A adesão ao movimento pet friendly é uma tendência, mas os estabelecimentos de Caxias do Sul ainda dão os primeiros passos para se adaptarem ao modelo que permite receber os clientes com os respectivos animais de estimação. Conforme pesquisa revelada durante o Fórum Turismo em Movimento, em agosto, em Flores da Cunha, quase metade dos entrevistados disse que já deixou de ir a um estabelecimento por não aceitar pets. Ou seja, a adesão ao sistema tem grande potencial de crescimento. Já as lojas onde os animais são bem-vindos garantem que, por isso, conquistaram um público muito fiel.
Uma das referências mais visíveis, inclusive pela volume de visitantes, é o shopping Villagio Caxias. Além da megaloja pet Cobasi, o ambiente apresenta cada vez mais alternativas de lazer e conforto para os animais de estimação. A gerente de marketing, Gabriela Alves dos Santos, explica que, desde 2018, a marca segue o conceito multifamília.
— O shopping é muito mais que um local de compras, é um espaço de conveniência e lazer. Foi quando surgiu este conceito multifamília, que busca oferecer entretenimento para todos. Os pets cada vez mais são considerados parte da família. São casais sem filhos, avós e crianças que querem levar seus pets no passeio da família — aponta.
Nesta adaptação, o shopping recebeu um parque próprio e cercado ao lado estacionamento, onde donos de pets podem com soltar seus mascotes das coleiras. É o caso da Aurora, que estava acompanhada do projetista Luan Rossetti, 31 anos.
— Moramos num apartamento, então procuramos espaços assim, que a gente quer ou precisa ir e que aceitem ela. É bom ver ela correr com outros cachorros. Não temos costume de ir em outros lugares. Se tivesse uma cafeteria próximo de casa, com certeza seria bom ter a companhia dela, mas não conhecemos nenhuma. São locais que a gente que ir para passar um tempo, se tiver (a Aurora) junto é melhor — opina o tutor, argumenta que ser pet friendly é um diferencial positivo para qualquer local de lazer.
Na parte interna, o principal diferencial é o treinamento da equipe, capaz de orientar os tutores e preparada para manter a limpeza. Afinal, o shopping recebe todo tipo e pode ter alguém que é alérgico ao pelo dos animais, por exemplo. Ainda assim, Gabriela conta que ser pet friendly nunca trouxe problemas ou reclamações a administração. Tanto que o próximo passo é criar uma nova praça de alimentação, menor, mas que permita a presença dos pets.
— Percebemos que faltam espaços para pets, principalmente onde possam soltar a guia e brincar. Há clientes que vem toda semana, ou quase todos os dias. Gradativamente, novos tutores acabam aderindo. É um comportamento menos massivo, mas que sabe muito bem o que quer e o que dará conforto para o seu mascote. Ao encontrar, ele fica fidelizado. O nosso grande objetivo é que as pessoas entendam que o shopping é a extensão da casa deles _ argumenta a gerente de marketing do Villagio Caxias.
Uma dessas novas clientes é a empresária Carla Scopel, 32, tutora do Pix, um filhote de Spitz Alemão. Recentemente, ela levou o bichinho pela primeira vez ao shopping.
— Ele tem seis meses, então é um teste. Fico um pouco receosa de deixar ele no chão, com medo da reação das outras pessoas. No corredor, sei que pode (andar com o cachorro), mas entrar nas lojas não tenho certeza. É importante, porque estou sempre com ele. Até pra trabalhar, levo ele comigo. Fico no escritório e ele fica junto. Prefiro locais em que possamos fazer tudo e levar ele junto — conta.
"Não querem deixar seu cachorro em casa", destaca bar ao ar livre
Não há dados estatísticos de estabelecimentos que aderiram ao modelo pet friendly em Caxias do Sul ou na Serra. Contudo, o Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria Região Uva e Vinho (Segh) entende que é perceptível o aumento da adesão. O sistema é visto como uma necessidade diante do potencial do mercado.
— Esta adaptação para bem receber este público tem dado visibilidade. É um agrado ao cliente que cada vez mais passeia acompanhado do seu pet. Vem incrementando fluxo ao setor, mas, pelo que observamos, pode crescer mais. É uma mudança de cultura que as empresas vêm aprendendo como se adaptar e melhor acolher o cliente com seu pet — opina a diretora executiva do Segh, Márcia Ferronato.
