O grande volume de chuva que atinge a Serra desde setembro causará uma quebra nesta safra da uva. Ainda não há uma projeção sobre qual deve ser a queda, mas produtores estimam perdas entre 30% e 50%, de acordo com a Secretaria Municipal da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Smapa) de Caxias do Sul. Como percebe o secretário Rudimar Menegotto, que visitou agricultores, além de o clima atrapalhar no ciclo da uva, o surgimento de doenças por conta da umidade também prejudicou a produção.
— O problema maior estava nas precoces, só que agora também está aparecendo nas tardias. Então, ainda é muito difícil afirmar que vamos ter um prejuízo de 20%, 30%, 40%... Mas, sabemos que as precoces já têm uma perda considerável. Conforme a região, perdas maiores e menores. (Para) As tardias também se desenha diminuição de safra. Mas ainda é difícil dar percentual — confirma o secretário.
O pesquisador e doutor em Viticultura e Inovação Leonardo Cury explica que os eventos climáticos que prejudicam a safra são causados pelo fenômeno Super El Niño. Enquanto o Rio Grande do Sul sofre com as fortes chuvas, há regiões do país que agonizam com temperaturas elevadas, acima de 40°C.
— Estamos vivendo eventos climáticos extremos, que vão prejudicar e vão prejudicar muito. Então, quem não perdeu com a geada tardia, perdeu com granizo, porque granizo é um outro evento extremo que está sendo recorrente durante a safra — descreve o pesquisador, que também é professor no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS).
Já o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Henrique Pessoa dos Santos observa que as últimas três safras, que tiveram resultados celebrados, estavam em um cenário atípico em relação ao clima.
— Aqui na nossa região da Serra, que é uma das principais regiões vitícolas do Brasil, o normal é chuvoso. É raro as situações que aconteceram como estes últimos três anos passados — analisa o pesquisador.
Trabalhando com as perdas
Na localidade de Caravaggio da 3ª Légua, o produtor Valdir Dallegrave, 55 anos, relata que já nota uma quebra de 30% a 40% na variedade niágara, que está no ciclo da colheita. O maior problema enfrentado por Dallegrave é a umidade, que gerou também doenças nas parreiras. Além disso, a planta teve pouco contato com o sol por causa dos constantes dias de chuva.
— A questão é que, após a poda, praticamente no final de agosto e início de setembro, ela (a planta) começou na brotação já com umidade e praticamente segue até agora, com poucos dias de sol — descreve Dallegrave, lembrando que a umidade atrapalhou nas outras etapas, como na floração e crescimento dos bagos da fruta.
Na mesma região, em Caxias, Valmir Tisatto, 62, passa por problema semelhante. O produtor conta que precisou gastar o dobro em fungicidas e no tratamento das parreiras, mas ainda assim terá uma quebra na safra. O produtor ainda faz o levantamento de qual será a redução na produção, que costuma ser vendida para Porto Alegre.
— Não dá tempo de tratar que já está chovendo em cima de novo. Vários tratamentos começamos a pulverizar e, terminando, começa a chover. E não é chuvinha, é chuva de balde — lamenta Tisatto.
Efeitos começaram no ciclo passado
Santos lembra que, além da chuva, a safra sofre com impacto do ciclo passado, quando uma das dificuldades foram as geadas tardias em outubro e novembro. Explica que esses eventos, também ligados ao aquecimento global, atrapalharam na fertilidade das gemas (de onde sairá o fruto) nesta safra. Além disso, a brotação da planta foi prejudicada por um inverno irregular em 2023.
— O que é a fertilidade de gemas? É na brotação que sai no ciclo seguinte, em ter ou não cachos (na planta). Então, impactou negativamente essas geadas tardias, reduzindo o número de ramos, de novas brotações com cachos — esclarece o pesquisador, relatando que os Campos de Cima da Serra foram bastante afetados. Em visita a parreirais, foram notadas plantas sem cachos.
