Objetos que lembram memórias, afetos, vivências. A saudade de tempos já vividos. A busca por antiquários, sebos e colecionadores que vendem itens antigos permite uma verdadeira viagem ao tempo para os amantes das antiguidades em lojas especializadas de Caxias do Sul e outros municípios da Serra. Livros, revistas, vinis, CDs, fitas cassetes, móveis, brinquedos, artigos de decoração. As mais variadas formas de lembrar uma infância passada ou os ancestrais que já partiram.
Um dos consumidores de arte e cultura, Ademar Sebben avalia que a busca por itens do passado não é uma questão de nostalgia, mas, sim, para alimentar uma memória. Além disso, Sebben acredita que as coleções são patrimônio histórico, cultural e também econômico.
— Se tu é colecionador de livros, de vinil, de peças antigas, o que tu estás cultivando? Está cultivando uma memória que, se ela não é a tua memória, é a memória de antepassados, de ancestrais. Outra coisa que tem de ser levada em conta é que, geralmente, as coleções adquirem uma personalidade que corresponde ao colecionador — comenta Sebben.
Já na visão do empresário Fernando Berti Rodrigues, a efemeridade das coisas da vida está fazendo com que aumente o desejo por itens do passado.
— Como está tudo muito superficial, tudo muito rápido, as pessoas sentem necessidade de buscar algo mais sedimentado, algo que tenha a ver com seu passado, que tenha mais representatividade para si e para os outros. Quanto mais rápida ficam as coisas, mais surge a necessidade de identificação com as tuas coisas — analisa Rodrigues.
Conforme a Receita Federal de Caxias do Sul, há somente oito CNPJs abertos em relação a antiquários, sendo cinco em Caxias, dois em Farroupilha e um em Flores da Cunha. Já em relação a sebos, não é possível definir exatamente quantos CNPJs estão ativos, entretanto, podem estar dentro do ramo de livrarias, a qual tem 68 CNPJs ativos na região, sendo 56 em Caxias, seis em Farroupilha, três em Flores e um em Antônio Prado, Nova Roma do Sul e São Marcos cada.
“É uma bactéria sem remédio”
“É uma bactéria sem remédio.” É assim que o colecionador Renato Franco explica como o gosto por itens antigos está indo para a terceira geração na família Franco. Mais de 50 anos se passaram desde que o colecionador começou a buscar itens antigos. Como ele diz, “colecionador e admirador do belo e da arte”. Placas, esculturas, pratarias e móveis. Foram tantos artigos, que logo já tinha sido necessária uma casa inteira apenas para guardar as coleções.
A partir daí, começou a comercializar, o que já faz, também, há cinco décadas.
— Eu já tinha uma casa abarrotada de coisa, era uma bronca dentro de casa por causa daquilo. O passado está presente. O passado é o presente e o futuro. A nossa missão é resgatar o passado, tornar o passado presente — comenta Franco.
Entre os itens raros do colecionador, está uma espada da guarda pessoal de Dom Pedro, do tempo do império.
— Essa, pra comprar, foi difícil. Foi um sufoco. Quando a pessoa não quer vender, a gente não dorme de noite, fica sonhando com a peça. Vem uma frustração — brinca, falando sério, o homem.
O vício do pai passou para o filho, Jonathan, que há 20 anos tem o antiquário. Em um pavilhão, na Rua Ângelo Chiarello, Jonathan tem quatro salas com tudo que alguém pode imaginar das décadas e séculos passados. Geladeira, bicicleta, brinquedos, objetos de decoração, vinis, aparelhos de som — rádio, vitrola, eletrola.
— Eu iniciei com automóveis antigos, depois eu comecei a comercializar as peças de automóveis antigos e eu passei a adquirir algumas peças para mim. Comecei a comprar, comprar, comprar, diversas peças começaram a repetir, começou a ficar grande o estoque, não tinha mais espaço e comecei a vender as peças. E assim virou um comércio — conta Jonathan.
Apesar da repetição de itens não parecer ser algo atrativo, Jonathan adquire mesmo assim itens que já possa ter, principalmente aqueles que têm saída. A faixa de preço do local é de R$ 1 a R$ 200 mil.
