Churrasco, música, dança e, especialmente, a celebração pelo tradicionalismo gaúcho movem o Estado na Semana Farroupilha. As festividades são notáveis e ganham os principais pontos do RS. Em Caxias do Sul, o Parque de Eventos Mario Bernardino Ramos (os pavilhões da Festa da Uva) vira o centro do acampamento gaúcho. Toda esta movimentação, que deve atrair cerca de 250 mil pessoas no município durante os 10 dias de programação, também faz a economia girar. Há serviços que são gerados para trabalhadores, como aqueles que envolvem o núcleo da festa, e existem produtos que ganham um forte acréscimo de vendas no mês de setembro, como a carne para o assado.
Apenas em Caxias do Sul, o Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios (Sindigêneros) calcula que a venda do alimento suba em até 40% - os pontos que mais ganham com isso são aqueles próximos aos Pavilhões.
— Verifica-se aumento na venda de produtos específicos mais relacionados à Semana Farroupilha. Exemplificando, o churrasco deve ter o aumento de 30% a 40% em algumas lojas, principalmente as mais próximas dos Pavilhões — descreve o presidente do Sindigêneros, Volnei Basso, lembrando que arroz e cerveja também são outros produtos com muita saída nesta época do ano.
O coordenador da 25ª Região Tradicionalista, Rodrigo Ramos, concorda com a existência deste movimento. Ramos lembra que a multidão que vai aos Pavilhões procura por esses itens durante os 10 dias de festa. O coordenador, que atua junto à organização do acampamento, observa que há um impacto importante na mão de obra também:
— Além de tudo isso, tem os prestadores de serviços. É o cara que aluga o som, é o cara que aluga o gado para correr, é o cara das estruturas que também fornece o trabalho e tem os empregados. Gira muito em cima disso.
Se existe o impacto nesses setores, há negócios em Caxias e na região que também celebram muito o Mês Farroupilha. Ramos destaca que há um bom crescimento de movimento naqueles produtos ligados às roupas tradicionalistas.
— O que movimenta bastante é a indumentária, tem aquele que precisa renovar, e o que não tem, começa a comprar. Às vezes, aquele que não tem e não consegue comprar, aluga. Então, movimenta tanto o aluguel quanto a compra — afirma o coordenador.
E engana-se quem pensa que estes negócios do tradicionalismo destacam-se apenas neste mês de setembro. O aumento nas vendas existe, mas os negócios estão na rotina de muitos gaúchos e gaúchas o ano inteiro. Todas as lojas consultadas pela reportagem são unânimes: o que mais movimenta o comércio tradicionalista neste mês são os itens infantis, seja roupas ou mini cuias, por conta das atividades escolares.
Assim, além da venda da pilcha, há lojas que trabalham com produtos ligados ao chimarrão e ao churrasco, e até empreendimentos com soluções criativas, como a produção de motor homes especializada para o público de rodeios e acampamentos.
Um universo de opções para o chimarrão
Passou o tempo em que o hábito de tomar chimarrão consistia em ter uma cuia de porongo, uma bomba lisa e a opção de escolher apenas entre a erva tradicional ou a moída grossa. Para muitos gaúchos, tomar o mate ganhou um jeito mais pessoal para optar pelo modelo de cuia, da bomba e também da erva. Isso é possível graças à inovação neste mercado, o que consequentemente movimenta a economia em lojas que trabalham especialmente com um dos símbolos do tradicionalismo. No Centro, quem vê essa mudança de perto é Francine Campos Corrêa, 43 anos, proprietária do Armazém da Erva Mate.
Há 11 anos, o negócio começou justamente porque o marido de Fran, Eduardo Marcon, 54, produzia cuias e os dois vendiam para lojas do Mercado Público de Porto Alegre e de outros municípios, como Santa Maria. Desde então, o casal viu como os costumes mudaram e até os mais tradicionalistas passaram a aceitar a variedade de cuias, bombas e dos apetrechos relacionados ao chimarrão.
— No geral, está bem forte a venda dos apetrechos, com a modernidade que vem chegando no chimarrão. Nas cuias, nas próprias mateiras, que antigamente eram peças mais grosseiras — descreve Fran, como é conhecida.
Antes, as mateiras eram bastante características, geralmente com um brasão e um cavalo. Hoje, existem versões com materiais mais leves e as que têm tonalidades mais delicadas:
— Estão se destacando bem mais. Hoje, já vem diversificada, porque tem a linha feminina. A mulherada chega aqui e se encanta. Até quando não tomam chimarrão, elas levam (a mateira) para colocar a cuia do marido (quando saem juntos).