Como toda mudança, há receio. Inclusive entre aqueles que têm em seu negócio espaços considerados apropriados para liberar os pets. O Rocca Gardenbar, no bairro Santa Catarina, possui um amplo gramado ao ar livre, onde os clientes podem fazer seu piquenique. Quatro meses após a inauguração, o bar já virou referência para tutores de pets, mas o empresário Leonardo Bianchi admite que houve algumas dúvidas sobre a recepção do público.
— Inicialmente, imaginamos deixar a parte interna mais reservada. Com o tempo, liberamos o acesso dos pets também. Outra questão que ficamos na dúvida era se liberaria o pessoal a deixar os cachorros sem coleiras. Também pelo fato de, às vezes, alguma pessoa não gostar. Mas, nunca tivemos nenhuma queixa ou problema. Ao contrário, vemos até mesmo quem não está com cachorro recebendo e fazendo carinho nos outros pets — relata.
O empresário aponta que ser pet friendly é o principal feedback que o Rocca recebe. Inclusive, pelas redes sociais. Uma divulgação natural que acontece por este público.
— Muita gente fala "fui lá justamente porque podia levar o cachorro". Agora, há outros empreendimentos abrindo, mas percebemos que há poucas opções. As pessoas não querem deixar seu cachorro em casa o dia inteiro. Em um bar, lidamos com pessoas bêbadas, o que é muito pior. A cachorrada não incomoda, ao contrário, traz uma harmonia e uma interação muito grande para o ambiente — destaca Bianchi.
Uma dessas clientes conquistadas por poder ter a companhia de seus companheiros de quatro patas é a estudante de Veterinária Valéria Vicenzi, 22. Quem agradece é a dobermann Nala, de sete meses, que corre solta e brinca com crianças de outras famílias. Já a rottweiler Petra, por seu porte, fica na coleira ao lado da dona.
— Gosto muito daqui (do Rocca) justamente por ter esse espaço e deixar a menorzinha solta. A Petra também é querida, mas assusta pela tamanho, né? Eu vivo com cachorro, então sair com eles é um prazer. Quero levar junto sempre e procuro lugares que permitem — conta Valéria, que é moradora de Flores da Cunha, onde não há locais pet friendly.
— Alguns até aceitam nos receber, desde que fique perto da porta. Muitos lugares são assim, não têm sinalização, na hora que descobrimos se podemos ir. Estamos sempre com cachorro e, por vezes, estamos passando e lembra de algo que precisa comprar, por exemplo numa farmácia. Estes locais que aceitam, para nós, é maravilhoso. Mas, são poucos — lamenta a estudante.
Quem também estava no Rocca recentemente era a contadora Letícia Schiochet, 42, acompanhada do filho Nicolas, 10, e do Puppy, golden retriever de dois anos. Ela escolheu o gardenbar para encontrar a amiga Eliane Rech, 42, e os filhos dela, Lívia e Murilo, 10, justamente para as crianças brincarem com o Puppy.
— Faz diferença pra quem gosta de cachorro e gosta de estar na companhia deles. O principal é a gente se sentir à vontade. Levar e poder ter outros cachorros para eles brincarem. E as pessoas terem essa consciência de que é um local para cachorro, então ninguém irá se incomodar com a presença. Todos ficam mais confortáveis. Que bom que estão aumentando as opções (pet friendly) em Caxias — destaca.
Pet friendly também atrai turistas
O potencial deste segmento pet friendly é visto também por quem quer visitar Caxias do Sul. Em agosto, a Secretaria Municipal do Turismo realizou uma visita técnica em alguns estabelecimentos acostumados a receber os clientes de quatro patas. A iniciativa surgiu após a participação no Fórum Turismo em Movimento, em Flores da Cunha.
— Lá (no fórum), apresentaram uma pesquisa que 30% das pessoas adquiriram pets durante a pandemia. Mais de 60% responderam considerar seu pet como parte da família. E 48% dos entrevistados afirmaram que já deixarem de ir a um estabelecimento por não aceitar pets. São percentuais muito significativos — revela o secretário municipal de Turismo, Ênio Martins.