Atualmente, o acervo de Renato e de Jonathan ficam no mesmo espaço e o cliente pode conferir com atendimento com horário marcado. E também com as feiras realizadas. A próxima ocorrerá entre os dias 6 e 8 de outubro, alusiva ao Dia das Crianças, com o tema do Fofão, o bochechudo do Balão Mágico.
Assim como Jonathan adotou a paixão do pai, o neto de Renato já garante a terceira geração de colecionadores. Iricy, 12 anos, tem coleção de bicicletas e já vende seus itens também. A alegria de Renato, que vê o legado tendo continuidade.
A antiguidade é o negócio da família Franco
Também filho de Renato, Abba Franco abriu seu antiquário há seis anos. Ele conta que a venda de itens de coleção começou como uma brincadeira, em 2010, que ficavam em uma “pecinha da casa”, pela internet.
— Depois começou a sala, peguei um quarto, até que surgiu a ideia de montar o Armazém. Hoje, o espaço físico tem seis anos e antes a gente trabalhava mais com internet e os objetos dentro de casa — explica Abba.
Com faixa de preço de R$ 1 a R$ 6 mil, Abba garante que o local é para atender todo tipo de cliente e que ninguém sai com a mão abanando. O que chama atenção, logo que a pessoa entra no local, é a coleção de prataria feita pela empresa caxiense Eberle.
— Um senhor teve 50 anos de Eberle e, através de uma indicação, eu acabei garimpando. Era uma casa que estava fechada há cinco anos. A gente ficou três anos garimpando lá — diz Abba, que entre os itens garimpados, tem talheres da Disney, que fizeram parte do desfile da Festa da Uva de 1978.
O Armazém da Velharia abre das 9h às 12h e das 13h30min às 18h, de segunda a sábado, com opção também de agendar uma visita em outros horários. Assim como Iricy, o também neto de Ricardo e filho de Abba, Bernardo, com apenas dois anos, já tem uma coleção de Fofão.
— Eu amo o meu trabalho. É muito importante o meu papel. Eu estou sempre trazendo novidades para voltar essa questão da nostalgia. Não apagar as peças do passado, eu estou resgatando memórias — garante Abba.
Para o colecionador, não tem nada mais especial do que ver um cliente emocionado ao encontrar um objeto que remeta ao passado e a boas lembranças.
— Muitos comentam "bah, esse rádio o meu pai tinha, vou levar porque me traz a lembrança". É um papel bem bacana tu resgatar memórias, uma peça que tu estás resgatando e passando uma memória afetiva para o teu cliente.
Apenas leitura é só o nome
O nome é Só Ler, mas os sebos na Avenida Júlio de Castilhos e Rua Sinimbu reúnem muito mais que apenas itens de leitura, como revistas e livros. Vinis, CDs, fitas cassetes. O local, em Caxias, completa 20 anos no ano que vem. O gerente, Edcarlos Nardelli, explica que o sebo começou em Santa Catarina, migrando para Curitiba, Porto Alegre, São Leopoldo e Novo Hamburgo, finalizando a expansão em Caxias.
— Começou com revista, o livro veio depois. O vinil sempre teve uma procura, mas uma faixa de procura que seria o rock, MPB e gauchesco alguma coisinha. Quando a gente começou, a gente vendia um Iron (Maiden), por exemplo, por R$ 5, hoje é vendido por R$ 70 a R$ 150. Uma que ele sumiu do mercado e quem tem não se desfaz. E o rock começou a valorizar — comenta Nardelli.
Entre os artigos raros à disposição dos clientes está uma Bíblia, em alemão, datada de 1732. Já nos vinis, clássicos dos Beatles, Elvis Presley, Elis Regina e Legião Urbana.
— Temos o cartão fidelidade, que foram dois anos de estudo, porque a gente queria tentar fazer o cliente fidelizar na loja. Qualquer desconto não surte efeito. 20% é um desconto muito bom. Então foi uma forma de segurar o cliente e dar um benefício. Foi o que alavancou a loja, faz uns três anos que a gente implantou isso — diz o gerente.
O primeiro sebo do Nordeste do Rio Grande do Sul
Fernando Berti Rodrigues, proprietário da Colecionador, nem sabia o que era sebo em 1989. Sabia que tinha um comércio de itens usados nas capitais.
