada em três dias; resíduos da fundição de peças que viram base asfáltica para as estradas; e utensílios domésticos, como saboneteiras e porta-escovas, que usam matéria-prima coletada em áreas litorâneas.
A arquiteta e especialista em economia circular Geovana Secco explica que o conceito vai contra a ideia tradicional da economia linear, em que se extrai, produz, consome e descarta.
– Na economia circular a gente pensa em trabalhar com fluxos de recursos circulares, onde a gente vai aplicando práticas como reparo, remanufatura, reuso e, lá no final, a reciclagem, para que esse material volte para uma cadeia produtiva, para a mesma ou outra cadeia – explica Geovana.
Assim, os produtos ficam em uso o maior tempo possível.
– Com isso a gente vai valorizando tanto aquela energia que está lá embutida, quanto os recursos. E nisso a gente não precisa extrair matérias-primas virgens para fazer novos produtos – complementa a especialista.
Casas com tijolos de plástico triturado
Dentro dessa ideia, a empresa Leve Blocos produz tijolos com plástico triturado, material que chega de indústrias de Caxias do Sul e da região.
– Nós aqui basicamente usamos material de descarte da indústria automobilística, de linha branca, de eletroeletrônicos e computadores – revela o engenheiro civil e empresário Leandro de Ross.
O plástico passa por injeção térmica e a montagem das paredes é feita por encaixe, sem o uso de cimento, água ou outros materiais de construção. De acordo com a empresa, casas construídas com os blocos de polímeros reciclados são entre 15% e 20%, em média, mais baratas do que as erguidas por sistemas tradicionais.
– A ideia é que a gente tenha um sistema construtivo muito preciso, muito durável, com baixíssima degradação ao longo da vida útil, promovendo conforto térmico, conforto acústico e com uma simplicidade de montagem muito grande – acrescenta Leandro de Ross.
Dentro desta linha de sustentabilidade, a empresa construiu um showroom totalmente feito com as peças modulares, no Pátio da Estação, no bairro São Pelegrino, em Caxias. Entre os dias 17 e 19 de setembro, o público foi, inclusive, convidado a visitar e, se quisesse, poderia até ajudar a montar a estrutura.
Desde sexta (20), o showroom está disponível para quem quiser conhecer e ter contato direto com o material.
Do forno para o asfalto
A região que se especializou em produzir peças também aprende a aproveitar ao máximo a matéria-prima. Além de reutilizar o chamado cavaco de fundição, derretendo e fazendo novas peças para a indústria automotiva, a empresa Castertech, de Caxias do Sul, está destinando areia de fundição como componente de base asfáltica das rodovias.
Diretor da empresa, Leandro Correa explica que as peças são fundidas a aproximadamente 1,5 mil graus centígrados. O metal líquido desse processo é colocado dentro de um molde de areia. O resíduo industrial substitui parte do pó de brita na camada que serve como estrutura nas rodovias, com ganhos econômicos e ambientais, acrescenta o engenheiro civil Roberto Manera, da Caxiense Fagundes.
– Esse resíduo acabaria indo para descarte em aterro, criando um passivo ambiental. A gente tem um ganho ambiental, uma vez que deixamos de utilizar o pó de brita, que é um material que seria extraído da jazida, e acaba reutilizando o material que seria descartado – diz Manera.
Conforme Correa, a destinação do resíduo faz parte do projeto Rota Verde:
– O projeto nos colocou numa missão de não gerar resíduos industriais até o ano de 2025. E é em busca dessa missão que nós estamos focados.
Das praias para as nossas casas
Mesmo depois de passar pelo consumidor, produtos podem voltar para a indústria e virar novos itens. Em Caxias do Sul, a empresa Brinox criou uma linha que usa plástico reciclado, com matéria-prima coletada em áreas situadas até 50km do mar.
A bióloga e consultora de sustentabilidade Victória Reolon de Mello explica que o processo evita que o material vá parar nos oceanos.