Outro ponto destacado é que a legislação de Caxias do Sul não dificulta aos estabelecimentos receberem as visitas dos mascotes. É um diferencial visto como positivo, inclusive, dentro da Serra. A visita técnica, portanto, foi uma forma de divulgar e incentivar mais negócios a serem pet friendly.
— Em cada lugar que visitamos, questionamos o quanto era positivo (ser pet friendly). Afinal, consideramos que ainda há pessoas que não se sentem à vontade em ambiente pets. Mas, todos nos responderam que houve um crescimento. Só que não basta aceitar (os pets), é preciso ter um ambiente preparado e confortável ao animal. E ter um regramento, talvez até espaços específicos, para evitar qualquer constrangimento entre clientes que gostam e os que não gostam dos pets — opina o secretário, que admite também ser um cliente que prefere estabelecimentos onde pode levar o seu cão, o Shih-tzu Duck, de sete anos, principalmente nas férias.
— Para muitas pessoas, é importante porque (o animal) é um membro da família. Temos de pensar o turismo também. A hotelaria toda, em qualquer cidade, aceita pets. Então, nosso turista também estará acompanhado de seu pet. Que bom que em Caxias os olhares também estão voltados para este segmento — festeja o secretário Martins.
Fotógrafa pediu recomendações nas redes sociais
A busca por estabelecimentos pet friendly foi um desabafo da fotógrafa Shaiane Giacomelli, 29, em sua rede social. Ela é "mãe" do Henricco, um golden retriever de seis meses. Apesar dos 56,6 mil seguidores que possui, as respostas foram poucas.
— Foi há dois meses, pedi sugestões de locais que aceitavam pets. Só que as pessoas não têm indicação. Ao contrário, me pediram, caso descobrisse, para divulgar também, porque são muito poucos lugares. Mesmo os que aceitam, falta divulgação. Em Caxias, é complicado entender se pode levar (pets) ou não — avalia.
Shaiane conta que ficou surpresa quando descobriu que um dos restaurantes que frequenta aceitava o seu companheiro canino. O Santini Ricci Gastronomia, no bairro Rio Branco, não faz divulgação, mas recebe com carinho os pets.
— Quando aceitamos, nunca foi pensando no negócio. É um gosto pessoal. Gosto bastante de pets e os proprietários também, então foi natural. Quando aparecia um cliente acompanhado do seu cão, convidávamos para entrar. A maioria ficava do lado de fora, mesmo no frio, por estarem habituadas a não poder entrar no restaurante (com o pet). Então, sempre oferecemos a entrar — explica Marcela Albuquerque, 41, gerente do Santini.
— Nossa vida é bem corrida e, por vezes, procuramos um lugar em que possamos fazer tudo junto. Um dia estava correndo e mandei mensagem (ao Santini, onde já era cliente) perguntando se aceitavam ele do lado de fora. Responderam que podia até entrar, o que me deixou surpresa. É difícil encontrar em Caxias um lugar que aceite. Por isso, voltamos mais vezes por causa dele. Ele já sabe até a rotina, vem, senta e almoça com a gente — detalha Shaiane.
Em sua varanda, os pets não têm qualquer restrição. Do lado de dentro, a gerência do Santini decidiu por permitir o máximo de três cães. Marcela conta que é comum clientes aparecerem acompanhados de cachorros de pequeno porte. O maior que apareceu foi justamente o Henricco.
— São pouquíssimos lugares que aceitam, principalmente de raças grandes. Entre os que aceitam, muitos é só para área externa, só que o nosso clima não ajuda. Com estrutura para receber no frio e na chuva, são exceção — aponta a fotógrafa, que continua a divulgar os estabelecimentos pet friendly em suas redes sociais com o seu modelo favorito.
O que diz a vigilância sanitária
A legislação sanitária de Caxias do Sul segue a regulamentação da Anvisa e portarias estaduais, mas não trata especificamente de ambientes pet friendly. A orientação feita aos estabelecimentos é que seja reservado um espaço em área externa para os clientes que desejarem levar seus animais. Em ambientes internos, o recomendado é que seja próximo a porta do local.
A Vigilância Sanitária ressalta que não é permitido qualquer contato de animais com a área onde ocorre manipulação de alimentos. A prefeitura de Caxias não possui uma estimativa de quantos estabelecimentos são pet friendly no município.