— A gente não abriu com a ideia de um sebo, depois, mais adiante, que a gente ficou sabendo que existia essa característica de comércio. Foi algo intuitivo nosso. Na época nós trabalhávamos muito com revistas, quadrinhos, gibis, e depois que a gente foi ampliando para livros e outras áreas. Hoje em dia com CDs, DVDs, LPs — relata Rodrigues.
Ele considera que iniciou como uma banca de revistas e, aproveitando oportunidades, além da visão comercial, conseguiu mudar a forma do negócio. Hoje, são 40 mil títulos de livros, entre 30 mil e 40 mil vinis e de 15 mil a 20 mil CD.
— Tem o público que está procurando algo diferente. Que não tem mais no mercado. Isso é muito diversificado, porque vai muito do gosto individual de cada pessoa. Tem pais e mães que querem dar pro filho o que leram quando eram crianças e não tem mais no mercado, então eles vêm no sebo para ver se acham os livros que eles liam na época, que foram marcantes para eles passarem para os filhos. Tem aquele pessoal que procura livros mais raros, que não têm mais reedição e na área de quadrinhos aí é mais vasto, porque as edições se esgotam, então tem os colecionadores, o pessoal que curte. A coleção do Super Homem, do Batman, do Homem Aranha ou da Turma da Mônica e querem completar, então eles procuram — destaca Rodrigues.
Outra procura que o proprietário destaca é a de pessoas que estão em gincanas, com a tarefa de encontrar produtos raros. Estes, inclusive, com sessão específica para os livros: um de Roma, de 1700, outros que datam 1800. Até uma edição do Dom Quixote, escrita em português de Portugal pela primeira vez, está no acerto. E os jogos de tabuleiros também estão presentes nas prateleiras do estabelecimento da Rua Pinheiro Machado.
— As pessoas estão procurando atividades que tirem as crianças das telas, que interaja com o outro. Jogos cooperativos e competitivos. Nunca teve tão emergente como hoje, essa necessidade de tu achar alguma graça, alguma coisa que tu tire as pessoas desse universo das telas e tu redescobrir que tu pode ter tanta alegria, tanta felicidade e envolvimento sem necessariamente estar em uma tela — analisa o dono da Colecionador.
Nos dois andares de loja, entre os livros, também é possível encontrar vinis de todos os gêneros, uma preferência pessoal de Fernando Berti Rodrigues quando o assunto é modo de escutar música:
— O pessoal que é mais saudosista curte os LPs originais porque hoje em dia é completamente diferente, são todos comprimidos. Eu sou um que noto muita diferença, é completamente diferente a qualidade do som. E tem também a questão do ter, que é insubstituível.
Vinis em todos os cômodos da casa
Quem conquista a intimidade de Gilmar Francisco dos Santos é convidado a desbravar a casa do colecionador na Rua Sinimbu, com a necessidade de atenção para não tropeçar nas pilhas de vinis. O que um dia foi uma sala, na entrada da casa, hoje é onde concentra, em caixotes, os maiores desejos dos clientes. Rock, MPB, promoções. Até o interior de uma lareira, logicamente inutilizada, é espaço para guardar os discos. Seguindo pelo corredor da casa, outras peças têm pilhas de vinis até o teto, literalmente. É possível encontrar até mesmo na cozinha e no quarto do casal. Santos ri toda vez que se dá conta.
— Eu sempre gostei de antiguidade, aí o pessoal chegava aqui e me perguntava se eu não tinha disco, aparelho de som, então o pessoal me cobrava, me pedia essas coisas e eu precisava vender, então comecei a correr atrás disso. Comecei a procurar, a falar com o pessoal e começaram a me trazer algumas coisas — fala o colecionador.
Os garimpos são feitos com conhecidos, em viagens, ligações para todo o Brasil. Haja serviço de entrega. Nos lamentos, o fato de ter descartado os discos quando deixaram de ser produzidos, com o avanço para o CD.
— Tem muita gente que colocou fora, eu fui um que tinha muito disco há 20, 30 anos e botei fora porque entrou o CD e hoje estou indo atrás pra comprar.
O acervo de Santos conta com uma coleção de 40 mil a 50 mil discos de todos os cantores e bandas imagináveis e inimagináveis. Das mais procuradas, Pink Floyd, AC/DC, Metallica, Rita Lee, Gal Costa e Gilberto Gil.