– A gente garante que esses resíduos vão retornar para a cadeia produtiva dentro da reciclagem. Então, é uma das maneiras também de a gente prevenir essa poluição – justifica Victória.
A indústria também faz o chamado reprocessamento interno de peças. Produtos com defeitos, que não passaram pelo teste de qualidade, são triturados e o material volta para a linha de produção.
– A gente consegue transformar ela numa outra peça, com o mesmo valor dentro da cadeia produtiva. Essa que é a ideia da economia circular: que a gente consiga manter o valor da matéria-prima, que não se torne resíduo e, sim, matéria-prima para produzir um novo produto. A gente consegue fechar o ciclo aqui dentro mesmo – finaliza.
Produtos precisam voltar para as fábricas
Na chamada engenharia reversa, os produtos são pensados para que possam voltar para as indústrias. É o caso das embalagens para alimentos feitas pela Galvanotek, empresa de Carlos Barbosa. Mais de 80% do que é produzido na fábrica usa material reciclado. O principal material usado é o PET, que pode ser reciclado infinitas vezes.
– Nosso grande objetivo para os próximos anos é que a embalagem que a gente está colocando para fora da fábrica retorne para dentro, é não deixar que ela vá para lixão, não deixar que vá para incinerador – comenta o diretor industrial da empresa, Márcio Bragagnolo.
A empresa conseguiu uma certificação da Anvisa e atualmente usa o plástico em camadas, como explica a designer e analista de Pesquisa e Desenvolvimento, Paula Bragagnolo.
– Por ser grau alimentício, a gente precisa que o plástico virgem esteja em contato com a comida, que é um plástico que nunca foi usado. A embalagem é composta por uma camada fina de plástico virgem, uma boa camada de plástico reciclado e uma outra camada de plástico virgem – explica Paula.
A tecnologia, de acordo com a analista, compete com processos de países como Japão, China e Alemanha.
– Nos torna completamente competitivo com o mercado brasileiro, que precisa também entrar na onda com a educação de saber o valor de cada produto, independentemente de quantas vezes a gente vai usar ele. A gente brinca aqui que embalagem é dinheiro, é ouro. Porque ela volta exatamente para ser uma matéria-prima que nós utilizamos aqui – conclui Paula.
Planejamento desde a concepção
Iniciativas que, aos poucos, entram na agenda empresarial da região, como lembra a diretora de ESG da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC Caxias), Fabiane Mafezzoni:
– É importante a gente começar a olhar para a engenharia, a olhar para os materiais que a gente tem, para os recursos também. Então, esses são os primeiros passos. O olhar que as indústrias têm que ter. Pensar o quanto esse produto vai ser usado, utilizado, e até quando eles vão conseguir produzir ou vender aquele produto.
Desde junho, o Brasil tem a Estratégia Nacional de Economia Circular, um decreto que pretende redesenhar as cadeias produtivas em todas as áreas do consumo, como explica a especialista no tema Geovana Secco.
– O conceito de economia circular só vai efetivar esse modelo se a gente pensar os produtos lá no início, desde o design e da concepção, porque não adianta a gente praticar, tentar praticar o reuso ou reparo, se os produtos não foram feitos para isso, para ter uma fácil desmontagem, para ter peças acessíveis, para ter uma modularidade que fique viável aplicar isso – exemplifica Geovana.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos prevê a responsabilidade compartilhada, como lembra a bióloga e consultora Victória Reolon de Mello.
– A indústria tem sua responsabilidade por colocar esse produto no mercado e o consumidor que compra esse produto é responsável pela destinação adequada também. A economia circular vem como uma visão sistêmica e holística para esses problemas que nós viemos enfrentando mundialmente. Então, reciclagem, poluição, desafios com mudanças climáticas, tudo isso está relacionado de uma maneira ou outra – conclui Victória.