Além da cuia de porongo, hoje em dia tem a de cerâmica e de madeira, que é a queridinha do momento, ou até mesmo a cuia térmica, como os copos de uma marca mundial que fizeram sucesso. As cores também são as mais variadas: marrom, preta, branca, azul, verde, amarela, rosa, a do time de futebol favorito e outras. O comércio delas, conforme Fran, também teve uma mudança por conta da pandemia: as pessoas passaram a tomar o chimarrão de forma mais individualizada, com cada gaudério e gaudéria procurando ter a própria cuia.
No Armazém da Erva Mate, um diferencial é a bomba de produção própria. Em virtude de ter sofrido uma alergia, por conta do pó gerado na produção das cuias, Marcon precisou parar essa fabricação - atualmente, os itens são terceirizados. Mas, motivado por um amigo, começou a produzir as próprias bombas. Fran detalha que o processo traz itens mais resistentes, duráveis e de fácil limpeza.
— O nosso diferencial é que ele faz bombas de chimarrão soldadas, com solda prata — explica a lojista.
A bomba é removível e vem com um pincel para limpeza. Assim, a parte interna também pode ser higienizada, o que é muito importante e muitos gaúchos até esquecem. E se tem bomba e cuia, tem a erva-mate. Fran comenta que outro sucesso de vendas é a Erva Da Casa, um mate com um ingrediente secreto produzido pela loja. Ela é vendida a granel, junto com outras variedades, como a pura-folha e a uruguaia. São vendidos mais de 100 quilos semanais.
— Temos em pacote algumas marcas e alguma coisa a granel, que o pessoal gosta muito mais — destaca a proprietária.
"O forte ainda é a erva-mate"
Já no bairro Bela Vista, a mesma inovação é vista no chimarrão. Os donos do Mate com Arte, Michael Parizotto, 39, e Helena Machado, 31, percebem a mudança no hábito de tomar típica bebida gaúcha. Assim como na loja do Centro, há uma procura por diferentes cuias, bombas e mateiras. Além disso, os dois empreendimentos percebem empresas buscando a cuia como brinde, especialmente a personalizada. Porém, para o casal, a maior procura ainda está na erva-mate.
— Hoje o forte é ainda a erva-mate — garante Parizotto.
O diferencial também é a erva vendida a granel. O casal contaque buscam marcas exclusivas na região. A mais vendida do negócio é uma erva que vem do Paraná, comercializada há três anos no local. Há ainda uma linha trazida do Mercado Público de Porto Alegre, uma defumada - com aroma que lembra o bacon - e ainda a linha uruguaia. Por mais que essas ervas-mate sejam um pouco mais caras, em preços que partem de R$ 20 o quilo, elas estão conquistando cada vez mais os caxienses.
— O pessoal paga um pouco mais caro. Eles pagam para tomar um chimarrão diferente. É algo que não vai achar no mercado — garante o proprietário.
Assim como em uma típica roda de chimarrão, o casal aprecia os comentários e as experiências dos clientes, que tornam-se amigos. A partir de pedidos ou enquetes feitas pela página do negócio em rede social, Parizotto e Helena começaram a comercializar marcas de erva-mate típicas da fronteira com Uruguai, por exemplo.
— Tem ervas que, para atender clientes que são de fora, nós vamos atrás — afirma Parizotto.
O casal tem até clientes de São Paulo, que vêm a Caxias a trabalho e se apaixonaram pelo chimarrão. Além dessa mudança no costume, os empreendedores atestam que os enfeites também são muito procurados. Eles podem ser personagens da cultura pop, como Bob Esponja, que posam na cuia, ou ainda os coloridos, que podem ganhar formas de estrelas ou flores com moldes feitos para isso.
— Uma vez havia preconceito com isso, mas hoje tem até homem que vem buscar para a esposa — percebe Helena.
O turismo do chimarrão
Em Bento Gonçalves, há um ponto simbólico para a cultura do chimarrão. A Casa da Erva-Mate Ferrari é um empreendimento turístico dos Caminhos de Pedra que leva visitantes a conhecer como era a produção artesanal da erva-mate. O processo encanta e leva a iguaria para o resto do Brasil. Conforme o mês, o local chega a receber 5 mil turistas.
— Geralmente, eles compram a cuia e a bomba. Preparamos o chimarrão para eles e saem daqui já sabendo como preparar — conta a proprietária Jaqueline Ferrari, 57.
O local tem loja com produtos do tradicionalismo gaúcho e com a erva que é produzida na Casa. Além disso, há o Chima Garden, espaço gastronômico do empreendimento. Por receber mais turistas de fora do Estado, a Semana Farroupilha acaba não gerando efeito. Porém, a tradição é guardada e cultivada no turismo.