— A juventude voltou a buscar discos. Hoje, meu público são as pessoas mais jovens — informa Santos.
Com 10 anos no ramo, uma história é inesquecível:
— Vi um senhor uma vez que se emocionou ao pegar um LP. Ele veio chorando e eu até perguntei se tinha feito algo de errado. Ele disse que se lembrou da época do pai e da mãe dele.
Entre o pó e a madeira, móveis com histórias
Restauração e transformação. Interferências para impedir que o tempo comprometa o móvel. Um objeto que vira outro – como um guarda-roupa que virou cristaleira. Entre o pó, a madeira e o maquinário, está Mário Mello, que completa 69 anos no final de setembro. Destas quase sete décadas de vida, 59 anos estão na marcenaria.
Mello herdou a profissão do pai. Começou, aos 10 anos, a ajudar o genitor lixando e preparando os móveis para o trabalho que estava para começar.
— Naquele tempo a gurizada ajudava em casa, todo mundo saía para trabalhar, para lixar, lustrar, para passar a primeira mão para depois dar o acabamento. Conheço tudo de Caxias. Nesses edifícios do Centro e da Praça (Dante), eu trabalhei em todos. Naquele tempo os marceneiros levavam maquinário nos prédios. Quando saiu aquela moda de armário embutido, todos os prédios tinham. Eles faziam no local e a gente fazia o lustro — compartilha Mello.
Após tantos anos restaurando e salvando a história dos móveis de diversas famílias caxienses – e também de outras áreas do Brasil, incluindo Recife -, Mello vai parar as atividades. O marceneiro não está mais aceitando pedidos e encerrará a restauradora em dezembro.
— O nosso ramo, graças a Deus, nunca faltou. Por motivos pessoais, preciso parar. Cuidar dos bichos, criar uns peixes, na minha chácara — acrescenta Mello.
A forma como Mário Mello resume as décadas de serviço é: lidou muito com o sentimento das pessoas. No galpão, localizado na Rua Treze de Maio, móveis de madeiras que não são mais produzidas, eletrolas. Há até uma cadeira da primeira Festa da Uva, em 1931.
— Tem muitas peças que a gente fica até emocionado quando faz — garante Mello, enquanto observa orgulhoso o serviço que tem pelos próximos três meses e meio.
De volta para o passado
Se antes as pessoas queriam "voltar para o futuro", agora é ao contrário. E para quem quer voltar para os anos das festinhas na garagem, o empresário Marcelo Franschini tem buscado, nas noites caxienses, permitir essa viagem ao tempo. Na Avenida Rossetti, o Flashback 80's Bar é decorado com toca discos, máquinas de escrever, vinis, jukebox e fliperama.
— A gente anda em um mundo tumultuado e todo mundo quer uma válvula de escape. Estamos procurando trazer a galera daquela época para fazer um som, mostrar o trabalho deles para o pessoal. A juventude também está vindo, tiram fotos nas máquinas de escrever, perguntam como é que a gente fazia naquela época — relata Franschini.
A proposta do bar é de um pub com uma pista de dança para quem se empolgar com a trilha sonora. O funcionamento é de quarta-feira a domingo, das 17h às 24h nos dias de semana e domingos e das 17h às 3h aos sábados.
— A ideia é o pessoal chegar, curtir, comer um lanchezinho, tomar alguma bebidinha, sem muito estresse.
No cardápio, petiscos e hambúrgueres estão à disposição, assim como bebidas alcoólicas e não alcoólicas.
Conheça os locais citados pela reportagem
Jonathan Franco Antiguidades: Rua Ângelo Chiarello, 3.374 - Pio X
Armazém da Velharia: Rua Raimundo Tronchini, 756 – Rio Branco
Sebo Só Ler: Avenida Júlio de Castilho, 1.392 e Rua Sinimbu, 2.150 - ambas no Centro
Colecionador: Rua Pinheiro Machado, 2.025 - Centro
Gilmar Francisco dos Santos: Rua Sinimbu, 289 – Nossa Senhora de Lourdes
Restauração de Móveis Mello: Rua Treze de Maio, 814 – Cristo Redentor
Flashback Bar 80: Avenida Rossetti, 206 - Pio X