A agricultura é um dos setores mais prejudicados pela chuva que atingiu o Estado em maio. Na Serra, conforme apurado pela reportagem, a soma das perdas é de pelo menos R$ 485,5 milhões. O número, porém, deve ser bem maior. A quantia é uma soma de 11 municípios que divulgaram dados preliminares. Conforme o último decreto do Estado, publicado em 22 de maio, são seis cidades da Serra em estado de calamidade e outras 36 em situação de emergência. Das 49 da região, 42 estão com problemas causados pelo fenômeno climático. Ou seja, outras 31 ainda podem ter prejuízos no setor.
Aquela com maiores perdas é São Francisco de Paula. De acordo com a prefeitura, os danos em plantações de milho, soja, batata inglesa, maçã, uva, na olericultura e hortaliças alcançam o valor de R$ 233 milhões - estão incluídos perdas na pecuária e silvicultura. A administração calcula que a maior parte das culturas perde quase 50% da produção. Logo depois aparece a maior cidade da Serra, Caxias do Sul.
Os estragos nas produções de grãos, olerícolas, frutas e infraestrutura do campo chegam a R$ 85 milhões. Os danos foram registrados em Vila Cristina, Santa Lúcia do Piaí, Vila Oliva e na comunidade Menino Deus, em Forqueta. Nesta última, uma vinícola também foi prejudicada por deslizamentos de terra. Já no início de maio, a Casa Onzi perdeu o prédio, parte das parreiras e 50 mil litros de vinho. O negócio teve que deixar de operar no endereço que estava há 24 anos. De acordo com o proprietário, Ismael Onzi, as perdas ficam em torno de R$ 1,5 milhão.
— Além da empresa, tínhamos mais duas moradias, em que habitavam meu pai, minha mãe, minha irmã, cunhado e sobrinho. Lá não voltamos a habitar as moradias porque ainda tem risco, vamos precisar de avaliação de geólogos. A empresa, como caiu uma das paredes, cedeu toda a construção — relata Onzi, lembrando que o prédio, que é uma vinícola de pedra, terá que ser destruído.
Sem desanimar
A família, que trabalha há oito décadas com uva, também perdeu parte de uma plantação de kiwi, que é uma nova aposta dos negócios. A plantação em uma área de 1,5 hectare tinha começado com mudas italianas, geneticamente mais resistentes a doenças como fungos. Onzi acredita que 40% pode ter sido perdido. Mesmo o que for salvo terá que ser plantado em outro lugar neste momento.
— A estrutura toda de postes e arames caiu no chão, mas muitas mudas a gente vai conseguir salvar — conta Onzi.
Mesmo com os contratempos, Onzi diz que aos poucos a família se reorganiza. O varejo e a vinícola, que produz vinhos de mesa, finos, suco de uva e espumantes, estão sendo transferidos a uma nova área, também em Forqueta. Alguns itens são reaproveitados, como os tanques de armazenamento.
— Devagarinho dá. Conseguimos seguir trabalhando. Não precisamos nos vitimizar. Vamos continuar trabalhando — promete o proprietário.
Vizinha da vinícola, Benardete Onsi, que é presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caxias, contabiliza que pode ter perdido 10 hectares de parreiras. Ela também teve que deixar a própria residência. Pela entidade, chegam relatos de muitos produtores que perderam o solo para plantio. A principal dificuldade do momento, como explica Benardete, são os acessos às propriedades e até mesmo dentro das plantações.
O sindicato, ao lado do município, está fazendo levantamentos e coletando o que os produtores precisam, em ações ou maquinários. Benardete analisa, porém, que o impacto ainda poderá ser sentido nas próximas safras:
— Tu perdeu o parreiral, tu perdeu a produção para o próximo ano. Se tu vai colocar a parreira de novo, até tu ter um retorno é de três a quatro anos para ter um retorno de uma produção boa para poder vender e ter um recurso.
Situação preocupante pela Serra
Outros municípios passam pela mesma situação. Em Bento Gonçalves, o produtor Márcio Concli, da comunidade São Luiz, está há mais de 30 dias sem água e energia. Como a propriedade de 15 hectares está sem acesso, Concli não está conseguindo colher as variedades precoces de laranja e bergamota. Nas últimas safras, sem danos como esse, a colheita total rendia cerca de 500 toneladas. Para este ano, obviamente, o número vai reduzir.
— O chão está amarelo de fruta caindo. Eu nem sei o que dizer, mas caiu bastante. Desde o dia 1º, dia 2, eu tinha começado a colher um pouco. As precoces era para ter colhido tudo já — lamenta o produtor.
Conforme dados preliminares da Emater, o prejuízo em Bento, só tratando de produção, chega a quase R$ 50 milhões. O chefe do escritório local, Thompson Didoné, prevê que o número deve aumentar. As principais perdas são em laranja e bergamota, que são perdidas pela falta de acesso às áreas.
Já em Farroupilha, os danos em infraestrutura e produção chegam a R$ 25 milhões, conforme levantamento da Emater e Sindicato dos Agricultores Familiares de Farroupilha (Sintrafar). O presidente da entidade, Márcio Ferrari, comenta que a recuperação da infraestrutura depende de ações do poder público. Já para a produção é necessário dias secos para uma melhor avaliação.
— Os terrenos levados vai depender se é possível voltar a usar essas áreas devido à instabilidade do solo. Muitos fatores vão influenciar na recuperação — esclarece Ferrari.
Os prejuízos já divulgados
Conforme a Confederação Nacional de Municípios (CNM), o prejuízo na agricultura em todo o Estado já contabiliza R$ 3,1 bilhões. Na Serra, a reportagem levanta os municípios que divulgaram publicamente os danos durante o mês de maio. Os valores ainda podem ser alterados.
- São Francisco de Paula: R$ 233 milhões
- Caxias do Sul: R$ 85 milhões
- Bento Gonçalves: R$ 50 milhões
- Veranópolis: R$ 32 milhões
- Farroupilha: R$ 25 milhões
- Gramado: R$ 20 milhões
- Flores da Cunha: R$ 17,5 milhões
- Nova Petrópolis: R$ 15,8 milhões
- Vila Flores: R$ 3,4 milhões
- Canela: R$ 2,4 milhões
- Nova Pádua: R$ 1,4 milhão