O incentivo escolar
Quando veio de Santa Catarina para Caxias, o músico Joacir Hilário Santana, 56, não planejava trabalhar novamente com comércio e nem tocar em bailes. Mas, ao chegar no município, Santana percebeu que faltava variedade na venda das indumentárias. Foi quando, há 21 anos, inaugurou o Galpão do Tio Ci, em uma sala da Igreja São Pelegrino. O estabelecimento, hoje, é o segundo mais antigo do município entre os tradicionalistas.
— Eu olhei as lojas aqui na época e eram poucas opções. Ia comprar cuia, mas não tinha erva. Se tinha bomba, não tinha cuia. Bota, por exemplo, só tinha preta. Na minha loja em Santa Catarina, já tinha mais opções que isso. E aqui estava pedindo — lembra Santana.
O negócio do Tio Ci passou por fases. Inicialmente, tinha muitas vendas por conta do turismo em São Pelegrino, o que mudou com o fim do estacionamento na Avenida Itália - que deu lugar ao corredor de ônibus. Já há um ano, a loja mudou-se para a Rua Luiz Michielon, no bairro Cruzeiro, onde nota-se um aumento na venda de itens para churrasco. Santana acredita que isso se deve pelo maior movimento decorrente da nova localização e pelos produtos estarem expostos na vitrine. O ponto tem grande movimento de carros e pedestres.
Durante todo esse tempo no mercado, o comerciante vê um ciclo que repete-se ano após ano: atividades escolares movimentam a venda de vestimentas e produtos como minicuias — o que também foi dito nas outras lojas.
— Semana Farroupilha existe por causa de escolas. O grande movimento são crianças. É fantástico este trabalho, porque estão levando a cultura adiante. Tem criança que vai usar (roupas típicas) nesta semana, mas depois não vai usar mais. Mas tem crianças que se apaixonam e continuam usando. É a sequência da tradição — celebra Santana.
Em setembro, os itens para adultos geralmente representam 30% das vendas, com o comércio sendo dominado pelas crianças. Se esse ciclo não muda, o lojista vê que a cultura gaúcha está se inovando, o que destaca ainda mais o propósito procurado pelo Tio Ci. O comerciante busca dar inúmeras opções aos clientes, seja na indumentária ou em outros itens.
— A tradição gaúcha se inova. Quando abri em 2001, não existia bombacha feminina. Hoje em dia, tem diversidade, tem moda feminina gaúcha. E não existia isso. Dentro da tradição, tem uma inovação — analisa Santana.
Bombacha e vestido para todos gaúchos e gaúchas
Próximo aos Pavilhões, o movimento do Mês Farroupilha é sentido na Mundo em Dança. O proprietário Vilmar Luiz Bortolini, 58, calcula que o crescimento nas vendas de setembro chega a 80%. Além de receber muitas visitas de quem passa pelo acampamento, Bortolini vê que as vestimentas são os itens mais procurados para as crianças. Os adultos gostam de "incrementar" para participar das festividades.
— É a pilcha, a bombacha, a camisa, o lenço, o chapéu... Já na menina é o vestido, uma "alpagartinha", uma sapatilha — descreve o comerciante, que está há 15 anos no ponto.
Bortolini acredita que, além da localização, um diferencial da loja é o horário de funcionamento: são todos os dias do ano, das 7h até as 21h. Nos feriados e em dias de folga, os proprietários é que seguem atendendo. O dono da Mundo em Dança lembra que os direitos trabalhistas são seguidos.
— Não tem hora, não tem dia, meio-dia não fecha. Excelente para o pessoal, especialmente no fim do dia — afirma Bortolini.
Além do horário, que dá uma possibilidade diferenciada ao cliente, Bortolini diz que busca sempre manter produtos de qualidade com preços acessíveis, para que todos possam adquirir sua pilcha e participar das festividades:
— Nós gostamos da nossa cultura, da nossa tradição. Partiu de mim ver a necessidade de um produto com qualidade, mas com preço acessível. Hoje, eu tenho bombacha a R$ 45. É um atrativo muito grande. Nós sempre preservamos isso, ter uma bombacha de boa qualidade, mas acessível ao público. Especialmente quem está na demanda da lida, do gaúcho.