Quando se trata das chuvas, Santos lembra que o volume e a época são dois fatores que prejudicaram a safra. Em questão de volume, o pesquisador demonstra como, entre setembro e novembro, a média foi quase três vezes acima da média histórica:
2023 x média histórica de chuvas
- Setembro: 427mm x 185mm
- Outubro: 232mm x 156mm
- Novembro: 325mm x 140mm
— Sempre quando ocorre chuva durante o florescimento ou no momento do florescimento, aquele potencial de bagas por cacho já cai, porque existe um abortamento da flor. Além da chuva, tem a questão da queda de temperatura pós-chuva. Qualquer temperatura abaixo de 15°C, ou próximo de 10°C, impacta negativamente na polinização da videira e isso reduz o número de bagas por cacho. Além de ter um número de cachos por planta, os cachos ainda tiveram esse impacto de chuvas no florescimento, o que reduz o número de bagas por cacho — explica o pesquisador.
Impacto na qualidade
Com projeção de temperaturas altas em janeiro e fevereiro, e novamente mais chuva, Santos explica que a maturação da uva pode ser impactada. É a última etapa antes da colheita, quando afeta geralmente a qualidade da fruta. Um dos problemas neste cenário é a redução das horas de sol para a planta.
— No período de maturação, horas de sol é importantíssimo para a síntese de açúcares, acúmulo de açúcar. E também a incidência da radiação solar diretamente na uva estimula a síntese de pigmentos e síntese de aromas. Então, se nós vamos ter um prognóstico de chuva acima da média, essas condições tendem a ser reduzidas. Já podemos mais ou menos estimar que também haverá impactos negativos no aspecto de qualidade enológica para esta safra de 2024 — diz Santos, observando a qualidade para produção de vinhos.
Cuidados e pesquisas
Os efeitos do aquecimento global tornam-se uma preocupação para o setor em todo o mundo. No último novembro, Leonardo Cury participou do Enoconexão, evento em São Paulo que reuniu ainda pesquisadores de países como Chile e Espanha. O tema central foi a mudança climática e como isso impacta na produção da uva. No encontro, o professor viu reforçar o conceito de que o mundo passa por adaptação para lidar com essa consequência. O objetivo é repassar essas informações aos produtores.
— Uma das ações é o Instituto Federal junto com Embrapa se unir para tentar algo, para que chegue essa informação (ao produtor) e que se consiga estudar com mais eficiência esse tipo de situação — destaca Cury.
Um exemplo da adaptação ao redor do mundo é a colheita no inverno. Cury coordena este trabalho em regiões mais quentes do Brasil, como Brasília e Minas Gerais. O pesquisador esteve recentemente nas Ilhas Canárias, na Espanha, onde também estão começando a utilizar a estratégia.
— Não é porque é modismo ou apelo comercial para vender o vinho de inverno. Não. É que o verão deles é impossível. Imagina você colher a 42 graus ou 45 graus. A planta para, ela não consegue maturar. Fica uma uva extremamente doce, vai ter muito álcool, com um desequilíbrio ácido total. A maturação do cor e aroma você nunca consegue alcançar, então o que o pessoal está fazendo? Está invertendo o ciclo. Ou seja, está enganando a planta para que produza no inverno, numa situação um pouco mais favorável à maturação — revela o pesquisador.
Já Henrique Pessoa dos Santos, da Embrapa, lembra de cuidados que o produtor pode seguir nesta safra, especialmente num momento de pré-maturação. Entre eles está a orientação de realizar a poda verde, onde os ramos em excesso são retirados e dão mais espaço para radiação solar e ventilação nos cachos.
— Quando combinado com essa questão de excesso de chuva e muito vigor que as plantas estão apresentando, ou seja, excesso de brotação, a chance do cacho estar atrás de uma folha ou atrás de uma barreira física (é grande). Quando for feito um tratamento, a eficiência desse tratamento não é completa, não é alta. Ele acaba também comprometendo ou criando, as vezes, condições para essas doenças ganharem a a batalha. Então, é importante investir em poda verde, para que se tenha vantagens microclimáticas — aconselha o pesquisador.