A arte do churrasco
As vestimentas e o chimarrão não são os únicos itens em alta no Mês Farroupilha. Muitos gaúchos buscam uma parceria de respeito para o protagonista da celebração, o suculento churrasco. Trata-se dos tradicionais facões. Quem vê esse movimento de perto é o engenheiro e cuteleiro Tiago Thums, 36. Desde 2010, Thums abriu a Cutelaria Tradição. Como o nome já diz, a inspiração vem da cultura gaúcha:
— A tradição dentro do meu negócio é a origem de tudo. O próprio nome surgiu justamente disso. Eu sou inserido dentro de CTGs desde que eu era criança. Eu comecei dançando no Rincão da Lealdade aos sete anos, fui até os 12 anos. Mas, sim, grande parte do público que compra meu trabalho, que conhece, é justamente o pessoal tradicionalista que busca algo diferenciado.
Com um trabalho que alia a produção tradicional de facas a alta tecnologia, Thums tem um aumento de pedidos até dois meses antes das festividades. O crescimento é de 30% a 40%. São lojas de Gramado, Canela e do Mercado Público da Capital. Além disso, há as vendas online.
— Aumenta bastante (no Mês Farroupilha). A gente vê esse aumento cerca de um mês e meio ou dois meses antes. Os lojistas já estão se preparando para atender esse tipo de demanda — estima Thums.
Hoje, toda a produção fica a cargo do cuteleiro, que tem uma funcionária para administrar o comércio online. A procura pelo produto é diversa. A linha da Cutelaria Tradição parte da faca mais tradicional até itens limitados, que são facas feitas com aço damasco - essas, geralmente guardadas para ocasiões especiais pelos clientes, partem de R$ 800.
Além da linha para churrasco, Thums tem também as linhas de cozinha e de aventura e sobrevivência. Essa última gera mais pedidos de clientes de outras regiões do Brasil e até de países da América Latina e Europa.
Um novo jeito de acampar sem perder a tradição
O amor pela tradição gaúcha também leva a negócios inéditos para Caxias. Ricardo Stein, 32 anos, teve uma ideia que mudou a trajetória profissional dele depois de uma experiência em um rodeio. Stein, que também disputa no tiro de laço, produziu o próprio motor home para carregar, além da família, um cavalo. Amigos adoraram a ideia e encomendaram projetos.
A partir dali, Stein, que tinha uma carreira de 17 anos com móveis planejados, iniciou o novo empreendimento. Atualmente, tem mais de 50 trailers ou motor homes vendidos. Além disso, tem parceria com uma empresa de Santa Catarina que é líder no segmento.
— O homem que está laçando, se tiver que dormir embaixo da árvore, dorme. Mas hoje a família está muito integrada no tradicionalismo, também acompanhando. Entra a questão do conforto, e aí tu consegue acampar, levar a esposa e filhos. Essa é a ideia — explica Stein.
Além de realizar os projetos, Stein também teve uma ideia pioneira no município: alugar trailers. Há quem não queira comprar o próprio, e assim aluga para ir nos rodeios ou acampamentos. O próximo passo para os alugados é ter veículos que comportem também o animal - por enquanto, esse formato está disponível apenas para venda de projetos.
Os projetos geralmente partem de cerca de R$ 200 mil e podem chegar na casa do milhão. Tudo depende do caminhão escolhido, do espaço e também do conforto.
— O básico é o espaço para carregar o cavalo e questão de casa. Internamente acaba sendo um pouco mais enxuto do que o um veículo de passeio. Para o caminhão do rodeio, a prioridade é a cozinha para o lado de fora, porque normalmente não acampa só tu e a esposa — descreve o empresário sobre o formato de um trailer ou motor home para rodeios.
O empreendedor também trabalha com a linha de turismo, mas revela que a maior parte dos clientes são aqueles que querem a casa móvel para os rodeios. A ligação com o tradicionalismo, inclusive, não é por acaso. Por apoio dos pais, que sempre moraram no campo em São Francisco de Paula, Stein participou desde criança de atividades em Centros de Tradições Gaúchas (CTGs).
— Passou de pai para filho — relembra Stein.
E também por conta dos pais, Stein tem um amor especial por cavalos. Desde os três anos, o empreendedor tem pelo menos um cavalo. Há alguns anos, essa paixão também evoluiu. O pai dele o presentou com uma égua com documentos. Foi o pontapé para a Cabanha Ilheus, voltada a criação de equinos.
— Eu não vivo disso, comecei numa brincadeira, para cultivar e tentar de alguma forma espalhar melhor essa iniciativa, o meio do cavalo, que é uma coisa que eu gosto. Estou passando para o meu filho também. O propósito é criar cavalos para ver amigos meus laçando com bicho da minha marca — conta o empreendedor.
Stein tem oito cavalos da própria marca em competições, o que segundo ele é pouco ainda para uma cabanha. Mas, para cultivar o amor pelo bicho e pela tradição gaúcha, é um grande passo.